segunda-feira, 9 de julho de 2012

O profeta Jesus de Nazaré


“Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc 6, 4).

            O texto do evangelho de Marcos 6, 1 – 6 fala da ida de Jesus à Nazaré, sua terra natal. Antes de continuar lendo esta reflexão que se inicia, seria bom que o leitor tomasse o texto e o lesse, isto fará entender melhor as afirmações que serão feitas a seguir.

            Estando na sua terra natal, Jesus foi à sinagoga e começou a ensinar. Isto era um costume entre os judeus. Hoje, entre os cristãos católicos este costume não existe. Ninguém vai à missa e começa a ensinar, pois a pregação na missa está reservada aos ministros ordenados. A regra é clara: leigo pode pregar em outra ocasião; na missa só o diácono, o padre e o bispo. Estes pregam, os fiéis escutam.

            Quem escuta com atenção ao ir à missa as homilias que estão sendo feitas, salvo as exceções, tudo se resume num palavreado vazio, sem sentido algum. Fala-se de tudo, menos de Jesus. O Cristo que é apresentado não é o nascido em Nazaré. Uma vez a pregação sendo monopólio do ministro ordenado, os fiéis não tem outra saída senão escutar pacientemente. Os que não têm paciência, vão embora e não voltam mais. Quando a cidade possui mais de uma paróquia, muitas pessoas saem à procura de uma celebração na qual a homilia tenha conteúdo.

            Não é por falta de estudo teológico que os ministros ordenados deixam de fazer uma boa homilia. São vários os fatores que contribuem, dentre os quais se destacam: preguiça para preparar, falta de familiaridade com o texto bíblico, falta de tempo etc. Sabe-se que há muitos ministros que não gostam de ler a Bíblia, pregam a Palavra de acordo com aquilo que se recordam ter estudado no curso de teologia bíblica, no tempo de Seminário. Portanto, estão totalmente por fora das novas interpretações que estão sendo descobertas e feitas pelos estudiosos das Escrituras Sagradas.

            As pessoas que escutaram Jesus ficaram escandalizadas com o ensinamento dado por ele. Por que será que Jesus escandalizou as pessoas? Qual terá sido o conteúdo de sua mensagem? O texto fala que as pessoas se perguntaram pela sua sabedoria e pelos milagres realizados por ele. De fato, Jesus tinha algo de diferente em relação à pregação e à conduta dos doutores da lei e dos fariseus. Em outra ocasião, fala-se que ele pregava como quem tem autoridade.

Além da verdade contida no seu ensinamento e da liberdade com que ele falava à pessoas, o que escandalizou os conterrâneos de Jesus foi o fato de ele não fazer parte da classe sacerdotal de sua época. Em outras palavras, Jesus não era um doutor da lei nem exercia função religiosa no Templo. As pessoas não esperavam de um “leigo” tanta sabedoria e tantos sinais realizados. A sabedoria de Jesus tinha origem na sabedoria divina, que consistia em revelar aos pequenos o projeto de Deus (Reino).

Hoje, a Igreja é chamada a reconhecer que a sabedoria de Jesus se manifesta no cotidiano da vida dos pobres e não no estudo retórico e sistemático dos cursos de filosofia e teologia. É opção divina que somente os pobres podem ter acesso ao genuíno ensinamento de Jesus. Aqui se encontra a legitimidade da opção preferencial que a Igreja da América Latina tenta fazer pelos pobres.

Esta opção só se entende se reconhecermos o lugar histórico de Jesus: homem pobre nascido em Nazaré, trabalhador na carpintaria de José. Isto significa que este jovem carpinteiro, de origem humilde, escandalizou os seus conterrâneos. Um outro argumento que o texto coloca para explicar tal escândalo é “falta de fé” deles. As pessoas não valorizaram seu conterrâneo Jesus, não deram crédito à sua palavra. Até reconheceram sua sabedoria e seus grandes milagres, mas não compreenderam como é que um carpinteiro poderia ensinar e fazer tais coisas.

Diante da falta de fé de seus conterrâneos Jesus lhes diz: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. Com esta afirmação Jesus se reconhece como profeta. Em uma outra passagem o povo reconhece Jesus como um profeta enviado de Deus e ele aceita sem dificuldades porque de fato o era. A mensagem de Jesus contém anúncio e denúncia: anunciava o Reino de seu Pai e denunciava as injustiças cometidas pelas autoridades civis e religiosas de seu tempo.

A respeito do exercício da profecia no mundo e na Igreja é preciso considerar três questões: primeira, o profeta não fala de si mesmo nem para si mesmo; segunda, suas palavras e seus gestos lhe causam perseguição e morte; terceira, a conversão do mundo e da Igreja dependem do exercício da profecia. Estas três questões falam do significado do ser profeta em função do Reino de Deus, uma vez que sem a profecia não há como este Reino se estabelecer no mundo. Explicitemos, pois, brevemente cada uma das questões acima elencadas.

Sendo um enviado de Deus, o profeta não pode falar de si mesmo nem para si mesmo, mas é chamado a revelar ao mundo a vontade de Deus. Tal revelação se manifesta através da realidade que o profeta faz compreender por meio de sua palavra e de sua ação. Estas são, portanto, divinas, pois é Deus mesmo quem as inspira. O profeta não pode se recusar ao anúncio e a denúncia porque esta é a sua missão, não há como fugir dela.

Todo anúncio da verdade e toda denúncia das injustiças causam perseguição e morte. Por isso, como diz Leonardo Boff, “o profeta é aquele que não tem amor ao próprio pescoço”. É alguém sujeito à morte, que não tem medo e que leva a sua missão até as últimas consequências. Neste sentido, não se trata de morte comum, mas de martírio, que consiste em morrer por amor a Deus e a seu Reino.

A conversão acontece quando a pessoa se encontra com a verdade fundamental do ser humano: Jesus de Nazaré, a Boa Notícia do Pai. O profeta tem por missão levar as pessoas a se encontrarem com Jesus no contexto de suas vidas. A verdade é o momento teológico do encontro com Cristo, momento no qual o ser humano encontra-se consigo mesmo e torna-se conhecedor de suas virtudes e de seus limites. É um encontro que não somente revela, mas impulsiona à missão.

O cenário eclesial atual mostra claramente que a Igreja necessita urgentemente de pessoas que tenha a coragem de fazer a experiência do encontro com Jesus, que revela e transforma a vida. Há uma excessiva ênfase nas práticas religiosas e no culto. Estes também podem ser lugares de encontro com Cristo, mas há outros mais importantes e necessários. Os profetas são estas pessoas que ousam se encontrar com Jesus no cotidiano conflituoso da existência humana. Fora deste encontro não existe profecia possível. A Igreja precisa dos profetas, pois eles chamam a atenção para uma maior fidelidade à sua missão no mundo.

Tiago de França

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