Certamente,
a maioria dos leitores católicos não se sentirá bem com a leitura deste breve
artigo. Por isso, usarei de toda a caridade possível com os que se identificam
demasiadamente com a figura do Papa. Vamos considerar o risco da papolatria a partir da cobertura midiática e da reação
popular quanto à eleição do Papa Francisco, mas antes deste é preciso
considerar os dois pontificados anteriores, principalmente o do Papa João Paulo
II, que soube, como nenhum outro Papa da história, se aproveitar bem dos meios
de comunicação para reforçar a imagem de si mesmo e de seu modelo autoritário
de Igreja.
Toda pessoa de bom senso sabe de
duas coisas fundamentais: primeira, que a mídia distorce a realidade e tem
poder para elevar e destruir a boa imagem das pessoas. A mídia não é neutra,
mas ideológica e corporativista; ela calcula com precisão todas as coisas e as
apresenta para as pessoas a partir de seus interesses. Trata-se de um jogo
sujo, que arrecada muito dinheiro em todo o mundo. Segunda coisa, que a Igreja
sempre foi um dos alvos prediletos da mídia, sendo que a primeira sempre se
aproveitou da segunda para também se beneficiar. Agora vamos discernir outras
duas questões que também tem passado despercebidamente aos olhos das pessoas
ingênuas, destituídas de espírito crítico.
Vamos à primeira. A Igreja se
utiliza da mídia para proclamar ao mundo o evangelho de Jesus ou para manter
sua hegemonia? Se considerarmos a verdade dos fatos, certamente a resposta é a
segunda opção. Mídia e Igreja se beneficiam, reciprocamente. A primeira ganha
dinheiro e controla as pessoas, a segunda ganha prestígio e poder de influência
no mundo. Tanto a mídia secular quanto a religiosa não tem o anúncio do
evangelho de Jesus como meta fundamental. O foco é outro. Reforçar a própria
imagem decadente é o objetivo da mídia católica, que possui programações
totalmente voltadas para a difusão da doutrina tradicional católica e das
devoções aos santos. No Brasil atual, as devoções à Maria e ao Divino Pai
eterno tem se destacado. Não há espaço para o evangelho de Jesus.
Vale insistir na questão da
programação da mídia católica. Aos canais católicos (Canção Nova, Rede Vida e
TV Século 21, que são os principais) faço as seguintes indagações: onde está a
preocupação pela justiça social? Em algum momento se recordam do sofrimento dos
pobres? E as denúncias contras as injustiças? Estas e outras questões
fundamentais são deixadas de lado. Um leitor anônimo do meu Blog me falou que
estas são questões secundárias!... O que, então, é o essencial para a mídia
católica oficial? O essencial é a doutrina da Igreja. Esta, na visão dos
mencionados canais, deve ser proclamada ao mundo como se fosse o evangelho,
capaz da libertar as pessoas. A mídia oficial católica não se identifica com as
lutas dos pobres.
Vamos à segunda questão. Por que a
Igreja tem dificuldade de colocar em prática a opção pelos pobres pensada na
Conferência de Medellín (1968) e confirmada nas demais conferências
posteriores? A resposta está na homilia da primeira missa que o Papa Francisco
celebrou com seus cardeais. Ele ousou dizer: “Gostaria de uma Igreja pobre para os pobres”. De fato, a
hierarquia da Igreja precisa assumir, corajosa e profeticamente, um estilo de
vida despojado e, consequentemente, humilde e simples. Uma hierarquia rica não
entende o mistério do Reino de Deus, a não ser pelas especulações realizadas
nos estudos teológicos, mas como o próprio nome indica, especulações não são
experiências. Evangelho é vida, não especulação.
Tendo em vista o que até aqui
consideramos, visivelmente percebemos que os pontificados de João Paulo II e de
Bento XVI caminharam na contramão do que indica o evangelho de Jesus. Enquanto
Jesus trilhou o caminho da humildade e da cruz, e chamou a atenção do apóstolo
Pedro para que não fugisse da realidade verdadeira do discipulado, os
pontificados anteriores ao do atual que se inicia optaram por caminhar nas
veredas largas do aplauso, da ostentação, da visibilidade e da glória humana. Enquanto
Jesus estava preocupado com os pobres que eram explorados pelo Templo de
Jerusalém, casa santa transformada em covil de ladrões, João Paulo II e Bento
XVI estavam preocupados em salvaguardar o depósito da fé a todo custo,
condenando impiedosamente mulheres e homens que tentaram repensá-lo a partir do
evangelho de Jesus.
Tudo isto está por trás e explica o
sentido do que passou a se chamar de papolatria. Concentrando todo o poder em
suas mãos, o Papa procura controlar a vida da Igreja a partir da sua cadeira,
em Roma. Para isto, se utiliza de todos os meios possíveis. Há um sistema de
controle revestido de linguagem e símbolos religiosos. Jesus não pediu nada
disso. Evangelho e controle de pessoas são duas realidades totalmente opostas,
que jamais se identificarão. O evangelho de Jesus é sinônimo de vida e
liberdade, e onde há controle do ser humano não há vida nem liberdade. Toda
forma de controle desumaniza as pessoas, escravizando-as.
O efeito disso na vida da Igreja é o
fundamentalismo católico. Os
fundamentalistas, clérigos e leigos, não aceitam nenhum tipo de crítica ao Papa
nem à Igreja, principalmente ao Papa. Os fundamentalistas desconhecem o
evangelho de Jesus e no lugar deste colocam o ídolo e seu sistema de poder. Para
eles, o Papa é um ídolo a ser cultuado. O ídolo, na visão do idólatra, não é
uma pessoa comum, mas alguém mais que extraordinário, que se encontra no mundo,
mas vivendo noutra dimensão, mais sublime, pura e inalcançável. Neste sentido,
o Papa é o Santo Padre, o Sumo Pontífice, o Beatíssimo, o Venerável, o elo que
liga a terra ao céu. Somente alguém destituído de bom senso e espírito crítico é
que não enxerga nesta realidade o pecado da papolatria.
Um dos títulos mais recentes do Papa
é o de Servo dos servos de Deus.
Este, na verdade, não é um título, mas um convite à santidade que acontece no
serviço aos irmãos e às irmãs. Somente no dia em que a Igreja ser pobre entre
os pobres e para os pobres é que o Papa conseguirá ser o servo dos servos de
Deus. O Código de Direito Canônico, que fala do poder papal e a prática dos
Papas ao longo da história são uma prova incontestável de que o Papa não ocupa
a posição de servo, mas de senhor; um senhor que possui os poderes espiritual
(líder espiritual) e temporal (Chefe de Estado) concentrados em si mesmo.
Francisco, mantendo-se humilde,
mostrará que o Papa não é um homem sobrenatural, mas apenas o Bispo de Roma,
chamado a promover a unidade cristã. Ele mostrará também que Jesus é o centro
da vida cristã, o Libertador enviado pelo Pai para levar à plenitude a obra da
criação. Por isso, terá que ter cuidado com a mídia, com os elogios e aplausos, que tendem a divinizá-lo,
levando as pessoas à prática da papolatria. Despojando-se de toda ostentação e
vanglória, o Papa Francisco deve apontar para Jesus, criando na Igreja, com
suas palavras e gestos, novos discípulos de Jesus e missionários audaciosos da
Palavra de Deus para a vida do mundo. Nenhum Papa pode permitir que sua atuação
ofusque a verdadeira Luz do mundo, Jesus de Nazaré, o enviado do Pai.
Tiago de França
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