domingo, 30 de junho de 2013

Solenidade de São Pedro e São Paulo

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16).

            Neste domingo, a Igreja celebra, solenemente, dois grandes homens: Pedro e Paulo, apóstolos. Falar destes homens de Deus é olhar para a Igreja dos primeiros séculos, é enxergar neles a ação de Deus, que reúne e santifica seu povo. Não podemos deixar passar a oportunidade para falar sobre a Igreja de nossos dias, peregrina neste mundo marcado pelos sinais de morte e de vida.

Pedro, a pedra.

            No texto evangélico deste Domingo (cf. Mt 16, 13 – 19) encontramos Pedro respondendo em nome da comunidade dos seguidores de Jesus: “Tu és o Messias, o Filho de Deus”. Esta foi sua resposta à pergunta de Jesus: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” Conhecido pelo seu temperamento ousado, Pedro é o homem escolhido para ser aquele que vai conduzir, organizar, coordenar, confirmar e zelar pelo rebanho do Senhor. Homem pobre e pecador, respondeu positivamente ao chamado de Jesus para ser seu seguidor, o responsável pelas chaves, o guardião da Casa do Senhor.

            A figura de Pedro evoca a imagem da autoridade e o consequente exercício do poder. A partir do evangelho de Jesus resume-se autoridade e poder na seguinte sentença: tem o poder e a autoridade aquele que procura servir os irmãos. O serviço é a exigência fundamental que legitima o exercício evangélico da autoridade na vida eclesial.

Ser padre, bispo e papa não são funções de mando, de manipulação, que implica obediência e ordem. O evangelho ensina o oposto disso. Na Igreja, a hierarquia ainda está longe de aprender o que Jesus ensinou: o poder se traduz no serviço aos irmãos. O apóstolo Pedro se colocou a serviço dos irmãos até o derramamento de sangue, até o martírio. Venceu a morte com Cristo, tornou-se membro do seu corpo e do seu sangue.

Paulo, o missionário.

            A figura petrina evoca o peso da responsabilidade, a paulina evoca a liberdade da missão. Paulo era oficial romano, encontrou-se com Jesus e converteu-se em seguidor. Reivindicou para si o título de apóstolo, mesmo sem ter feito parte do grupo dos Doze e o fez com razão. Jesus o enviou para lugares distantes, com a missão de anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus. Guiado pelo Espírito do Senhor, Paulo foi um servo obediente, proclamou corajosamente a Palavra da vida e da liberdade a todos, principalmente aos gentios. Missionário da Palavra de Deus, combateu o bom combate, guardou a fé.

            Paulo chama a atenção para a vocação missionária da Igreja. Em seus documentos oficiais, principalmente os do Vaticano II, a Igreja fala de sua natureza missionária. Ela nasceu para evangelizar. Não há Igreja fora da missão. Esta é sua característica fundamental, é sua essência. A Igreja não é estática, mas está no mundo e sua missão está em função dele. A proclamação do evangelho de Jesus deve ser sua atividade por excelência, porque é este mesmo evangelho que a anima, orienta, conduz à fidelidade, aponta para o próximo.

Francisco e a Igreja

            A celebração desta importante Solenidade chama-nos a atenção para o essencial da vida cristã: o seguimento a Jesus de Nazaré. Pedro e Paulo se colocaram no caminho de Jesus e nele perseveraram até as últimas consequências. É preciso que na Igreja haja plena consciência da missão que a mesma precisa desempenhar no mundo de hoje: conduzir as pessoas a Cristo por meio do anúncio corajoso e profético de seu evangelho.

            Combater a pecaminosa e vergonhosa tendência da busca dos aplausos, do prestígio, da riqueza e do poder. Neste sentido, o Papa Francisco tem trilhado um audacioso caminho. Acompanhando seus gestos e palavras percebe-se a insistência nos temas fundamentais para a construção de uma Igreja verdadeiramente missionária e servidora da humanidade: a pobreza evangélica, a tentação do prestígio, da riqueza e do poder, o lugar do evangelho na vida eclesial etc. Estes e tantos outros importantes temas não deixam de ser lembrados por Francisco, que a partir de Roma fala à Igreja com docilidade, humildade e mansidão.

