segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Natal de Jesus


“E a Palavra se fez homem e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade” (Jo 1, 14).

O Natal não é a festa de aniversário de Jesus de Nazaré, mas a celebração de um acontecimento histórico que marcou a história da humanidade: a encarnação do Filho de Deus. Nossa breve reflexão parte desta afirmação. De fato, conforme reza as Escrituras, na cidade de Davi nasceu para nós um Salvador, que é o Messias, o Senhor (cf. Lc 2, 11). O mercado que promove o consumismo tenta ofuscar e marginalizar esta Boa Notícia. Infelizmente, falar de Natal é o mesmo que falar de presentes e de festas pouco ou quase nada cristãs. Há muita alegria e comemoração, mas sem nenhuma referência com o mistério da encarnação de Jesus de Nazaré.

Quem professa de verdade a fé em Jesus deve se recusar a esta deturpação do verdadeiro sentido do Natal. Este não tem nenhuma ligação com o dar presentes, com o tal Papai Noel, com enfeites etc. Como, então, celebrar o Natal de Jesus? Toda celebração deve ser precedida e/ou acompanhada de uma reflexão a respeito do sentido daquilo que estamos celebrando ou queremos celebrar. A celebração litúrgica do Natal em nossas igrejas, nos ofícios solenes das vésperas e do dia, falam do mistério da encarnação do Verbo de Deus, Jesus, o Cristo de Deus. Para que não pensemos que o Natal é somente liturgia, vamos meditar a respeito de três aspectos do mistério da encarnação do Verbo de Deus.

Primeiro aspecto: Jesus nasceu pobre entre os pobres para evangelizar os pobres. Desde o Antigo Testamento, o Senhor Deus prometeu, por meio dos profetas, o envio do Messias. Este nasceu na pobreza de Belém, terra de Judá, deitado numa manjedoura. Não houve lugar para que ele nascesse. Jesus nasceu na periferia do mundo, ou seja, Deus escolheu se encarnar na pobreza deste mundo. Toda a sua vida foi marcada pela pobreza material. A partir da pobreza, Deus confundiu aqueles que viviam entregues às riquezas e exploram seu povo. Deus desceu para libertar seu povo a partir do estado de miséria, exploração e pobreza deste mesmo povo.

Crer no Cristo pobre e indefeso requer assumirmos uma postura e um compromisso: a postura de pobre, ser como os pobres, viver pobremente, despojando-nos de tudo aquilo que nos impede de seguir este Cristo. O compromisso é o de trabalharmos na edificação do Reino de Deus, centro da mensagem cristã, sentido último da promessa divina. Trabalhar pelo Reino de Deus significa se opor a toda forma de mentira e exploração do povo de Deus, colocar-se a serviço da libertação integral dos que mais sofrem, denunciar as injustiças e anunciar a Boa Notícia que salva e liberta.

Segundo aspecto: Jesus nasceu para restituir a vida e a liberdade ao ser humano. Todas as palavras e gestos de Jesus promoveram a vida e a liberdade do ser humano. Este está sempre em primeiro lugar. Nada nem ninguém têm o direito de agredir a vida e tirar a liberdade humanas. A vida humana se realiza na liberdade: esta é um bem inalienável e um valor imprescindível a ser permanentemente buscado. O Cristo é o Salvador porque é o Libertador, ou seja, Ele nos salva nos libertando do medo e do poder da morte. Por isso, o compromisso de toda pessoa que se dispõe a seguir Jesus é centrar todo o esforço na promoção e na defesa da vida e da liberdade.

A espiritualidade cristã ensina que ninguém pode se colocar na condição de senhor da vida do próximo. Este tem o direito de ser livre para ser verdadeiramente feliz. Neste sentido, Jesus ensinou que quem quiser ser o maior ou o senhor deve se tornar o servidor de todos. Na comunidade cristã não deve haver grandes e pequenos, senhores e escravos, aqueles que mandam e os que obedecem, ricos e pobres, os que controlam e os que são controlados: todas estas realidades são de um mundo que desconhece a mensagem evangélica. O Reino de Deus é o oposto de tudo isto, ou seja, no Reino de Deus todos são filhos de um mesmo Pai, irmãos uns dos outros, submetidos ao amor e no amor sendo felizes.

Terceiro aspecto: Jesus nasceu para nos ensinar que no amor está a salvação do ser humano. O Evangelho mostra que Jesus não pediu um culto para si mesmo nem fundou uma religião para ser adorado, mas ensina que no seguimento a Cristo podemos e devemos viver no amor. A religião com suas práticas religiosas pode ser útil, mas se praticadas com espírito farisaico e/ou com hipocrisia pode nos desviar do caminho que leva ao Reino de Deus.

A celebração do Natal não pode priorizar o culto. Não adianta celebrarmos bem o culto se nos recusamos ao amor, que é o mandamento fundamental de Jesus, o enviado do Pai. O mundo atual está profundamente marcado pelo desamor. Este se manifesta nas guerras, nas diversas formas de violência, na intolerância, no preconceito, na fome, na prostituição, no desrespeito, na indiferença etc. Todos estes males são atitudes e fatos realizados por quem se esqueceu que o amor é que verdadeiramente confere sentido à existência humana.

