“Um
profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc 6, 4).
O texto do evangelho de Marcos 6, 1
– 6 fala da ida de Jesus à Nazaré, sua terra natal. Antes de continuar lendo
esta reflexão que se inicia, seria bom que o leitor tomasse o texto e o lesse,
isto fará entender melhor as afirmações que serão feitas a seguir.
Estando na sua terra natal, Jesus
foi à sinagoga e começou a ensinar. Isto era um costume entre os judeus. Hoje,
entre os cristãos católicos este costume não existe. Ninguém vai à missa e
começa a ensinar, pois a pregação na missa está reservada aos ministros
ordenados. A regra é clara: leigo pode pregar em outra ocasião; na missa só o
diácono, o padre e o bispo. Estes pregam, os fiéis escutam.
Quem escuta com atenção ao ir à
missa as homilias que estão sendo feitas, salvo as exceções, tudo se resume num
palavreado vazio, sem sentido algum. Fala-se de tudo, menos de Jesus. O Cristo
que é apresentado não é o nascido em Nazaré. Uma vez a pregação sendo monopólio
do ministro ordenado, os fiéis não tem outra saída senão escutar pacientemente.
Os que não têm paciência, vão embora e não voltam mais. Quando a cidade possui
mais de uma paróquia, muitas pessoas saem à procura de uma celebração na qual a
homilia tenha conteúdo.
Não é por falta de estudo teológico
que os ministros ordenados deixam de fazer uma boa homilia. São vários os
fatores que contribuem, dentre os quais se destacam: preguiça para preparar,
falta de familiaridade com o texto bíblico, falta de tempo etc. Sabe-se que há
muitos ministros que não gostam de ler a Bíblia, pregam a Palavra de acordo com
aquilo que se recordam ter estudado no curso de teologia bíblica, no tempo de
Seminário. Portanto, estão totalmente por fora das novas interpretações que
estão sendo descobertas e feitas pelos estudiosos das Escrituras Sagradas.
As pessoas que escutaram Jesus
ficaram escandalizadas com o ensinamento dado por ele. Por que será que Jesus
escandalizou as pessoas? Qual terá sido o conteúdo de sua mensagem? O texto
fala que as pessoas se perguntaram pela sua sabedoria e pelos milagres
realizados por ele. De fato, Jesus tinha algo de diferente em relação à
pregação e à conduta dos doutores da lei e dos fariseus. Em outra ocasião, fala-se
que ele pregava como quem tem autoridade.
Além da verdade contida no seu ensinamento
e da liberdade com que ele falava à pessoas, o que escandalizou os conterrâneos
de Jesus foi o fato de ele não fazer parte da classe sacerdotal de sua época.
Em outras palavras, Jesus não era um doutor da lei nem exercia função religiosa
no Templo. As pessoas não esperavam de um “leigo” tanta sabedoria e tantos
sinais realizados. A sabedoria de Jesus tinha origem na sabedoria divina, que
consistia em revelar aos pequenos o projeto de Deus (Reino).
Hoje, a Igreja é chamada a reconhecer
que a sabedoria de Jesus se manifesta no cotidiano da vida dos pobres e não no
estudo retórico e sistemático dos cursos de filosofia e teologia. É opção divina
que somente os pobres podem ter acesso ao genuíno ensinamento de Jesus. Aqui se
encontra a legitimidade da opção preferencial que a Igreja da América Latina tenta
fazer pelos pobres.
Esta opção só se entende se reconhecermos
o lugar histórico de Jesus: homem pobre nascido em Nazaré, trabalhador na
carpintaria de José. Isto significa que este jovem carpinteiro, de origem
humilde, escandalizou os seus conterrâneos. Um outro argumento que o texto
coloca para explicar tal escândalo é “falta de fé” deles. As pessoas não
valorizaram seu conterrâneo Jesus, não deram crédito à sua palavra. Até reconheceram
sua sabedoria e seus grandes milagres, mas não compreenderam como é que um
carpinteiro poderia ensinar e fazer tais coisas.
Diante da falta de fé de seus
conterrâneos Jesus lhes diz: “Um profeta
só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. Com esta
afirmação Jesus se reconhece como profeta. Em uma outra passagem o povo
reconhece Jesus como um profeta enviado de Deus e ele aceita sem dificuldades
porque de fato o era. A mensagem de Jesus contém anúncio e denúncia: anunciava
o Reino de seu Pai e denunciava as injustiças cometidas pelas autoridades civis
e religiosas de seu tempo.
A respeito do exercício da profecia no
mundo e na Igreja é preciso considerar três questões: primeira, o profeta não
fala de si mesmo nem para si mesmo; segunda, suas palavras e seus gestos lhe
causam perseguição e morte; terceira, a conversão do mundo e da Igreja dependem
do exercício da profecia. Estas três questões falam do significado do ser
profeta em função do Reino de Deus, uma vez que sem a profecia não há como este
Reino se estabelecer no mundo. Explicitemos, pois, brevemente cada uma das
questões acima elencadas.
Sendo um enviado de Deus, o profeta não
pode falar de si mesmo nem para si mesmo, mas é chamado a revelar ao mundo a
vontade de Deus. Tal revelação se manifesta através da realidade que o profeta
faz compreender por meio de sua palavra e de sua ação. Estas são, portanto,
divinas, pois é Deus mesmo quem as inspira. O profeta não pode se recusar ao
anúncio e a denúncia porque esta é a sua missão, não há como fugir dela.
Todo anúncio da verdade e toda denúncia
das injustiças causam perseguição e morte. Por isso, como diz Leonardo Boff, “o
profeta é aquele que não tem amor ao próprio pescoço”. É alguém sujeito à morte,
que não tem medo e que leva a sua missão até as últimas consequências. Neste
sentido, não se trata de morte comum, mas de martírio, que consiste em morrer
por amor a Deus e a seu Reino.
A conversão acontece quando a pessoa se
encontra com a verdade fundamental do ser humano: Jesus de Nazaré, a Boa Notícia
do Pai. O profeta tem por missão levar as pessoas a se encontrarem com Jesus no
contexto de suas vidas. A verdade é o momento teológico do encontro com Cristo,
momento no qual o ser humano encontra-se consigo mesmo e torna-se conhecedor de
suas virtudes e de seus limites. É um encontro que não somente revela, mas
impulsiona à missão.
O cenário eclesial atual mostra
claramente que a Igreja necessita urgentemente de pessoas que tenha a coragem
de fazer a experiência do encontro com Jesus, que revela e transforma a vida. Há
uma excessiva ênfase nas práticas religiosas e no culto. Estes também podem ser
lugares de encontro com Cristo, mas há outros mais importantes e necessários. Os
profetas são estas pessoas que ousam se encontrar com Jesus no cotidiano
conflituoso da existência humana. Fora deste encontro não existe profecia possível.
A Igreja precisa dos profetas, pois eles chamam a atenção para uma maior
fidelidade à sua missão no mundo.
Tiago de França
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