            Ao mesmo tempo em que Francisco profetiza incansavelmente em Roma, as bases da Igreja encontram-se bastante fragilizadas. Boa parte da hierarquia, muitos padres e bispos insistem no caminho oposto: continuam com medo, permanecem levando uma vida medíocre, alicerçada no comodismo e no apego ao poder. Isto acontece porque o evangelho de Jesus continua sendo somente lido, sem ser proclamado e vivido.

No Brasil, a presença da Igreja no espaço público parece muito tímida, sem muita expressividade. Recentemente, o povo está saindo às ruas, mas os pastores da Igreja não tem coragem de ir junto com o povo. A única coisa que fez, oficialmente, foi reconhecer a importância das manifestações através de uma nota redigida pela presidência da Conferência de Bispos. Aqui e acolá aparecia um seminarista, uma freira ou um padre, mas algo bem pontual, sem muita expressividade. O povo clamando por justiça e a Igreja preocupada com a Jornada Mundial da Juventude, evento de massa que ocorrerá no próximo mês. O essencial continua sendo marginalizado. Que Pedro e Paulo intercedam a Deus por nós e que o Espírito inspire mulheres e homens para que o anúncio do evangelho seja, de fato, a missão fundamental da Igreja no mundo.


Tiago de França

terça-feira, 18 de junho de 2013

As manifestações populares e o Evangelho de Jesus

           
          As manifestações do povo em prol da defesa e promoção dos direitos fundamentais é algo bonito de ver. Esta breve reflexão quer pensá-las a partir do princípio evangélico fundamental da fraternidade, proclamado por Jesus no seu evangelho. Antes, é preciso reconhecer a legitimidade dos atos populares para chamar a atenção dos poderes instituídos para que justiça seja feita em vários âmbitos da sociedade.

Historicamente, o povo brasileiro é marcado pelos históricos abusos de poder e pela atual exploração realizada pelo capital especulativo. Vítima de golpes, desvios, chacinas, violência e descaso, chega certo momento em que o povo grita por socorro. Portanto, as atuais manifestações não são somente em vista de alguns centavos do preço das passagens de coletivo urbano, mas expressão de um povo cansado de demagogia política e do descaso por parte de muitos da classe política do país.

Uma vez que os canais de participação nas decisões políticas do país são quase inexistentes, as ruas – com o assegurado direito de ir e vir – é o espaço propício para se fazer ouvir o grito por justiça social. Trata-se de uma alternativa legítima, necessária e oportuna para dizer em alto e bom tom que algo não está bem, que nossa democracia se encontra gravemente ferida, manchada pelos interesses escusos de políticos irresponsáveis. Estes, assistindo de suas confortáveis poltronas às presentes manifestações devem estar um pouco preocupados.

O silêncio covarde diante dos abusos políticos e econômicos é inadmissível, injusto e pecaminoso. Diante das injustiças é preciso compreender, gritar, se posicionar. Cidadão omisso é um atraso ao autêntico desenvolvimento do país. Na vida, toda pessoa precisa ter uma causa a dedicar-se com determinação e convicções profundas. Se o país não vai bem é por causa da letargia que tem tomado o espírito de muitas pessoas, isolando-as no medo e na ignorância política.

Um dos graves problemas da democracia representativa é que as pessoas se esquecem de três questões fundamentais: 1) Não se faz política somente votando no dia das eleições, mas se exerce a cidadania na reivindicação cotidiana e constante dos direitos fundamentais; 2) Desconhecendo estes direitos é impossível buscá-los, portanto, tal desconhecimento dá margem aos abusos de todo tipo e 3) Cobrar dos governantes ações concretas, políticas públicas que solucionem, de fato, os problemas que afligem direta e indiretamente a população, especialmente os que padecem pela falta de assistência direta do Estado.

Toda manifestação popular precisa passar pelo crivo do discernimento, do contrário, desprovida de reivindicações justas, tudo pode se transformar em tragédia. Os objetivos devem ser claros e precisos, a exposição dos mesmos deve ser pacífica, a fim de que se alcance, pela via do diálogo, a solução para o problema. O bom senso impede a reivindicação de algo impossível de se alcançar. É preciso realismo, objetividade e firmeza naquilo que se reivindica; do contrário, tudo pode se encerrar em desordem, portanto, em conflitos e mortes. Para atender à população o Estado é lento, mas para reprimir, o mesmo é impiedoso e violento.

