quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A morte e a ressurreição


“Eu entendo que os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós” (Rm 8, 18).

            Anualmente, a celebração do Dia de Finados convida-nos a repensarmos a dimensão de finitude da existência humana: a espécie humana nasce, cresce, se reproduz e morre. É um ciclo que não se interrompe. Não há quem escape do fim, todos morrem. Há quem afirme que esta é a dimensão trágica da existência. São poucas as pessoas que conseguem se reconciliar com a morte. A maioria foge, uns não suportam nem ouvir falar. O ser humano tem medo da morte. Esta angustia a uns, deprime a outros. Vamos ousar algumas afirmações a partir da experiência de Jesus de Nazaré. Como Jesus encarou a morte? Qual sentido que ele conferiu à própria morte? O que significa morrer em Cristo para ressuscitar com ele?

            O texto evangélico nas suas quatro versões (Mt, Mc, Lc e Jo) falam que Jesus realmente morreu crucificado. Jesus não morreu aleatoriamente. Sua morte não foi mero acidente de percurso nem pura predestinação, mas consequência de sua missão. Há quem faça uma interpretação evangélica que leva a um Jesus neutro, sem causa alguma. Tal interpretação é infiel aos fatos e, portanto, não corresponde à realidade que os textos revelam. Se Jesus não tivesse optado pelos excluídos do seu tempo, certamente teria morrido idoso e querido pelas autoridades civis e religiosas do seu tempo.

            Jesus procurou viver sua vida intensamente, sem se preocupar com a morte. Quando se referia a ela sempre mencionava a ressurreição, a vitória sobre a morte. Sua preocupação era o cumprimento da vontade do Pai. Ele tinha plena consciência de que o cumprimento da vontade divina naquele contexto o levaria à morte violenta. A vontade do Pai era que ele fosse o missionário, o pregador da Boa Nova do Reino no meio dos marginalizados da época. Em plena sintonia com esta divina vontade, Jesus colocou-se a serviço da libertação dos empobrecidos, ensinando e pregando o Evangelho do Reino no meio do povo de Deus.

            A vida pública de Jesus nos ensina que a morte não deve ser motivo de preocupação. Toda preocupação gera ansiedade, angústia, medo e até depressão. A vida acontece naturalmente e devemos procurar vivê-la com sentido. Viver sem sentido não vale a pena, já é a morte visitando-nos, antecipadamente. Quem procura dar um sentido à própria vida não tem medo da morte. Entregar-se plenamente a uma causa com amor e zelo é caminho certo para superar tal medo. O amor afetivo e efetivo não permite que o medo nos aprisione, mas nos mantêm esperançosos e acordados na vida.

            Outro dado fundamental é que Jesus era um homem despojado, desapegado: amava as pessoas sem se apegar a elas. Sua liberdade o levou ao desapego da própria vida. Com sua vida mostrou que o apego é um sério empecilho para o amor e com sua morte evidenciou o valor da liberdade em relação a todas as coisas. Ninguém forçou Jesus, ele abraçou a morte com liberdade. Somente a pessoa despojada é capaz de enfrentar a morte com liberdade, do contrário morre angustiada e infeliz. Jesus foi ao encontro da morte com plena confiança no Pai, pois sabia que não o abandonaria jamais. Na morte, entregou-se nas mãos de Deus. Sua vida pertencia a Deus, pois Deus era o sentido último de sua vida.

            A íntima comunhão com Deus, através de uma vida pautada no amor e na relação pessoal com Deus confortou Jesus diante da morte. Suas ações e palavras testemunham sua entrega, sua fidelidade ao Pai. Em sua vida não havia espaço para o domínio do medo. Ele não podia ocupar-se com o medo sendo que tinha que estar com as pessoas, ouvindo-as, consolando-as, levando-as à comunhão com Deus. Nisto consistia sua missão. Todos se sentiam atraídos por este jeito simples e autêntico de ser.

            São Francisco de Assis ensinava que a morte é nossa irmã, companheira que não falta a ninguém, que nos conduz ao encontro com o Absoluto, que faz a criatura voltar ao seio de seu Criador. Quem assistiu sua morte é testemunha de sua serenidade, de sua alegria, de sua entrega definitiva. Outra morte edificante foi a de Santa Terezinha do Menino Jesus: tranquila, serena, pacífica, santa. Estas e tantas outras pessoas levaram uma vida sem egoísmo, sem pretensões ambiciosas, sem ódio. Sabiam que a vida continua após a morte, que seriam acolhidas na alegria da face de Deus. Neste sentido, a morte deixa de ser algo ruim e terrível e se transforma num momento de encontro, de paz de espírito, de páscoa.

            Todas as pessoas corajosas que buscam viver simples e humildemente neste mundo, sem ilusões nem apegos já estão vencendo a morte, estão ressuscitando. Quando a morte do corpo lhes chegar não será motivo de desespero, mas de chegada, de encontro, de alegria. Os que vivem apegados às coisas e às pessoas não são capazes de entender isto, porque o medo e a angústia os cegam, os endurecem, os aprisionam, os tornam infelizes. Portanto, na liberdade de filhos e filhas de Deus, na comunhão com Ele e na confiança filial busquemos viver uma vida simples e despojada para que a morte não nos surpreenda e não se torne um pesadelo para nós. Ela não foi criada por Deus, mas em Cristo podemos vencê-la, definitivamente.

Tiago de França

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