“Tu
o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da
verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18, 37).
Jesus foi aclamado rei, mas se
recusou a tal aclamação. Os judeus esperavam um messias glorioso e dominador,
que fosse reinar e acabar com a opressão no império romano. Jesus frustrou as
expectativas das pessoas que esperavam um messias deste tipo: coroado de
espinhos, foi morto numa cruz, símbolo da humilhação e da maldição. Não tinha
os atributos dos reis mundanos: poder, prestígio e riqueza. Era impotente, mal
visto e pobre. Vivia pregando o advento do Reino de Deus, que é plenamente
oposto aos reinos deste mundo. Sua mensagem não foi acolhida, a não ser pelos
empobrecidos, que viam nele a presença amorosa do Deus da Israel, Deus da vida
e da liberdade.
Os evangelhos falam de um rei humanamente
impotente. Nas Igrejas cristãs a imagem do Cristo glorioso é muito bem recebida
e propagada. O ser humano gosta das glórias, busca o poder, o prestígio e a
riqueza. De modo geral, os cristãos não se identificam com o Cristo pobre e
crucificado; desejam um Messias glorioso, constituído de poder e glória, que
possa resolver todos os problemas da condição humana. O ser humano destrói a si
próprio e a beleza da criação e invoca a realiza de Jesus para que venha reinar
e resolver todas as coisas. As Igrejas pecam gravemente ao cultivar este tipo
de imagem na cabeça das pessoas.
Na imagem que fizeram do Cristo rei
do universo aparece um Jesus que em nada se diferencia dos reis deste mundo:
coroado, revestido com roupas luxuosas e com um cetro na mão. É o Cristo do
imaginário de quem o fez, não o que aparece nos evangelhos. O Cristo é rei
enquanto princípio e fim de toda a criação, porque por ele todas as coisas
foram criadas (cf. Jo 1, 3); mas enquanto humano, Jesus nunca reinou neste
mundo. O seu reino é o Reino de Deus, que acontece neste mundo e que na sua
volta (parusia) se tornará realidade plena e perfeita.
Diante de Pilatos, Jesus falou
claramente de sua missão: Eu nasci e vim
ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. A verdade do Cristo é
livre e promotora da salvação universal. É a verdade que fala do verdadeiro
significado do ser humano, daquilo que este tem de mais íntimo e, portanto, de
mais misterioso. A verdade de Jesus revela quem é o ser humano, é a sua
epifania. Em um mundo tomado pela mentira, que gera confusão e oprime as
pessoas, Jesus convida para que sejamos testemunhas da verdade; verdade que já
está impressa na consciência e no coração de todo gênero humano, que por
natureza tende para o bem e para a verdade.
Quando criaram a festa de Cristo rei
do universo pensaram no domínio de Cristo sobre a terra e sobre os poderes que
atuam no mundo, identificando tal domínio com a missão da Igreja. Sem rodeios,
eis o pensamento que deu origem a esta festa: Jesus é rei do universo e
instituiu a Igreja para que governasse todo o mundo. Portanto, todos tem que se
submeter ao poder da Igreja, na pessoa do Papa, que é a ponte que liga a terra
ao céu.
Este pensamento tem dois equívocos, que são
tranquilamente desmentidos pelos evangelhos: primeiro, que Cristo veio para
dominar. Este verbo não pode ser posto para Cristo, pois não corresponde ao que
ele é. Jesus não foi enviado para dominar, mas para anunciar o Reino de Deus. Segundo,
que Cristo instituiu a Igreja para governar o mundo. Jesus nada instituiu neste
mundo. Nenhuma instituição pode se remeter a Cristo como seu fundador. A Igreja
nasceu para evangelizar (cf. Evangelii
Nuntiandi, n. 14) e tal evangelização passa necessária e
imprescindivelmente pelo anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus. O anúncio do
Evangelho dispensa o domínio e entra em profunda contradição com o mesmo. Na verdade,
toda forma de dominação do ser humano, inclusive a dominação religiosa, é
denunciada pelo evangelho de Jesus. O anúncio em si é denúncia contra toda
forma de dominação.
O Reino de Deus anunciado por Jesus
acolhe e promove todas as pessoas que são excluídas neste mundo. Este Reino é
edificado a partir do amor, da verdade, da liberdade, da justiça, da
solidariedade, da partilha, da comunhão, do respeito e de todo valor que
promove a dignidade do ser humano. Assim como Jesus, quem quiser fazer parte do
seu Reino é chamado a dar testemunho da verdade. Para escutar sua voz é preciso
ser da verdade. O discípulo missionário de Jesus é toda pessoa que dar
testemunho da verdade e que na escuta atenta de sua palavra se coloca no seu
caminho até às últimas consequências. Colocar-se no caminho de Jesus, rei servidor, é permanecer na direção do próximo, na disponibilidade do serviço.
Tiago de França
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