Outro aspecto que merece o devido discernimento é a cobertura midiática das manifestações populares. No Brasil, a TV Globo possui a hegemonia na transmissão das notícias. É a grande representante do que chamamos de mídia oficial. É também a que mais deturpa a notícia, a reproduz e transmite de acordo com interesses que vão contra o bem comum. Quando se refere ao povo os verbos, advérbios e adjetivos utilizados são deploráveis. Segundo TV Globo, toda qualquer manifestação popular é sinônimo de baderna e desordem. Este não é um mal somente da mencionada emissora, mas também das demais, que são de propriedade das grandes corporações legitimadoras do capitalismo neoliberal. Portanto, filtrar o que se escuta e o que se vê nesta e noutras emissoras é muito importante para uma compreensão equilibrada da realidade. É preciso buscar a mídia alternativa, aquela que se identifica com a construção de outro mundo possível, desprovida do corporativismo capitalista neoliberal.

Agora olhemos para Jesus e sua mensagem para discernirmos a situação à luz da fé cristã. Quem lê o evangelho sabe muito bem que Jesus se opôs a todas as formas de exploração que oprimia o povo de seu tempo. Sabe-se também que morreu na cruz com a fama de subversivo, agitador político; foi preso, julgado injustamente, torturado e morto por uma corja de covardes e exploradores do povo. Como Filho de Deus, Jesus anunciou e inaugurou o início de outro mundo possível, denominado Reino de Deus. O amor e a justiça são as palavras de ordem deste Reino. Não há como aderi-lo sem trilhar o caminho do amor e da justiça, portanto, o caminho da não violência e da fraternidade universal.

Peca por omissão, o cristão que se deixa dominar pelo medo e pela alienação. Seguindo Jesus, o cristão compromete-se com a transformação do mundo. Não há seguimento de Jesus fora deste comprometimento. Neste sentido, as Igrejas cristãs deveriam ser as primeiras a chamar a atenção da sociedade para as grandes causas do Reino de Deus. O que ocorre é, infelizmente, o insistente afastamento da maioria dos cristãos dos problemas do mundo. A maioria acha que os problemas do mundo não é questão de evangelho, mas de política e se esquecem de que o evangelho de Cristo é essencialmente político.

O que as Igrejas estão falando das atuais manifestações? O que estão fazendo em prol delas? Há um estranho silêncio. A indiferença é antievangélica, mas infelizmente é companheira de muitos que se afirmam cristãos. Por fim, é preciso rever a ideia da comunhão eclesial. Segundo o Concílio Vaticano II, a Igreja é Povo de Deus. Se isto é verdade, se a Igreja é Povo, então esta Igreja deveria se identificar com as lutas do povo.

Infelizmente, a história mostra que a Igreja sempre foi omissa em relação às lutas populares, pois sempre esteve ao lado dos poderosos. O Papa Francisco tem apontado para os pobres, mas a Igreja continua se parecendo com aquela embarcação que ainda não descobriu para onde está navegando. Sabe que se encontra no meio do mar impetuoso, mas as águas agitadas parecem não acordar a maioria que se encontra dormindo, confortavelmente. A sorte dos cristãos é que o Espírito de Deus está trabalhando livremente nos corações humanos, encorajando as pessoas nas suas buscas e anseios por um mundo melhor. Assim, a liberdade vai sendo possível e o mundo vai se transformando.


Tiago de França

domingo, 16 de junho de 2013

Jesus e a prostituta

“Tua fé te salvou. Vai em paz!” (Lc 7, 50).

            Em todo tempo e lugar, as pessoas que erram, de modo geral, são incompreendidas. O ser humano tem a tendência de olhar a ocasião do pecado, deixando de lado as motivações, as causas que levam ao erro. De modo geral, o juízo que se faz dos pecadores é superficial, preconceituoso e hipócrita. Superficial porque não se vai às causas do problema; preconceituoso porque as desconhece e hipócrita porque, muitas vezes, trata-se de um cego querendo guiar outro. O texto evangélico deste XI Domingo Comum (cf. Lc 7, 36 – 8,3) é um convite para repensarmos a maneira como tratamos uns aos outros, especialmente aqueles que cometem erros que tem maior repercussão na comunidade cristã.

