terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O ser e o fazer na vida cristã


“Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular” (Carta a Diogneto, séc. II).

            O ser precede o fazer. Impulsionada por um modo próprio de ser, a pessoa age, manifesta-se no mundo com sentido e convicção. Esta ação é capaz de transformar, de fazer a vida acontecer, de recriar as coisas, aperfeiçoando-as para o bem. A experiência cristã acontece no caminho, no movimento peregrinante. Cristo, quando habitou historicamente este mundo adotou um estilo próprio: o de fazer-se companheiro do ser humano na lida simples do cotidiano da vida.

            Ele não fez nem pediu para fazer nada além disso. Sua religião consistia na leitura e na prática da palavra transformadora de Deus. A novidade de Jesus estava na observância da palavra de Deus. Era um judeu praticante da palavra, não mero observante da lei mosaica. Sua união com o Deus de Israel o levou à perfeição. Quem o encontrava não via nada de extraordinário em seu jeito de ser.

            Justamente por isso, as autoridades religiosas de seu tempo não viam nele o Messias esperado. Não aparentava ser dotado de poderes especiais. Todos perguntavam pela origem da autoridade de sua pregação, admiravam-se quando souberam que era filho de carpinteiro, nascido em Nazaré. Até seus familiares se escandalizaram com seu jeito de ser. Dedicou a vida ao anúncio do Reino de Deus, foi perseguido, crucificado e ressuscitou ao terceiro dia.

            Depois de Jesus, os cristãos permaneceram fiéis à sua mensagem por um bom tempo. Passado o tempo das perseguições, a hierarquia da Igreja já nitidamente constituída aderiu ao Império Romano e o evangelho de Jesus foi aos poucos sendo esquecido. Um número significativo de cristãos saiu das cidades e foi morar no deserto, viviam sozinhos (eremitas) e em comunidade (cenobitas), esforçando-se para preservar a prática da mensagem cristã.

            O poder, as riquezas e o prestígio se infiltraram na vida da Igreja, mas mesmo assim o Espírito suscitou, ao longo da história, mulheres e homens evangélicos. Estas pessoas simplesmente se colocaram no caminho de Jesus e foram confirmadas por Deus. Ao longo do tempo, a Igreja foi se institucionalizando e, com isto, foram aparecendo códigos, normas e regras das mais diversas sobre todos os aspectos da vida eclesial. Junto a todo este conjunto normativo apareceram pessoas que foram se apegando à observância de tais coisas, em detrimento do evangelho de Jesus.

            Com o aparecimento das normas institucionais e das diversas práticas religiosas o ser cristão passou a ser identificado com a observância de tais normas e práticas. A fidelidade cristã passou a ser medida pela fidelidade aos princípios religiosos. O aparato religioso e institucional abafou a novidade do evangelho de Jesus, que faz o verdadeiro cristão. A preocupação pelo cumprimento fiel do que foi estabelecido pela instituição religiosa não deixa espaço para a prática da palavra de Deus. De modo geral, as pessoas não tem tempo para meditar e compreender a palavra de Deus.

            O cristão é pessoa simples e humilde, que vive no meio do mundo orientando-se pelos valores do Reino. Portanto, diferencia-se pela abertura, pela generosidade, pelo serviço e pela acolhida do outro. Vivendo despojadamente, procura fazer, acima de tudo, a vontade de Deus. Nada faz de extraordinário, sua vida já é extraordinária. Sua regra de vida é o amor e neste persevera até o fim. Este é o jeito de ser cristão, que supera o mero fazer que conduz ao vazio. Preenchido pelo Espírito e, por isso mesmo, livre de todo vazio existencial, o cristão tem os olhos fixos em Jesus, porque apaixonado por este confere sentido à vida, mesmo que esta aparentemente esteja desfigurada, mas a esperança cristã o faz superar todas as coisas.

Tiago de França

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