sábado, 10 de março de 2012

Mulher: ternura, amor e vida


As circunstâncias históricas pouco favoráveis fizeram nascer o Dia Internacional da Mulher. As mulheres cansaram de ser humilhadas e exploradas e gritaram por justiça. Este clamor tornou-se incessante e, graças a isso, atualmente a mulher sofre menos do que em outras épocas. Há todo um caminho a ser percorrido rumo ao legítimo reconhecimento da dignidade feminina nas mais variadas culturas e sociedades. Tal reconhecimento passa pela igualdade de gênero, longe da idéia de que a mulher é igual ao homem, mas ambos deveriam ter seus direitos igualmente reconhecidos e, mais do que isto, poderiam viver mais harmoniosamente em vista de uma sociedade menos machista e desigual.

Pode-se falar a respeito da mulher a partir de vários aspectos, pois se trata de uma personalidade singularmente provocante. Para fazer jus a esta data tão significativa, quero abordar, brevemente, quatro aspectos do feminino na vida humana: 1) a mulher como companheira dada por Deus ao homem; 2) a mulher enquanto protagonista da própria história; 3) a mulher chamada à realização no amor e 4) Jesus e sua relação com as mulheres: um apelo à Igreja. Essas e outras questões são abordadas por diversos autores da Teologia, Antropologia e Psicologia. Darei algumas pincelas a respeito destes aspectos, a partir daquilo que penso a respeito dos mesmos.

1 - Mulher: companheira dada por Deus ao homem

No livro do Gênesis das Escrituras Sagradas narra-se a criação do homem e da mulher, ambos foram criados à imagem e semelhança de Deus. O relato bíblico afirma que Deus criou a mulher para ser a companheira do homem, pois este estava sozinho e na criação não encontrou nenhuma criatura que lhe fosse semelhante e que lhe servisse de companheira. O homem (Adão) denominou-a mulher, por ser carne de sua carne e osso de seus ossos. Ele a reconheceu como companheira.

O ser humano não consegue ser feliz sozinho. A Bíblia e todas as ciências humanas atestam isto. O humano é um ser que nasce numa comunidade para viver a comum-unidade. Nesta acontecem as relações, que nos constituem e nos faz existir. Não existimos para nós mesmos, mas para o outro. Somos imagem do Deus que se encarnou em Jesus de Nazaré. Toda a vida do Filho de Deus foi um movimento para o outro (alteridade). A vida passa, necessariamente, por este movimento. A vida é movimento, relação, construção no encontro com o outro.

A mulher se encontra na esfera do intimamente particular da vida humana, no sentido de que é na relação com ela que a vida acontece; relação que acontece na ternura da intimidade de um casal. Todo ser humano nasce deste encontro necessariamente sublime e fecundo do homem com a mulher. Assim Deus fez e quis. Esta união geradora da vida constitui a humanidade e garante sua sustentabilidade. No dia em que o homem recusar definitivamente a mulher, eis que a espécie humana deixará de existir.

É verdade que não se pode reduzir à esfera da procriação a relação do homem com a mulher. A procriação não é a finalidade última da relação entre ambos. Deus viu que o homem estava sozinho e resolveu dar-lhe uma companheira. Não há quem suporte a solidão. Trata-se de um dos maiores males da condição humana. Não tendo vocação para a vida isolada, o ser humano não suporta a solidão, assim como nenhuma forma de isolamento e/ou desprezo. Neste sentido, a mulher é chamada a não permitir que tanto seu companheiro quanto ela mesma caiam na solidão. Elimina-se a solidão na autêntica relação entre ambos. Homem e mulher são chamados a ser felizes numa relação pautada no amor e na liberdade.

2 - Mulher: protagonista da própria história

Até hoje há culturas que consideram a mulher um ser inferior ao homem. Este é detentor da força e do poder, enquanto a mulher é considerada por muitos como “sexo frágil”. A dignidade feminina sempre foi violentamente atacada e, por muito tempo, certas formas de violência eram consideradas normais.

Com a evolução das ciências e do pensamento, a mulher foi despertando para uma nova consciência e se viu na necessidade de procurar defender-se de seus agressores forçando a criação de instituições de defesa e promoção do feminino na história. A recente Lei Maria da Penha, no Brasil, é dos momentos mais significativos da conquista feminina por liberdade.

Atualmente, no campo afetivo-sexual, mais do que em outras épocas, a mulher é considerada por muitos objeto de uso sexual. A indústria dos cosméticos e das cirurgias plásticas, assim como o uso de silicones e outros recursos são excessivamente utilizados principalmente pelas mulheres.