            Segundo o texto, Jesus se encontra na casa de um fariseu e de repente aparece uma mulher “conhecida na cidade como pecadora”. A mulher não fala absolutamente nada e parte para os gestos de amor: chora e começa a banhar os pés de Jesus, enxugando-os com os cabelos, beijando-os e os ungindo com perfume. Como era de se esperar, o fariseu reagiu, pensando: “Se este homem fosse um profeta, saberia que tipo de mulher está tocando nele, pois é uma pecadora”. Diante do julgamento hipócrita do fariseu, Jesus reage falando que o perdão dos pecados está intimamente ligado ao amor: “Por esta razão, eu te declaro: os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados, porque ela mostrou muito amor. Aquele a quem se perdoa pouco mostra pouco amor”.

            Após ter ensinado ao fariseu como Deus é bom e misericordioso, Jesus volta-se para a mulher e a perdoa; em seguida, pronuncia as seguintes palavras: “Tua fé te salvou. Vai em paz!” Os fariseus ficaram escandalizados com Jesus, por ter acolhido a mulher pecadora e por ter lhe perdoado os pecados. Certamente, Jesus continua escandalizando os fariseus presentes em nossas comunidades cristãs.

Em nossas comunidades encontramos clérigos e leigos que se julgam melhores dos que aquelas pessoas conhecidas como pecadoras. Os fariseus de hoje são semelhantes aos do tempo de Jesus: por conhecerem a lei e por serem fiéis às práticas religiosas pensam estar justificados diante de Deus, mas eis o que nos diz o apóstolo Paulo: “Assim fomos justificados pela fé em Jesus Cristo e não pela prática da lei, porque pela prática da lei ninguém será justificado” (Gl 2, 16).

            A mulher acolhida por Jesus não praticava a lei, era julgada e condenada pelos que praticavam. Jesus chama a atenção para a sua demonstração de amor e para a sua fé: eis as duas grandes virtudes da mulher pecadora. Em nossas comunidades as demonstrações de amor, que ocorrem na prática do amor efetivo, estão muito fragilizadas. A ênfase na realização perfeita da liturgia abafa a preocupação pelos pecadores e necessitados. Quando estes aparecem nos templos religiosos, a maioria olha com desprezo e em questão de minutos são postos pra fora. Nos templos religiosos, os pecadores públicos não são bem-vindos. A maioria dos que frequentam nossas igrejas estão “em dia” com as leis.

            Para o leitor não pensar que é exagero, vamos a um exemplo corriqueiro. As pessoas que se “juntaram” e, portanto, não “casaram na Igreja” vivem em situação irregular perante a lei. Injusta e absurdamente, a Igreja ensina que estas pessoas irregulares não podem receber a comunhão eucarística e há padres que são cruéis ao declarar repetidamente: “A Igreja ensina que não podem comungar porque estes casais se encontram em estado pecaminoso!”

Qual a diferença entre estes padres e o fariseu que convidou Jesus para uma refeição em sua casa? Só pode comungar os que estão “justificados” perante a lei? Quem é o justo diante de Deus? Jesus veio para os santos ou para os pecadores? Qual o verdadeiro sentindo da comunhão eucarística? A Eucaristia é um banquete de vida para todos ou somente para os que cumprem a lei? A Igreja precisa repensar melhor a participação eucarística; do contrário, continuaremos assistindo a triste cena dos que desejam sair de seu lugar para irem ao encontro da Mesa da Vida e não podem por não cumprirem a lei.

            Por fim, é preciso considerar que é a partir da mesa eucarística que a comunhão eclesial acontece. Por isso, todos devem ser incluídos nela. É inválida diante de Deus toda e qualquer legislação oposta ao princípio evangélico da misericórdia e da acolhida. Nenhuma lei é superior ao evangelho de Cristo. Para participar da mesa eucarística, segundo as Escrituras neotestamentárias, duas atitudes são necessárias: querer receber o Cristo eucarístico e se predispor a colocar-se em seu caminho; recebendo-o se caminha seguramente até que chegue o grande dia de sua vinda gloriosa.

