“O
caminho se faz caminhando”
Com esta reflexão inicio um conjunto
de reflexões que pretendo oferecer a respeito do que intitulo espiritualidade do caminho. Algumas
pessoas têm me solicitado alguma reflexão sobre este tema. Há muito que se
falar sobre ele. O caminho é a nossa vida, uma caminhada que não tem fim. A
morte não consegue por um fim em nosso caminhar rumo à eternidade. Esta parece
ser o horizonte último para o qual orientamos nossa vida desde o nosso
nascimento.
Nossa primeira reflexão vai tentar
responder a duas indagações necessárias para uma melhor compreensão daquilo que
será tratado nas reflexões seguintes: 1) O que é espiritualidade? e 2) O que é
este caminho?
Em torno da palavra espiritualidade há diversos conceitos,
porque são inúmeras as espiritualidades presentes na humanidade. Não queremos
conceituar espiritualidade, mas partindo da sede que as pessoas tem daquilo que
denominamos Deus, é preciso admitir que não existe ser humano que não seja
espiritual. Olhando as diversas personalidades em suas histórias e sonhos,
assistimos a busca por algo que está além, muito além do empírico, do fatual,
do palpável, do explicável à luz da razão.
O ser humano é um mistério. Ele
extrapola os limites da razão, passa a vida procurando entender a si mesmo, aos
outros e ao mundo no qual vive: morre sem entender e sem poder expressar a
totalidade da própria existência. O homem cria conceitos e sistemas,
organiza-se e sistematiza-se, mas continua a escapar pelas frestas do
inexplicável. Portanto, a primeira atitude diante da vida deve ser justamente
esta: renunciar a pretensão de entender tudo e todas as coisas.
Neste sentido, é comum nos voltarmos
para o outro, nosso semelhante, e medir seu jeito de ser e sua conduta. O que
vemos e ouvimos não corresponde de forma alguma à pessoa que julgamos: ela é
maior do que aquilo que constatamos. Nossos critérios de juízo não conseguem
sequer dar conta de nós mesmos. Neste sentido, a espiritualidade consiste neste
modo livre e espontâneo de viver e de enxergar o mundo e as pessoas. O mundo e
as pessoas precisam de atitudes e olhares espontâneos e livres. A vida torna-se
menos trágica quando assim procedemos!
Deste modo, ninguém pode dizer com
exatidão conceitual o significado do que vem a ser espiritualidade. Vamos
olhá-la na perspectiva da liberdade e da espontaneidade. Nosso olhar diz muito
em nossa vida: somos condicionados pela nossa maneira de ver a vida. O olhar
deve ser, antes de tudo, livre. Toda pessoa tem o direito de olhar com
liberdade, ver a vida, contemplá-la sem constrangimentos e condicionamentos. Como
seria bom se assim fosse!... Como seria bom se cada pessoa olhasse a vida com
os próprios olhos e não com os dos outros!...
Eis uma valiosa e humilde idéia:
Espiritualidade é liberdade. Esse transcender-se para além da vida cotidiana é
algo extraordinário. Só os humanos podem isto. É algo sobrenatural que acontece
a partir do humano, do naturalmente simples do cotidiano da vida. É
sobrenatural porque a ciência não consegue dizer como isso ocorre, pois
pertence à dimensão espiritual do humano. A ciência não chega à transcendência humana:
dimensão do maravilhar-se diante do infinito mistério da vida.
Todo ser humano tende para a
liberdade. Todos querem ser livres. Este querer é espiritualidade: busca
incessante que ultrapassa os limites da existência. É uma vontade que lhe vem
das entranhas, um anseio que impulsiona, que o empurra para frente, joga-o para
o futuro. Por isso, diante de toda
espécie de privação da liberdade o ser humano se angustia, se entristece,
chora, clama, recusa-se a submeter-se, grita!... Não há força que consiga
abafar plenamente o desejo ardente do homem ser livre. A história está repleta
de exemplos.
Então, espiritualidade é esse desejo
de ser plenamente livre. Esse desejo não é fruto da manipulação, mas é comum a
toda pessoa, é espontâneo. Por ser espontâneo é algo imprevisto, livre de
planejamento, de ordenamento. Portanto, não precisamos dizer que as pessoas
devem se libertar: elas sabem e querem isso. O que ocorre é que, muitas vezes,
elas não sabem qual é o caminho que leva à liberdade plena. Há forças
sufocantes que as cegam e tiram-lhes as forças para lutarem pela liberdade:
forças de morte.
Afirmar que as pessoas desejam ser
livres significa que elas querem ser felizes. Qual o caminho da felicidade? Os
caminhos mais procurados são, na verdade, descaminhos. Nestes, só se encontram
frustrações. Há pessoas que já não têm disposição nenhuma para caminhar, pois
estão cansadas de procurar a felicidade fora de si mesmas, nas coisas criadas,
na ilusão dos prazeres, nas promessas vãs de felicidade: perceberam que são
escravas da busca e daquilo que encontraram.
A verdadeira felicidade está na
liberdade e ser livre não tem ligação nenhuma com o prazer que as pessoas até
então conseguiram. Na verdade, por mais que se negue, as pessoas buscam o
prazer e não a verdadeira felicidade. Em todas as instâncias, o ser humano
busca satisfazer-se, apropriar-se, ser reconhecido, ter o poder, sobressair-se.
A lógica resume-se na seguinte sentença: Não importa o caminho a ser
percorrido, o importante é ganhar sempre. Todos procuram ganhar alguma coisa.
Limitar-se a isto é morrer plenamente, pois há um fechamento perigoso ao
transcender-se a si mesmo.
Eis o mandamento capitalista: Todo
aquele que ter e acumular será feliz! A maioria das pessoas pratica esta norma.
Tais pessoas vivem angustiadas, deprimidas, insatisfeitas, solitárias,
abandonadas e frustradas. Não são livres, mas excessivamente apegadas. Algumas
procuram refúgio na religião. No caso do cristianismo, encontram-se com Jesus.
Este não aponta para o templo rico e sistematicamente organizado, mas para o
caminho: espaço de liberdade feito de riscos e imprevistos, de novidades e
inseguranças. Este Cristo com seu caminho não são aceitos pela maioria porque
se mostrou pobre, destituído de poder e, portanto, livre. Segui-lo é participar
de sua sorte.
Na perspectiva deste Cristo, nos próximos
textos, vamos pensar sobre alguns traços de seu caminho e da nossa caminhada. Vamos
tentar ver qual a saída para nos libertarmos de nossos medos e angústias. Será
que o caminho proposto por Jesus de Nazaré pode nos ajudar? Outra questão
interessante é procurar saber com sinceridade e verdade os motivos que nos
levam a resistir tanto diante do caminho proposto pelo Nazareno. Sejamos, pois,
estes buscadores de Deus vivendo uma espiritualidade alicerçada na busca de ser
realmente livre.
Tiago de França
Um comentário:
Bom texto! Aguardamos a continuação.
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