“Não
se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas através
do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à
vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Bento XVI, discurso inaugural da
Conferência de Aparecida).
Fala-se muito de conversão nas
Igrejas cristãs. Todas entendem que se trata de mudança radical de vida. Os protestantes,
mais do que os católicos, entendem que conversão significa aceitar Jesus como
único Salvador. Na Igreja, a realidade da conversão ficou mais conhecida após o
Concílio Vaticano II, com a compreensão da universalização do chamado à
santidade. Antes disso, entendia-se que somente os religiosos e os membros da
hierarquia podiam se converter e alcançar a santidade. Portanto, ao falarmos de
conversão estamos falando, consequentemente, do chamado à santidade.
Conversão e santidade: dois termos
que formam uma só realidade, pois é para sermos santos que buscamos a
conversão. E a santidade é um caminhar árduo e longo, que perdura toda a vida,
rumo à contemplação definitiva daquele que nos criou. A conversão fala desse
caminhar, fala dos encontros e desencontros, das tristezas e das alegrias, do
desespero e da esperança dos peregrinos de Deus. Nossa reflexão quer falar
desse caminhar a partir do testemunho de um dos maiores missionários da Igreja
primitiva, o convertido Paulo de Tarso. Tornou-se apóstolo de Jesus, aderiu ao
Caminho.
Saulo era de Tarso da Cilícia, judeu
formado na escola do grande Gamaliel, rigoroso instrutor da Lei. Estas informações
já bastam para afirmarmos algo fundamental: a Lei não converte as pessoas. Estas
não podem viver em função daquela. Na Carta aos Romanos, Paulo fala do lugar da
Lei na vida cristã. Apesar de ter falado tão claramente e de ter afirmado que a
vocação cristã está para a liberdade (cf. Carta aos Gálatas), a geração
posterior ao apóstolo, especialmente a partir do reconhecimento da Igreja como
religião oficial do império romano, os cristãos renunciaram a esta dádiva
divina: a de buscar responder ao chamado à liberdade.
A história da Igreja está marcada
pela exaltação da Lei e pelo consequente esquecimento do Evangelho. Lei e
Evangelho são duas realidades que não caminham juntas, porque a primeira tende
à escravidão e a segunda à liberdade. Paulo era versado na Lei, mas não era nem
convertido nem livre. A conversão é caminho de liberdade. Portanto, quem não
quer se libertar não deve procurar se converter. A consequência real e lógica
da conversão é a liberdade do ser humano. Em todas as épocas da história
encontramos, dentro e fora do Cristianismo, mulheres e homens que ousaram
trilhar o caminho da conversão.
Nem o Concílio Vaticano II deu conta
de conscientizar a Igreja sobre o lugar do Evangelho de Jesus na vida cristã. O
legalismo continua vigorando. Há leis para normatizar todas as realidades
eclesiais, há regras para tudo na Igreja. E a regra por excelência é fazer com
que as normas sejam cumpridas. A maioria das normas não leva em conta a
caridade evangélica, mas a situação pecaminosa das pessoas. As regras não estão
em função da salvação do pecador, mas em vista de sua condenação. Quando aplicadas,
o pecador é imediatamente julgado e excluído. O leitor pode pensar que isto é
exagero ou coisa irreal. Vamos a um exemplo para entendermos que se trata da
realidade.
Na Igreja, só pode comungar os que
se confessam pelo menos uma vez por ano. Casais de segunda união e os que
cometem pecados graves não podem comungar o Cristo presente na Eucaristia. Isto
é o que ensina a Lei, mas o Evangelho de Cristo ensina o contrário. Jesus se
aproximou dos pecadores e conviveu entre eles; acolheu a todos sem fazer
distinção alguma. Ele agiu assim porque o Pai o enviou para os pecadores, para os
que precisavam de saúde. Os legisladores se esquecem de que só há conversão
quando se entra em comunhão com o Cristo. A Eucaristia não é alimento de
fariseus, mas de pecadores sedentos de conversão.
Paulo era perseguidor dos cristãos e
se encontrou com Jesus no caminho de Damasco. Jesus lhe apareceu como uma luz
forte que o deixou sem enxergar por um determinado momento. Quando recuperou a
vista passou a enxergar a vida de outro modo, foi batizado e se tornou
missionário de Jesus (cf. At 22, 3 – 16). Aqui temos alguns elementos que
precisam ser considerados, pois falam do processo de conversão. O primeiro
elemento é o da perseguição. O que o motivava interiormente para agir contra os
que aderiam ao Caminho? De modo geral, poucos pensam nesta questão.
