“Eu
sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10, 11).
O quarto Domingo do Tempo Pascal é
chamado Domingo do Bom Pastor, porque o texto evangélico faz alusão à figura do
pastor que dá a vida por suas ovelhas. É momento oportuno para um sincero e
honesto olhar sobre o ministério dos pastores do povo de Deus. No texto
evangélico da liturgia deste Domingo (Jo 10, 11 – 18) Jesus dá ênfase ao dar a vida: expressão que se repete
quatro vezes no texto. Ele faz questão de dizer que dá sua vida, livremente.
É na perspectiva da doação da
própria vida que refletiremos sobre
o ministério de nossos pastores. Historicamente, na Igreja, é pastor quem faz
parte da hierarquia, e quem não é ordenado ainda é visto como ovelha. Esta
configuração, aos poucos, está mudando, pois não está sendo aceita facilmente. Na
posse de bispos e padres, estes são denominados pastores do rebanho do Senhor
que lhes é confiado. Pesa sobre eles a responsabilidade de conduzir e
santificar o povo de Deus. A história da Igreja é marcada pelo testemunho de
muitos pastores, que deram sua vida em nome do Evangelho de Cristo.
O
que é necessário para dar a vida em nome de Jesus e de seu Evangelho? O
texto responde o seguinte: é necessário conhecer as ovelhas, conduzi-las,
importar-se com (cuidar) delas e, por fim, dar a vida com liberdade. Vamos
pensar sobre cada uma destas atitudes.
É necessário
conhecer
A relação entre pastor e ovelha é
de proximidade. Não se pastoreia ovelhas no campo sem que haja aproximação,
contato, comunicação, encontro. Na vida da Igreja, o diácono e o padre são os
que mais se aproximam das pessoas. Apesar desse esforço por parte de muitos, é
preciso reconhecer um grave pecado: não é pequeno o número de padres que se
dedicam quase que exclusivamente à administração burocrática de suas paróquias
e se esquecem de se aproximar das pessoas. O contato com o povo se encerra na
administração sacramental.
São diversos os motivos que explicam
tal afastamento: há os que não gostam de se “misturar” com o povo simples
(conheço alguns que tem verdadeira aversão à gente pobre!); há os que não se
encontram no meio dos pobres, não sabem se colocar no meio deles, sentem-se
“perdidos”; há os que mantêm contatos somente com aquelas pessoas e famílias abastardas
etc. Sem equívoco algum podemos denominar estes pastores de funcionários do altar ou meros
representantes da Igreja: não arriscam suas vidas e seu ministério
corresponde unicamente à administração dos sacramentos. Deles nada se pode
esperar a não ser isto.
É necessário
conduzir
Na relação pastor-ovelha aparece
a necessidade de o pastor conduzir a ovelha ao curral. Há ovelhas que precisam
de ajuda, orientação; precisam ser encaminhadas ao curral, pois correm o risco
de ficar no caminho, esquecidas. Na vida da Igreja acontece a mesma coisa: há
pessoas que precisam de uma orientação, de acompanhamento, de esclarecimento,
de alguém que lhes aponte o caminho. Mesmo sabendo disso, há pastores que
cometem um grave pecado: pensam que as pessoas são totalmente ignorantes e as
infantilizam.
“Quem
manda nesta paróquia sou eu! Nada pode acontecer sem a minha permissão, sem que
eu fique sabendo com antecedência!”: eis a expressão e/ou o modo de pensar
e agir do pastor inseguro, de autoridade frágil, controlador e manipulador das
pessoas. Este tipo de pastor pensa que o leigo só acerta na decisão e na ação
se for orientado por ele. Sentindo-se o dono da comunidade paroquial tenta
controlar a todos, e toda pessoa que se recusar à sua autoridade é perseguida,
humilhada e excluída. Não poucos os pastores que incorrem neste erro. O
orgulho, a prepotência e a vaidade caracterizam bem este tipo de pastor. São
impulsionados pela sede incontrolável pelo poder. Os que assim procedem prestam
um desserviço à Igreja
É necessário
cuidar
O verdadeiro pastor está atento à
vida de suas ovelhas, procura saber de seu estado de saúde, como estão se
sentindo, se estão bem alimentadas, se vivem bem e estão felizes. Ele cuida
delas porque quer sua verdadeira felicidade. Na vida eclesial, o pastor deve
não somente cuidar da dimensão espiritual da vida do rebanho do Senhor como
também da dimensão corporal (humana) das pessoas. A formação dos pastores da
Igreja dá muita ênfase ao cuidado espiritual via sacramentos e se esquece que o
ser humano é, antes de tudo, corpo. Não adianta cuidar do espírito sem antes
cuidar do corpo.
Jesus de Nazaré, o bom pastor,
cuidava do corpo das pessoas: procurou libertar as pessoas de suas doenças,
perturbações, angústias. O anúncio do Evangelho não parte das realidades
espirituais, mas das corporais, mundanas, materiais. A maior parte dos
sofrimentos que afligem as pessoas está ligada à dimensão corpórea: há
famintos, doentes, desempregados, perseguidos, injustiçados, portadores de
diversas deficiências etc. As pessoas querem comer, estudar, se divertir,
trabalhar, ter saúde etc.
É necessário dar
a vida com liberdade
Jesus deu sua vida com liberdade.
Sua morte não foi premeditada, mas foi conseqüência de sua opção de vida, opção
pelo Reino de Deus. Ninguém forçou Jesus a dar sua vida. Obediente ao
mandamento do Pai, foi fiel até as últimas conseqüências. Ele descobriu que a
vontade do Pai é a vida do ser humano e direcionou sua palavra e ação para a promoção
da liberdade plena dos empobrecidos.
Eis, portanto, a exigência
fundamental para ser pastor do rebanho do Senhor: dedicar-se ao serviço dos
empobrecidos até a doação da própria vida. Na vida eclesial, quem se aplica à
salvação da própria vida, à vaidade, ao desvio de dinheiro, ao carreirismo, ao
controle das pessoas e comunidades e a tantos outros males que facilmente
assistimos atualmente no cenário eclesial, tais pessoas não são verdadeiras
lideranças, mas mercenários e falsos pastores. Os leigos devem ter firmeza e
coragem não somente para desempenharem seus ministérios no seio da Igreja, mas,
sobretudo, para denunciar estes mercenários e falsos pastores; do contrário, a
hipocrisia e a alienação continuarão barrando o surgimento da liberdade dos
filhos e filhas de Deus, pelo batismo sacerdotes e sacerdotisas do Senhor.
Tiago de França