sábado, 24 de setembro de 2011

A religião e a humanização do ser humano


“Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus” (Mt 21, 31).

Houve uma época em que se dizia que a religião era o único caminho que levava a Deus: fora da religião não existia salvação. O tempo passou e descobriram que continuar afirmando isso não daria certo, pois se constatou que muitas pessoas estavam fora da religião e a cada dia que se passa acentua-se cada vez mais a secularização e o abandono da religião tem se tornado claro e evidente. Ninguém ousa negar tal fato histórico.

O papa Bento XVI está na Alemanha, sua terra natal. Alguns católicos entusiasmados estão felizes ao reencontrá-lo e pedem socorro. Na Alemanha como em outros tantos lugares, os próprios católicos, em sua maioria, não acreditam mais a religião: estão cansados dos escândalos de pedofilia, querem a aprovação do casamento gay, a ordenação de mulheres, o fim do celibato obrigatório, a legalização do aborto e exigem uma Igreja mais humana e aberta às questões da vida pós-moderna.

Diante de tantos anseios, a Igreja se encontra sem saber muito o que dizer, simplesmente recorre ao seu sistema doutrinal tradicional. As pessoas param para escutar já sabendo o conteúdo do discurso papal. Elas sabem da dificuldade da Igreja no diálogo com questões pós-modernas, sabem que a Igreja mal assimilou o Concílio Vaticano II e que este precisa ser lido e atualizado, pois o mesmo não possui respostas para os problemas surgidos posteriormente à sua realização.

Neste sentido, o texto evangélico da Liturgia da Palavra deste XXVI Domingo Comum ousa nos apontar um caminho alternativo para a resolução desse impasse histórico que está levando à morte da religião. No texto (cf. Mt 21, 28 – 32), Jesus entra em conflito com as autoridades religiosas de seu tempo, autoridades que tinham os mesmos defeitos de muitas da religião atual: fechadas em si mesmas, puritanas, legalistas, autoritárias, prepotentes e inimigas da verdade e da liberdade.

Os religiosos do tempo de Jesus não o acolheram porque se decepcionaram com seu jeito de ser: livre e libertador. Todas as palavras e ações de Jesus de Nazaré entravam em contradição com aquilo que eles viviam. Assim, jamais poderiam chegar a um consenso nem viver unidos, pois Jesus não aceitava a hipocrisia e a exploração dos pequenos que se davam através das práticas religiosas. Estas práticas julgavam, condenavam e excluíam os pequenos e pecadores.

Os pequenos e pecadores viviam à margem da religião judaica. Para os religiosos, o problema de Jesus foi ter se enturmado com essa gente, se colocado definitivamente ao lado deles, vivido entre eles. Os religiosos queriam um Messias fiel à lei e que vivesse no Templo de Jerusalém, morada do Deus santo e puro, lugar dos sacrifícios de expiação pelos pecados. Apesar disso, era também lugar de humilhação, suborno e exploração. Jesus não era sacerdote nem levita, logo não se identificou com o Templo. O lugar de Jesus era no meio da raça pecadora, pois veio primeiro para as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15, 24).

Fica evidente, então, que Jesus aponta para os últimos. Estes são os seus prediletos. Para sobreviver no mundo, a religião precisa não somente estudar e olhar para os últimos, mas assumir seus clamores e lutas. Imediatamente após o Concílio Vaticano II houve certa efervescência na Igreja. Na América Latina, apareceu a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base, a Igreja se identificou com as lutas do povo contra as ditaduras, contra o neoliberalismo e contra todas as formas de opressão. Muitas pessoas foram martirizadas. As pessoas ficavam admiradas com muitos Bispos, Padres e leigos profetas. Nesta época, a Igreja era não somente respeitada, mas temida pelos poderosos.

E hoje, como estamos? O que aconteceu? Acabaram-se as lutas e a opressão? Basta assistirmos aos noticiários e olharmos à nossa volta para percebermos que a vida dos pequenos continua sendo massacrada. O que se questiona é a ausência da Igreja nas lutas dos pobres. É verdade que há Bispos, Padres, Religiosos e Religiosas, leigas e leigos inseridos nas lutas por libertação; mas, infelizmente, é verdade também que o número destas pessoas é pequeno.

Esta é uma constatação feita no Documento de Aparecida. Os Bispos sentiram a necessidade de alertar a Igreja para um maior compromisso com os empobrecidos (DA, 397 – 399). Desde a Conferência de Medellín se fala deste compromisso e o que assistimos é a crise deste mesmo compromisso. Assistimos a uma profunda crise de responsabilidade em todos os segmentos da sociedade, inclusive na Igreja. A maioria das pessoas só aceita uma religião de satisfação dos desejos na qual Deus não passa de uma mera fonte de milagres.

A situação do clero não é diferente, pois, infelizmente, há inúmeros “presbíteros mais preocupados com seu caráter e poder sagrados do que com uma presença significativa no mundo, com o diálogo com a sociedade, com serviço competente ao homem de hoje. No meio de tudo isso há presbíteros high-tech, uma espécie de sacralização pós-moderna: combinação de um discurso mágico-fundamentalista (apologético) com os recursos mercadológicos da comunicação de massa” (L. R. Benedetti, O “novo clero”: arcaico ou moderno?, in REB 49 [1999], p.89).

Eis o desafio atual: ou a Igreja se coloca definitiva e integralmente a serviço da humanização do ser humano, ou não irá sobreviver à crise interna que a definha aos poucos. Os cobradores de impostos e prostitutas estão aí, no mundo, à espera da Igreja. Lançar as redes para as águas mais profundas é mais do que uma necessidade, é uma urgência eclesial. Neste sentido, cultivar o diálogo, a abertura, a honestidade e acolher o novo que o Espírito faz surgir são atitudes fundamentais para que tenhamos uma Igreja mais humana e solidária.


Tiago de França

2 comentários:

voip services disse...

your blog is informative

india to maldives cruise disse...

Great post, thank for share! I will return this blog to read more useful posts. Thanks!