Paulo perseguia os cristãos porque
era fiel à Lei e às determinações do império romano. Vivia a serviço das forças
da escravidão, que destruíam e matavam as pessoas. Não entendia que perseguindo
os cristãos estava perseguindo o próprio Cristo Jesus. A Lei não o despertava
para a visão do outro, não permitia que agisse com liberdade. Versado na Lei,
porém totalmente cego e alienado, escravo das determinações romanas. Era um
ilustre cidadão romano a serviço do caminho que conduzia à morte de pessoas
inocentes.
Na Igreja, os que inventam as leis,
as promovem e as defendem com unhas e dentes agem da mesma forma: perseguem
impiedosamente os cristãos. Estas pessoas fazem parte do cristianismo oficial e
se julgam no direito de julgar e condenar os cristãos em nome de Jesus. É claro
que não receberam de Jesus esse encargo, mas a cegueira as impede de enxergar a
verdade que liberta. Os que desobedecem às leias que estas pessoas criam e promovem
são consideradas pecadoras e infiéis. De modo geral, os pobres são excluídos
porque a vida difícil que levam não lhes permitem serem fiéis a determinadas
leis da Igreja. Estes pobres formam o que podemos denominar de cristianismo
alternativo.
O segundo elemento é o encontro com
Jesus no caminho. Encontrar-se com Jesus não é algo fácil, mas também não é trágico!
Paulo se encontrou com Jesus e este lhe deu um novo horizonte de vida. Não encontrou
Jesus no templo ou na sinagoga, mas no caminho. Jesus é o homem do caminho e é
neste que pode ser encontrado. O encontro com Jesus mudou radicalmente sua
vida: deixou de ser perseguidor e se tornou missionário da Boa Notícia do Reino
de Deus. Se o encontro com Jesus não transformar radicalmente a vida da pessoa,
então tal pessoa não se encontrou com Jesus.
Na vida eclesial, muitos se
encontram com Jesus na oração pessoal e comunitária, na Eucaristia, nos
momentos litúrgicos e nos eventos da comunidade. É verdade que não podemos
desconsiderar estes encontros. Eles são legítimos e podem ser verdadeiros. Há somente
um problema visível a ser considerado: estas mesmas pessoas se recusam a se
encontrar com Jesus na vida dos que sofrem. Comungam na igreja, mas se recusam
a comungar na vida do próximo, principalmente quando o próximo faz parte do
grupo dos “pecadores públicos”. É preciso afirmar com toda clareza: engana-se a
si mesmo quem pensa que estar em comunhão com Jesus na oração, na Eucaristia e
nos momentos eclesiais, mas se recusa a encontrá-lo na vida dos que mais sofrem
e dos que são excluídos.
Jesus nos espera no próximo. Ele está
nas pessoas. É no encontro com elas que encontramos sua presença. Jesus está
vivo na vida de seus seguidores. Amá-los, é amá-lo; persegui-los, é
persegui-lo. A conversão se dá no encontro com o outro. É neste encontro que
descobrimos nossa necessidade de conversão, que nos descobrimos como pessoas. Não
há conversão sem o encontro com as pessoas nas relações que se dão na
comunidade cristã. Não há conversão fora do espírito comunitário do ser
cristão. Sozinho ninguém muda de vida. O outro é oportunidade imprescindível no
processo pessoal de conversão.
O terceiro e último elemento que
podemos pensar é o da missão. Este elemento nos convida a pensarmos a seguinte
questão: Para que nos convertermos? O chamado à conversão é um chamado à
missão. É para a missão que Deus nos chama e é na mesma que a conversão
acontece. Quanto mais entregue à missão, mais convertida se torna a pessoa,
porque aí acontece o encontro com Jesus. Não há convertido no vácuo. Toda pessoa
que se encontra com Jesus se torna missionária da Boa Notícia do Reino de Deus.
Tornar-se missionário é consequência natural e inevitável do encontro com o
enviado do Pai.
Por fim, é preciso dizer que
converter-se é aderir ao caminho de Jesus, pedregoso e estreito, é se colocar
na fileira dos últimos, é ser operário da vinha do Senhor, é assumir com
coragem e ousadia o projeto de Jesus. Não pode haver convertido sem adesão ao
projeto salvador de Jesus. Aderir a este projeto significa optar pelo
essencial: amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. A Igreja e o mundo carecem
urgentemente de autênticos cristãos, de pessoas que renunciando ao egoísmo se
coloquem a serviço do próximo cultivando, assim, a fraternidade.
Tiago de França