            Acolhendo a mulher conhecida como pecadora, Jesus exige de seus seguidores a acolhida recíproca e generosa. Todos somos pecadores e em Cristo somos reunidos e formamos a grande família de Deus. Ninguém é superior a ninguém, somos filhos amados do mesmo Pai. Ele nos ama e nos perdoa, indistintamente, e quer a salvação de todos.

A justiça não vem pela prática da lei, mas pela fé em Cristo Jesus; fé provada no amor. Tomemos, pois, cuidado com o juízo que fazemos, pois somente Deus conhece o que se passa na mente e no coração das pessoas. O amor e a fé não passam, necessariamente, pelas práticas religiosas, mas são duas virtudes infundidas na pessoa pela ação amorosa, livre e libertadora do Espírito de Deus, que guia, guarda e sopra onde quer. Acolhidos por Deus, sejamos, pois, verdadeiramente livres no amor, porque “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1).


Tiago de França

terça-feira, 11 de junho de 2013

O profeta Francisco

           
              O Papa Francisco surpreende cada vez mais a Igreja e o mundo com seus gestos e palavras. Escutando-o, em suas homilias, catequeses e discursos, recordo-me dos profetas bíblicos. Antes de morrer, o teólogo belga José Comblin escreveu um excelente livro intitulado A profecia na Igreja no qual fala da escassez de profecia na Igreja. Desde que este livro foi escrito tenho pensado a respeito da profecia na Igreja e me perguntava antes da eleição de Francisco: Será que o Espírito do Senhor abandonou de vez a Igreja? Não é possível!

            Quando acompanhei a primeira aparição de Francisco ao mundo e ouvi que o mesmo veio da América Latina e é jesuíta, fiquei emocionado e disse a mim mesmo: Não! O Espírito está presente na Igreja! Vibrei de alegria e agradeci a Deus por tão grande feito! De fato, desde então, a Igreja ganhou novo alento. Tem algo novo acontecendo. A humildade e a simplicidade voltaram a aparecer em Roma. O ambiente onde Francisco habita é tomado pela sua presença de espírito forte e cativante.

            Os gestos e as palavras do atual bispo de Roma são simples e provocantes. Certamente, seus opositores na Cúria Romana andam preocupados, desconcertados, com medo do que vai acontecer. Em todo tempo e lugar, as pessoas que alicerçam sua vida na falsidade e no apego ao dinheiro e ao poder se sentem profundamente ameaçadas pelos profetas e profetisas de Deus. A profecia é a palavra de Deus: forte, simples, penetrante, que denuncia insistentemente o mal e anuncia a Boa Nova do Reino de Deus.

            A historiografia bíblica e a história da Igreja mostram a sorte dos profetas: incompreendidos, odiados, injuriados, perseguidos e mortos. São poucos os profetas que tem vida longa e, portanto, alcançam a velhice. Os inimigos do Reino de Deus, que são demônios encarnados, portanto, mulheres e homens que constituem a força do anti-Reino não dormem nem cochilam, mas vivem espionando a vida dos profetas, semelhantemente aos doutores da lei e fariseus, que espreitavam Jesus para surpreendê-lo em alguma falha. Esses demônios são astutos, são filhos das trevas, inimigos da verdade e da liberdade, gente perigosa que não perde uma ocasião para fazer o mal e eliminar os operários da vinha do Senhor.

             Quem desconhece a história e a estrutura burocrática e corrupta do Vaticano não entende a existência e extensão dos problemas nele contidos. Optando pelo evangelho de Jesus, que é oposto ao poder que oprime, o Papa Francisco já conta com muitos adversários, e estes não se encontram no meio do povo pobre, mas na hierarquia da Igreja, principalmente dentro do Vaticano. Por isso, é preciso ter muito cuidado e jogo de cintura porque não se trata de uma estrutura jovem, mas milenar, constituída de vícios, luxo, desvios, desordem, desumanidades, hipocrisia, entre tantos outros males. Francisco sabe que em Roma há homens que celebram Missa sem acreditar em Jesus Cristo.