Por isso, prezado/a irmão/ã em Cristo, peçamos a Deus, nosso Pai amoroso, que com seu Espírito torne fecundo o nosso coração para vivermos o amor, pois neste está a nossa salvação e a salvação do mundo. Não tenhamos medo do amor, entreguemo-nos a ele, pois somente ele é capaz de nos libertar do medo e do poder da morte. Para que a vida surja e se mantenha é preciso que nos entreguemos ao amor. O amor é a fonte da vida. Deus é amor e é a nossa vida.

Nesta solene celebração do Natal do Senhor, desejo a você e sua família meus sinceros votos de um Feliz Natal!

Em Cristo nascido na manjedoura de Belém,

Tiago de França, CM
Desde Colônia Leopoldina – AL, 26 de dezembro de 2011.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Ser testemunha de Jesus


“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu, enviou para dar a boa-nova aos humildes” (Is 61, 1).

Ser testemunha de Jesus: eis o chamado de Deus para o ser humano. O que significa ser testemunha de Jesus? O texto evangélico deste III Domingo do Advento (cf. Jo 1, 6 – 8.19 – 28) nos mostra a figura do profeta João Batista, aquele que “veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz”.

É o Espírito de Deus que suscita no mundo e na Igreja as testemunhas de Jesus de Nazaré, e para testemunhá-lo é preciso se colocar no seu caminho, caminho estreito, pedregoso e perigoso. Toda testemunha de Jesus age ungida e/ou inspirada pelo Espírito, portanto, não fala de si mesma nem para si mesma. A testemunha de Cristo existe em função da adesão ao projeto libertador de Jesus, em função do Reino de Deus. Ter fé em Jesus é aderir seu projeto. Não adianta o contrário: engana-se quem afirma ter fé em Jesus, mas se recusa a ser operário de sua vinha. Quem assim procede não tem fé, mas vive iludindo-se.

João Batista foi enviado ao mundo por causa de Jesus, veio dizer para as pessoas que o Messias estava chegando, e o disse com toda verdade e liberdade. Como Jesus, era um homem do deserto, ou seja, livre para ajudar na libertação de quem quisesse seguir o cordeiro de Deus. Sua liberdade o levou ao martírio. Com sua morte, mostrou que o caminho de Jesus é o da libertação integral e plena, vida abundante para todos. Era homem da palavra e do gesto fundamentados na verdade e na liberdade: características do autêntico profeta do Senhor.

“Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias”. Com estas palavras, João Batista reconhece e fala de sua missão. Antes delas, ele afirmou ser apenas uma voz. Não era a voz, mas uma voz que não falava de si mesmo, mas apontava para o verdadeiro Messias, o Cristo. Este estava no meio do povo, misturado com os pecadores, à espera do batismo. Ambos eram homens que estavam no meio da gente pobre, misturados com os pecadores, sinais de contradição para muitos em Israel, especialmente para os líderes da religião oficial.

João Batista é um modelo de pessoa que escuta a voz do Espírito do Senhor e se entrega à missão profética. Trata-se de um chamado universal, que é para todos, mas nem todos estão dispostos a assumi-lo. A missão profética tem algumas exigências e é profundamente marcada pela humildade, simplicidade, verdade, ousadia, coragem, perseguição, confiança plena na vontade divina e martírio. Estas características tornam o profeta uma pessoa livre, integrada, disposta a dar a vida pelo Reino de Deus. Assim era João Batista.

A profecia é necessária à Igreja, esta não existe sem aquela. Os profetas ajudam a Igreja a converter-se, a colocar-se no caminho de Jesus, a ser, verdadeiramente, instrumento de salvação e não motivo de escândalo e confusão para o mundo. Para testemunhar Jesus, a Igreja precisa escutar o que o Espírito fala por meio dos profetas. Escutá-los é muito difícil porque eles não falam “pela metade”, mas falam a palavra de Deus, que por si mesma é exigente e orienta para a conversão. Eles não ocultam nem manipulam a palavra de Deus, mas a proclamam até as últimas conseqüências.

Por fim, é preciso recordar que os profetas reforçam a esperança dos pobres. Estes, em todas as épocas e lugares, são os que mais sofrem, são as maiores vítimas das injustiças sociais: a corrupção se intensifica; o capitalismo, apesar de convalescente, continua ceifando vidas; a fome continua matando milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente no continente africano; a indiferença e o ódio causam mortes e conflitos entre nações e pessoas; a exploração desmedida da Amazônia assusta, deixa centenas de famílias sem rumo na vida e ameaça a biodiversidade; a Europa está incrédula, perturbada e sem futuro garantido etc. Em meio a tudo isso, os pobres são os mais vulneráveis e, conseqüentemente, os que mais sofrem.

