sábado, 17 de setembro de 2011

Reino de Deus: liberdade e gratuidade


“Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto” (Is 55, 6).

É muito difícil para o ser humano compreender e aceitar o projeto de Deus, principalmente no mundo atual, marcado pelo jogo de interesses pessoais e corporativistas. Os espaços da liberdade e da gratuidade quase não existem, pois a escravidão e a indiferença dominam as relações interpessoais. Diante disso, Jesus nos apresenta Deus como um Pai bom e misericordioso, que age na liberdade e na gratuidade; um Pai que não impõe condições, que ama incondicionalmente o ser humano e neste amor liberta-o da escravidão e da indiferença. Vamos pensar a liberdade e a gratuidade a partir de Mt 20, 1 – 16, texto evangélico da Liturgia da Palavra deste XXV Domingo Comum.

Deus é o dono da vinha e chama para trabalhar. Há um campo vasto para a ação. O mundo é o lugar do encontro com Deus e da construção do seu Reino. Assim, Deus chama para trabalhar na edificação do seu Reino a partir das realidades mundanas. Este é o desejo divino. Por isso, a religião não pode se refugiar noutro mundo a não ser este, no qual habita conflituosamente o gênero humano. Quem fugir deste mundo, pensando e esperando a salvação num outro, vai perder-se eternamente. A vocação cristã é para o trabalho.

Há pessoas que não param de trabalhar, mas trabalham para si mesmas, em função de si mesmas. Os capitalistas de plantão não pensam em outra coisa a não ser o enriquecimento que, na maioria dos casos, acontece de forma desonesta e, portanto, ilícita. Estas pessoas passam pela vida e se perdem. Elas nunca param para pensar que tal vida não é vida, mas pura ilusão. O mundo está cheio dessa gente corrompida e alienada. Elas vivem iludindo-se pensando que são felizes. Não são trabalhadoras da vinha do Senhor.

Há pessoas que trabalham na vinha do Senhor, trabalham em função do Reino de Deus: são pessoas livres e generosas. São livres não porque não sofrem os condicionamentos da condição humana, mas o são porque depositam toda a confiança no Deus que as chamou para trabalhar. Quem se coloca a serviço de Deus tem nele a sua riqueza, segurança, alegria, proteção, salvação. Deus é a felicidade de seus operários. Ele não tem nada para recompensá-los, porque ele próprio é a recompensa. O ofício divino tem em Deus a sua plenitude.

Os que não trabalham na vinha do Senhor agem conforme a lógica humana e mundana, conforme a política das recompensas e das promoções. O mercado capitalista é marcado pela competição, onde o mais fraco não tem vez. A competência, a agilidade, a qualificação, a atualização são alguns dos valores que regem as relações trabalhistas. Assim, é visível que não há lugar para todos: são excluídos todos aqueles e aquelas que não conseguem acompanhar as exigências tidas como legais e fundamentais para o pleno funcionamento do sistema. Desse modo, como ficam os empobrecidos, que não têm condições para corresponder a tais exigências? São, impiedosamente, excluídos.

Há pessoas que aceitam o convite, comparecem na vinha, mas se recusam a trabalhar, só atrapalham porque querem levar vida fácil: não opinam, não participam, não se interessam com nada, gostam da crítica pela crítica, fechadas em si mesmas, são acomodadas e alienadas. Infelizmente, na vinha do Senhor não é pequeno o número desse tipo de gente. O trabalho não progride por conta da ociosidade destas pessoas. E como o estado ocioso de vida costuma levar a uma vida desonesta e corrompida, elas costumam ser motivo de escândalo e confusão.

Deus é livre, chama na liberdade e propõe a igualdade entre as pessoas. Enquanto o homem explorar seu semelhante não haverá liberdade nem igualdade. Por isso, liberdade e igualdade plenas somente no Reino de Deus, mas isto não significa que não se deva lutar pela dignidade do gênero humano promovida por estes dois valores fundamentais. O que Deus quer é o contrário daquilo que homem pensa, prega e tenta tornar legítimo: “Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55, 8).

A vontade divina é a liberdade do ser humano, pois somente na liberdade há verdadeira felicidade. Portanto, sem equívoco algum podemos afirmar que o homem pós-moderno está com sua liberdade totalmente comprometida pela ambição do ter, do poder, do prestígio e do saber. Há excessos em tudo, há gente desequilibrada em toda parte, principalmente dentro da religião. No saber, costuma ser vaidoso; no poder, quer dominar o próximo; no prestígio, sente-se superior aos demais; no ter, não se contenta com o necessário. O ser humano está gravemente enfermo e juntamente com todas as instituições por ele criadas e mantidas.

Assim como o patrão da parábola, que se mostra condescendente com os que chegaram por último, igualando-os com os que chegaram primeiro à vinha, o cristão deve aprender e cultivar o espírito da igualdade. Esta é dom da liberdade. O homem livre busca se conhecer e nunca se julga superior nem se impõe sobre os demais. As idéias, as palavras e as atitudes do homem livre são sempre propostas; somente assim a acolhida do outro é livre.

Deus é livre e libertador. Diante dele ninguém tem o direito de exigir tratamento diferenciado. Para Deus não há hierarquia nem titulação, todos são iguais porque ama a todos, incondicionalmente. Quem não aceitá-lo dessa forma corre o risco de construir um falso deus a partir das próprias projeções. Quer aceite, quer não, o ser humano é imagem e semelhança da bondade, da misericórdia e da liberdade divinas. Assim Deus o quis para a felicidade de todos.

Segundo o apóstolo Paulo, procurar viver a vida a partir destes valores é viver “à altura do Evangelho de Cristo” (Fl 1, 27). A Igreja precisa, urgentemente, de leigos e ordenados que cultivem um estilo de vida livre, generoso e misericordioso, a fim de que o mundo veja e creia na Boa Notícia de Jesus de Nazaré; do contrário, a crise na qual vivemos agravar-se-á sem esperanças de recuperação.


Tiago de França

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