            Não bastam soluções paliativas para resolver os problemas gritantes da Igreja. As mudanças só são possíveis se as estruturas forem mudadas. Não adianta falar de pobreza se não se renuncia à riqueza. Não adianta falar de evangelho se o direito canônico é o que domina. Não adianta falar de carreirismo se as estruturas o proporcionam. Não adianta falar de vida humilde em meio à ostentação. Não adianta falar do poder opressor se as estruturas de poder são mantidas. Se não houver mudanças estruturais, por mais santas que sejam as pessoas, tudo continuará do mesmo jeito.

Quando um enfermo não é tratado, por mais que queira viver, certamente morrerá. Sem mudanças estruturais nenhuma instituição sobrevive. Tanto as pessoas quanto as instituições, por uma exigência da evolução do tempo, precisam passar por mudanças. Não vivemos na eternidade, mas estamos sujeitos ao espaço e ao tempo, consequentemente, à evolução cultural e cósmica. Que o Espírito continue guiando e fortalecendo Francisco, para que permaneça firme no caminho que abraçou, e que o evangelho de Jesus prevaleça.


Tiago de França

sábado, 8 de junho de 2013

Jesus e a dor da viúva de Naim

“Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”

            Custa-me algumas lágrimas escrever a reflexão sobre o texto evangélico deste X Domingo Comum (cf. Lc 7, 11-17). Nesta semana, pude fazer semelhante experiência: estar diante de uma idosa triste, aos prantos, lamentando a morte de sua irmã, assassinada injustamente por um motorista de ônibus irresponsável, que de forma violenta invadiu a calçada da rua, atropelando-a; uma idosa que inocentemente fazia seus exercícios físicos. Vamos ao texto bíblico para sabermos da postura de Jesus diante da viúva de Naim, que estava prestes a sepultar seu único filho.

            Juntamente com seus discípulos e uma grande multidão Jesus se dirige à cidade de Naim e ao chegar à porta da cidade se depara com outra grande multidão, que acompanhava uma viúva levando seu único filho para ser sepultado. O texto afirma que ao vê-la, Jesus sentiu compaixão e lhe disse: “Não chores!” Jesus não a conhecia, mas certamente foi informado de que se tratava de uma pobre viúva. A condição de viúva naquele tempo era desfavorável e aquela do texto se encontrava numa situação mais difícil ainda, pois estava prestes a sepultar seu único filho. Estava totalmente desamparada.

            Jesus a consola e liberta seu filho do poder da morte. O jovem se levantou e começou a falar, e Jesus o entregou à sua mãe. A alegria desta mãe deve ter sido muito grande! O texto termina dizendo que todos ficaram com medo e glorificavam a Deus. Todos reconhecem Jesus como um profeta de Deus e presença divina que veio visitar seu povo. O que esse texto fala para nós hoje?

            A atitude de Jesus revela o Mistério grandioso de Deus, que vem ao encontro do seu povo, povo sofrido, marcado pelas diversas formas de sofrimento. O povo de Deus, ao longo da história, é vítima da perseguição, da exploração e da morte. Os empobrecidos, em todo tempo e lugar, vivem aos prantos. Hoje, são inúmeras as pessoas que choram por causa da violência, do desrespeito, da fome, da violação de seus direitos, entre tantos outros males que afligem a vida humana. Jesus nos revela que Deus está atento ao sofrimento do seu povo. Ele é o Consolador, que ergue o empobrecido caído, salvando-lhe a vida, fazendo-o falar.

            O jovem de Naim se levantou e começou a falar. Em todo o mundo há muita gente caída, sendo esmagada impiedosamente, excluída; portanto, sendo esquecida, morrendo no anonimato. Quem se afirma seguidor de Jesus não pode fechar os olhos diante desta triste realidade. Jesus ensina a seus seguidores qual deve ser a atitude diante da dor do próximo: consolar e tocar, libertando as pessoas do desespero. Os gestos e palavras do discípulo missionário de Jesus devem ser de consolação e ação, a fim de que as pessoas não percam a esperança.