A “cultura” do “corpo sarado” transformou-se numa verdadeira ditadura que tem deixado muita gente doente, física e psicologicamente. É pequeno o número das mulheres jovens que conseguem dizer não a este processo de desumanização do corpo feminino. O corpo humano, tanto do homem quanto da mulher, sofre sérias agressões e se mostra cada vez mais superficial e doentio. De modo geral, as pessoas terminam sendo aquilo que não corresponde à verdade de si mesmas.

Para ser protagonista da própria vida, a mulher precisa se posicionar, ver e pensar a realidade, ter visão crítica diante das ofertas mercadológicas e das falsas promessas de felicidade. A felicidade não passa pelo mero cultivo da aparência, não é algo para ser visto e apreciado, nem muito menos para ser experimentado momentaneamente. A felicidade não se encontra no imediato nem no ilusório, mas no amor como caminho para a liberdade.

3 - Mulher: chamada à realização no amor

Diante de toda e qualquer forma de opressão feminina, somente o amor consegue libertar a mulher. A autêntica realização passa pelo amor, que se manifesta na doação de si, no cultivo de uma vida saudável, na amizade com o outro, na esperança de um outro mundo possível, no despojamento que liberta dos apegos.

Evitar apegar-se às coisas, realidades e pessoas é caminho certo para se viver verdadeiramente o amor. Quanto mais acreditar e buscar viver o amor, mais emancipada se tornará a mulher na história, pois é no amor que encontrará força e sentido para continuar lutando por uma vida mais digna e, portanto, humana.

4 – Jesus e sua relação com as mulheres: um apelo à Igreja

Os evangelhos mostram que Jesus se relacionava com as mulheres e as tratava com dignidade (cf. Mt 21, 31-32; Mc 2,15; Lc 7, 37-50, entre outros textos). Ele sabia que no seu tempo a mulher não era valorizada e que o Judaísmo a relegava ao foro doméstico. Inserido numa cultura patriarcal, Jesus de Nazaré escandalizou os religiosos de sua época, pois se relacionou não somente com as mulheres consideradas honradas, mas, sobretudo, com as que eram rejeitadas pela religião e pela sociedade por serem tidas como pecadoras públicas.

Jesus não estava preocupado com o que diziam a respeito de sua relação com estas mulheres. Aproximava-se delas e as tocava, deixando-se também ser afetivamente amado por elas. Isto provocava a ira das autoridades religiosas judaicas, pois estas observavam a lei do puro e do impuro condenando, assim, a atitude acolhedora de Jesus em relação às mulheres pecadoras. Ao ressuscitar, Jesus preferiu aparecer primeiro à Maria Madalena, sua fiel discípula. As mulheres faziam parte do grupo dos seguidores de Jesus e o ajudavam na missão. Para a surpresa de todos, ele as acolheu sem nenhum espírito de superioridade, evitando toda espécie de julgamento e condenação.

As Igrejas cristãs ainda não aprenderam a fazer uma leitura correta sobre a postura de Jesus nos evangelhos. Até os dias atuais, a mulher não tem tratamento igualitário no interior das Igrejas. Na Igreja Católica, a mulher está proibida de fazer parte da hierarquia (diaconato, presbiterado e episcopado). A Igreja, equivocadamente, tenta usar as Escrituras para legitimar tal proibição, o que jamais irá conseguir, pois na Bíblia não encontramos nenhum versículo que possa confirmar tal proibição.

Certamente, teríamos outro modelo mais evangélico de Igreja se a mulher participasse de seu corpo hierárquico. Portanto, a hierarquia da Igreja não tem autoridade para falar de igualdade nas relações de gênero, pois se ousa fazer está em profunda contradição consigo mesma. É preciso, pois, que a hierarquia releia o Evangelho e aprenda com Jesus a reconhecer, não com palavras e discursos, mas com atitudes e revisão de sua estrutura, o valor e o lugar da mulher na Igreja em vista de sua missão no mundo. As pessoas esperam da Igreja atitudes, pois seus documentos já não são mais lidos, a não ser pelos que precisam lê-los em função dos estudos, e seus discursos já não são mais escutados.

Tiago de França

Um comentário:

Arkdoken disse...

É pelo menos curiosa defesa tão entusiástica do papel das mulheres na vida humana e de sua relação com o Cristo e nenhuma palavra sobre a castidade dos padres.