Se
estivesse vivo, Dom Helder estaria completando hoje 104 anos de idade. Esta data
não pode passar despercebida. Os profetas precisam ser lembrados porque o que
disseram é importante, principalmente, para as gerações futuras. O que este
profeta cearense disse ao mundo e à Igreja de seu tempo? O que continua a nos
dizer hoje? Como todo profeta, incomodou muita gente importante, tanto na
sociedade quanto na Igreja. Esta breve reflexão poderá incomodar algum leitor
que, porventura, insista em fazer de conta que não está acontecendo nada, que
tudo está bem.
Dom Helder era um bispo amado e
odiado. Seu amor aos pobres era causa de desgosto para os ricos e poderosos. Estes
o admiravam, até tinham certo medo dele, mas não aceitavam a sua profecia. Os
pobres gostavam de ouvir e de se encontrar com Dom Helder. Ele os acolhia com amor,
afeto, atenção e zelo de pastor. Seu jeito cearense de ser conquistava a todos:
animado, extrovertido, ousado. Alguns de seus irmãos no episcopado morriam de
inveja dele: acusavam-no de subversivo, comunista e midiático. Estes bispos
acusadores, na verdade, eram amigos dos inimigos de Dom Helder. Quando não, não
passavam de escravos do medo da liberdade.
Dom Helder era um homem interessado
pela vida das pessoas. Não aceitava o modelo de religião voltado para as coisas
do alto. Para ele, as coisas do alto se encontram no mundo. Era profundamente
identificado com o cotidiano sofrido das pessoas. Viveu pobremente como os
pobres: sem palácio episcopal, sem empregados, sem motorista nem segurança
particular, sem bagagem para carregar. Era despojado: leve e livre para ir ao
encontro das pessoas. Ir ao encontro: eis o que fez durante toda a vida. Não aceitava
o egoísmo, que fecha o ser humano em si mesmo. Era aberto, acolhedor, gostava
de estar com as pessoas. Era amigo.
Dom Helder era um homem do novo e da
ousadia profética. Na sua missão fazia irradiar a novidade do Espírito, que
consiste no anúncio do evangelho de Jesus de Nazaré. Proclamava em alto e bom
tom a mensagem central da Boa Notícia do Reino: a promoção e defesa da vida e da
liberdade. Para realizar esta audaciosa missão teve que viajar para lugares
distantes. Era escutado com admiração e respeito porque falava com convicção,
verdade e liberdade. As pessoas não se cansavam de escutar, esperavam-no
ansiosamente. Elas sabiam que não escutariam mais um sermão moralista, mas a verdade
que gera justiça, liberdade e paz.
Dom Helder chamou a atenção da
Igreja para a necessidade da opção pelos pobres, ensinou que a promoção da
justiça é a via única que conduz e constrói a paz. Os que exploravam os pobres
e os que tentavam legitimar essa exploração não se sentiam bem ao escutá-lo. A opção
pelos pobres faz a Igreja, esquecê-los é marginalizar o evangelho de Cristo
Jesus. Consciente deste ensinamento bíblico, Dom Helder se colocou a serviço
dos pobres optando, em primeiro lugar, por ser um pobre entre os pobres.
Recordar Dom Helder significa
repensar o atual modelo de Igreja que temos, reorientá-la para a periferia do
mundo, tornando-a verdadeiramente missionária e servidora da humanidade, especialmente
dos empobrecidos; libertá-la da mesmice, do dogmatismo e do moralismo, do apego
ao poder, ao prestígio e à hegemonia; transformá-la em sinal de esperança para
o mundo e abri-la à ação do Espírito do Senhor que renova todas as coisas e
conduz a história à sua plena realização.
Por fim, é necessário perguntar:
onde estão os profetas da Igreja? O que está acontecendo? Por que este silêncio
diante de tanto sofrimento humano? Por que cada vez mais as grandes causas do Reino
deixam de ser prioridade e o secundário está se tornando o essencial? Qual o
sentido de liturgias celebradas a rigor se as pessoas sofridas estão sendo cada
vez mais esquecidas? De fato, parece que o samaritano (estrangeiro) continua
sendo exemplo de solidariedade, enquanto que o sacerdote e o levita (os de
casa) continuam olhando o caído e passando pelo outro lado do caminho.
Tiago de França
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