Apesar de tudo, a esperança dos pobres vive! Os profetas são as mulheres e homens que, na Igreja e fora dela, com palavras e gestos que anunciam e denunciam, reforçam a luta dos pobres rumo à libertação plena, que acontecerá no Reino de Deus. Neste, eles têm lugar garantido, porque confiam na promessa do Deus da vida e da liberdade, promessa que garante a felicidade para aqueles que não perderam a esperança num outro mundo possível. Por não perder a esperança, o povo de Deus é um povo que caminha perseverantemente até a volta daquele que proclamou que a vontade de Deus é que o ser humano e toda a criação sejam recriados e tenham vida plena.


Tiago de França

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O risco de pensar


O homem é um ser que pensa, que sabe que sabe e que dá sentido às coisas, aos fatos e à própria existência. Somente o ser humano é assim. Na difícil arte de pensar há inúmeras dificuldades, dentre as quais enumero três para uma breve reflexão: 1) o pensar no que os outros pensam; 2) o pensar por si mesmo e 3) a liberdade: conseqüência inevitável do pensar autônomo.

Pensar no que os outros pensam é uma preocupação de muita gente. Penso que pensamos no que os outros pensam a respeito de tudo e de todos. Aqui se questiona a falta de liberdade no pensar, ou seja, é preciso que pensemos diferente. É comum o pensamento comum: “Eu penso como fulano pensa”. É verdade que não há problema nisso, mas é verdade também que não é possível que todo mundo pense igualmente, sem diferença alguma.

Há pessoas que não se dão o trabalho de pensar diferente. Elas dizem que pensar diferente dá trabalho e gera sofrimento. Por isso, se contentam com o senso comum, com aquilo que está estabelecido e normatizado, considerado correto e normal. No fundo, estas pessoas não querem questionar as próprias certezas que adquiriram durante os dias até então vividos. Elas têm medo de perder a segurança oriunda das convicções arraigadas e intocáveis.

Há outras que vivem preocupadas em saber sobre o que os outros pensam delas e quando tomam conhecimento de alguma opinião a seu respeito, elas consomem suas energias no pensar no que estes outros pensam. Isso significa que tais pessoas vivem em função daquilo que os outros dizem. Mostram que não possuem opiniões formadas a respeito de si mesmas dependendo, assim, da opinião alheia. Pessoas que assim procedem acostumam-se ao sofrimento e nele sobrevivem até não suportarem mais.

O pensar por si mesmo é uma arte bela e perigosa. Bela porque confere ao ser pensante uma sensação daquela liberdade que se alcançará plenamente numa outra vida que não é essa; perigosa porque pode levar à morte. Todos os sistemas de organização social e religiosa nunca admitiram que as pessoas pensassem por si mesmas. O pensar por si mesmo sempre foi considerado como caminho para a desordem. Para evitar a desordem, o sistema pensa pelas pessoas, dando-lhes respostas prontas para seus anseios e problemas.

Todo sistema, quer civil, quer religioso tem a solução pronta para todo problema e para qualquer tipo de pessoa. Tudo funciona quando as pessoas aceitam as recomendações, orientações, prescrições e obrigações impostas sem nenhuma abertura e diálogo. O leitor poderá chamar isso de ditadura, e eu afirmo que, de fato, é. Há ditaduras escondidas por detrás de pseudodemocracias. É ilusão pensar que as pessoas são livres para fazer o que quiser de suas vidas. Isto nunca foi verdade. Esta liberdade ainda não existe. Os sistemas são tão bem pensados e seu funcionamento é tão eficaz que se procura até controlar o pensamento das pessoas.

Quem procura pensar por si mesmo é alvo da perseguição e da falsa compreensão. Perseguição porque pensar diferente não é normal, pois vai contra aquilo que está estabelecido e aceito como ordenadamente correto e normal; falsa compreensão porque os que pensam diferentes são compreendidos, só não são aceitos. Na verdade, podem ser tolerados, jamais aceitos, porque seu pensar representa, em menor ou maior grau, uma ameaça à ordem estabelecida. As ideologias e os mecanismos de controle que as produzem e as asseguram são os instrumentos necessários para que tudo se perpetue.

A vida só vale a pena ser vivida na busca constante da liberdade, e somente a busca quem se arrisca a pensar por si mesmo. Diante dos mecanismos de controle e manipulação da consciência é preciso encontrar as brechas que existem, ou seja, com jeito e ousadia procurar criar espaços de liberdade. Estes são poucos, mas existem em todo lugar do mundo. O primeiro espaço de liberdade é a própria consciência humana, livre do controle e da subordinação. A consciência livre é o maior instrumento de conquista da liberdade. O pensar por si mesmo ensina o agir por si mesmo e a coragem torna-se a virtude daquelas pessoas que lutam pela conquista da liberdade, direito inalienável de todo ser humano. Não há verdadeira felicidade fora da conquista pela liberdade. Esta é a conseqüência inevitável do pensar autônomo.


Tiago de França