“Tu
és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer” (Lc 3, 22).
A Festa do Batismo do Senhor é uma
excelente oportunidade para refletirmos sobre a realidade dos que são batizados
em nossas Igrejas cristãs. De modo geral, as pessoas se esquecem do batismo que
receberam e, consequentemente, não procuram viver segundo as promessas
batismais. É uma realidade lamentável, motivo de escândalo na comunidade
cristã. A partir do batismo de Jesus (cf. Lc 3, 15 – 16. 21 – 22) vamos pensar
em alguns elementos práticos do nosso batismo, a fim de podermos repensar a
vida que estamos levando.
O texto fala que o profeta João
Batista batizava as pessoas no rio Jordão. O batismo realizado por ele era um
convite à conversão, à mudança radical de vida. João batizava com água e com a
palavra. Advertia os pecadores à conversão, à abertura de coração para acolher
o Messias esperado, que estava chegando. Eis, portanto, a primeira dimensão do
batismo cristão: abertura à conversão. Quem vai à contramão do caminho da
conversão torna inválido o batismo recebido.
Nas comunidades dos primeiros
séculos, o batismo era conferido aos que eram iniciados nos ensinamentos de
Jesus e na vida da comunidade cristã. Por isso, a pessoa consciente das
consequências de sua adesão a Cristo pedia o batismo à Igreja e era batizada em
nome do Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. A partir do momento do batismo
e já bem antes da realização do mesmo, uma vez membro da comunidade cristã, a
pessoa deveria orientar a sua vida pelo evangelho de Jesus, Boa Nova do Reino
de Deus.
Desde que o cristianismo se tornou
religião oficial do império romano, no séc. IV, até os dias de hoje, o batismo
perdeu a sua dimensão ética e profética. As pessoas se deixam batizar, mas o
batismo não significa nada em suas vidas. De modo geral, buscam o batismo
porque entendem que permanecer pagão é algo diabólico e feio. A vida que levam
contradiz radicalmente o batismo que receberam. Isto pode ser dito com mais
propriedade e verdade quando olhamos para os que dedicam a própria vida à
exploração do próximo.
Citemos um exemplo ilustrativo. É
comum nas cidades interioranas e também nas grandes metrópoles, sobretudo nas
primeiras encontrarmos os políticos corruptos nas festas dos padroeiros das
comunidades católicas. Nas igrejas, sentam nos primeiros bancos porque são
considerados autoridades. Sendo amigos do pároco ou vigário são chamados a
fazer leitura e são citados na homilia. O sermão do padre os confirma em sua
conduta desonesta. Na hora da comunhão eucarística comungam piedosamente. Ao
terminar a celebração, recebem elogios por terem ajudado financeiramente na
realização da festa e finalizam tal participação procurando cumprimentar a
todos. Estes políticos não encontram nenhuma contradição entre a vida que levam
e a Eucaristia que buscam ocasionalmente nas celebrações.
O texto também fala que Jesus
procurou o batismo de João. Esta procura, segundo a nossa fé, não foi por causa
da conversão, pois cremos que Jesus não tinha pecado. Jesus era membro do povo
de Deus e, encontrando-se no meio deste povo, esteve junto ao povo quando este
procurava se converter. O Messias não estava desvinculado do povo, pois foi
enviado para a vida do povo de Deus. Jesus não foi apresentado ao povo por João
Batista como se apresenta um candidato a um cargo político a seus eleitores. Por
isso, o texto é teológico, não meramente histórico.
A respeito de Jesus, rebatendo
aqueles que pensavam que João era o Messias esperado, eis as qualificações de
que fala o profeta: Jesus é o forte, que batizará com o Espírito Santo e com o
fogo; é identificado com o Deus Santo e Forte, que realiza prodígios em favor
do povo. Esta é a imagem de Deus que o povo cultivava no Antigo Testamento. Em
Cristo, a fortaleza divina se manifesta na pequenez e na fragilidade. O forte
Jesus está comumente no meio do povo simples, não se identificando com a
fortaleza dos poderosos, mas com a realidade dos empobrecidos.
Jesus é aquele que batiza com o
Espírito Santo e com o fogo. Os neopentecostais católicos e evangélicos fazem
uma interpretação espiritualista deste batismo de Jesus. O batismo no Espírito
e no fogo não é nenhuma experiência extática ou mágica que se possa constatar
com os olhos da carne; não é nenhuma sessão espiritual na qual a pessoa sente
na carne a força do Espírito que a transporta a um estado emocional negando,
assim, a realidade na qual se vive. Não é nada disso. Tudo isso está mais para
a esquizofrenia espiritual do que para a ação batismal de Jesus na vida do
crente.
Antes de voltar para o Pai, Jesus
assegurou aos discípulos que enviaria o Espírito Santo. Este Espírito que
procede do Pai e do Filho entrou definitivamente no mundo para realizar a
história da salvação. Esta história acontece no desenrolar dos acontecimentos
cotidianos, na construção do Reino a partir das alegrias e vitórias dos
pequenos e indefesos. Eis o significado do batismo no Espírito e no fogo:
manifestação da força amorosa do Espírito na vida dos sofredores, fazendo-os
perseverar no caminho de Jesus até às últimas consequências.
Pelo batismo nos tornamos filhos
amados e queridos de Deus. Este mesmo batismo nos chama para a missão de
trabalharmos incansavelmente para que este mundo seja transformado, a fim de
que todos possam viver dignamente. Eis o compromisso batismal fundamental do
cristão: ser sal e luz do mundo para a salvação de todos. Portanto, assumir o
batismo significa se colocar a caminho, na direção do outro, é sair de si, é
não ter medo de amar sem medida. Agindo assim o cristão faz resplandecer neste
mundo a luz de Cristo Jesus.
Tiago de França
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