quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Dom Helder Câmara e o clamor dos pobres


          Se estivesse vivo, Dom Helder estaria completando hoje 104 anos de idade. Esta data não pode passar despercebida. Os profetas precisam ser lembrados porque o que disseram é importante, principalmente, para as gerações futuras. O que este profeta cearense disse ao mundo e à Igreja de seu tempo? O que continua a nos dizer hoje? Como todo profeta, incomodou muita gente importante, tanto na sociedade quanto na Igreja. Esta breve reflexão poderá incomodar algum leitor que, porventura, insista em fazer de conta que não está acontecendo nada, que tudo está bem.

            Dom Helder era um bispo amado e odiado. Seu amor aos pobres era causa de desgosto para os ricos e poderosos. Estes o admiravam, até tinham certo medo dele, mas não aceitavam a sua profecia. Os pobres gostavam de ouvir e de se encontrar com Dom Helder. Ele os acolhia com amor, afeto, atenção e zelo de pastor. Seu jeito cearense de ser conquistava a todos: animado, extrovertido, ousado. Alguns de seus irmãos no episcopado morriam de inveja dele: acusavam-no de subversivo, comunista e midiático. Estes bispos acusadores, na verdade, eram amigos dos inimigos de Dom Helder. Quando não, não passavam de escravos do medo da liberdade.

            Dom Helder era um homem interessado pela vida das pessoas. Não aceitava o modelo de religião voltado para as coisas do alto. Para ele, as coisas do alto se encontram no mundo. Era profundamente identificado com o cotidiano sofrido das pessoas. Viveu pobremente como os pobres: sem palácio episcopal, sem empregados, sem motorista nem segurança particular, sem bagagem para carregar. Era despojado: leve e livre para ir ao encontro das pessoas. Ir ao encontro: eis o que fez durante toda a vida. Não aceitava o egoísmo, que fecha o ser humano em si mesmo. Era aberto, acolhedor, gostava de estar com as pessoas. Era amigo.

            Dom Helder era um homem do novo e da ousadia profética. Na sua missão fazia irradiar a novidade do Espírito, que consiste no anúncio do evangelho de Jesus de Nazaré. Proclamava em alto e bom tom a mensagem central da Boa Notícia do Reino: a promoção e defesa da vida e da liberdade. Para realizar esta audaciosa missão teve que viajar para lugares distantes. Era escutado com admiração e respeito porque falava com convicção, verdade e liberdade. As pessoas não se cansavam de escutar, esperavam-no ansiosamente. Elas sabiam que não escutariam mais um sermão moralista, mas a verdade que gera justiça, liberdade e paz.

            Dom Helder chamou a atenção da Igreja para a necessidade da opção pelos pobres, ensinou que a promoção da justiça é a via única que conduz e constrói a paz. Os que exploravam os pobres e os que tentavam legitimar essa exploração não se sentiam bem ao escutá-lo. A opção pelos pobres faz a Igreja, esquecê-los é marginalizar o evangelho de Cristo Jesus. Consciente deste ensinamento bíblico, Dom Helder se colocou a serviço dos pobres optando, em primeiro lugar, por ser um pobre entre os pobres.

            Recordar Dom Helder significa repensar o atual modelo de Igreja que temos, reorientá-la para a periferia do mundo, tornando-a verdadeiramente missionária e servidora da humanidade, especialmente dos empobrecidos; libertá-la da mesmice, do dogmatismo e do moralismo, do apego ao poder, ao prestígio e à hegemonia; transformá-la em sinal de esperança para o mundo e abri-la à ação do Espírito do Senhor que renova todas as coisas e conduz a história à sua plena realização.

            Por fim, é necessário perguntar: onde estão os profetas da Igreja? O que está acontecendo? Por que este silêncio diante de tanto sofrimento humano? Por que cada vez mais as grandes causas do Reino deixam de ser prioridade e o secundário está se tornando o essencial? Qual o sentido de liturgias celebradas a rigor se as pessoas sofridas estão sendo cada vez mais esquecidas? De fato, parece que o samaritano (estrangeiro) continua sendo exemplo de solidariedade, enquanto que o sacerdote e o levita (os de casa) continuam olhando o caído e passando pelo outro lado do caminho.  

Tiago de França

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