            Jesus não foi omisso diante da aflição da pobre viúva de Naim, mas aproximou-se, consolou-a, tocou e libertou o jovem do poder da morte, devolvendo-o vivo à sua mãe. A sociedade atual é marcada pelo capitalismo selvagem que não está preocupado com a vida das pessoas. Vigora a lei do salve-se quem puder! Quem não tem dinheiro, morre. A vida está atrelada ao dinheiro, ao lucro desmedido. Os despossuídos são excluídos porque não podem consumir. Não há lugar nem reconhecimento para quem não pode consumir. Moderno e próspero é aquele que consume, demasiadamente.

O gesto de Jesus é o da solidariedade, que é filha da compaixão. O capitalismo prega que a solidariedade gera miséria, é coisa de gente fraca da cabeça. Cresce quem somente pensa em si e vive em função de si mesmo. Esta é a regra de vida do homem capitalista. Quem ousa seguir Jesus não orienta a vida por este princípio, pois o egoísmo é um mal, um contravalor, é caminho de perdição eterna. Os egoístas e indiferentes não se salvam, exceto os que se arrependem e se deixam guiar pelo amor e pela solidariedade. O seguimento de Jesus é caminho aberto em direção ao próximo; o oposto é caminho de perdição.

Na comunidade cristã é comum encontrarmos pessoas que se afirmam cristãs, mas que são demasiadamente insensíveis à dor do próximo; são iguais ao sacerdote e ao levita, que vendo o pobre caído no caminho de Jericó passaram para o outro lado do caminho, fingindo não tê-lo visto. De modo geral, estas mesmas pessoas são piedosas, frequentam as celebrações, recebem a comunhão eucarísticas e falam muito bem da caridade evangélica. Agindo assim, pensam que estão no caminho de Jesus. Segundo os profetas bíblicos, é inválido diante de Deus o culto religioso que não é legitimado pela caridade evangélica. Neste sentido, a pomposidade litúrgica não passa de mero teatro, portanto, sem sentido algum. Só serve para fomentar o exibicionismo e, consequentemente, a vaidade de muita gente frustrada.

No caminho de Jesus se encontram os empobrecidos. Por isso, se a Igreja deseja ser fiel discípula missionária de Jesus precisa entrar em seu caminho. O Papa Francisco tem dado claros sinais de como a Igreja deve entrar no caminho de Jesus. Para isto, precisa ser misericordiosa, atenta ao sofrimento dos empobrecidos, defensora e promotora da justiça do Reino de Deus, Casa acolhedora na qual aconteça, cotidianamente, a fraternidade. Os empobrecidos precisam ser acolhidos não somente pela palavra edificante da Igreja, mas, principalmente, pela sua ação generosa e misericordiosa. Não basta dizer “Não chore!”, é necessário se aproximar, tocar e fazer alguma coisa que alivie e console, a fim de que a esperança dos empobrecidos continue viva e Deus seja glorificado em todos.


Tiago de França

terça-feira, 4 de junho de 2013

O Espírito e a missão

         
           A festa de Pentecostes passou, mas o Espírito permanece presente na vida da Igreja e no mundo. Ele faz a história acontecer e a salvação oferecida e trazida por Jesus vai sendo experimentada na vida daquelas pessoas que se deixam conduzir por esta força criadora da vida e da liberdade.

            Será que as pessoas entenderam o evento Pentecostes? Será que a Igreja está reconhecendo a ação do Espírito no mundo? A história mostra a dificuldade da Igreja em compreender e aceitar a ação do Espírito. Até a realização do Vaticano II, o tema do Espírito foi estudado sorrateiramente, sem muitos aprofundamentos. O interesse era pouco. Após o Concílio, o Espírito reapareceu, mas parece que nas últimas décadas foi novamente marginalizado.

            O valor que se confere aos movimentos espiritualistas não significa que o Espírito esteja sendo valorizado. A ação que estes movimentos afirmam ser movida pelo Espírito do Senhor tem se manifestado de forma muito intimista. Em muitas pessoas, estranhamente, o Espírito se manifesta em experiências bem particulares que não conduzem à ação, ao encontro, à alteridade. Visivelmente, à luz do Evangelho, percebemos que tais experiências mais desorientam e dispersam do que reúnem e constroem o Reino.

            As Escrituras mostram que toda vez que o Espírito se manifesta, as pessoas se unem, experimentam algo novo e esta novidade consiste na vida fraterna. As pessoas abrem os olhos para a realidade, enxergam a vida, compreendem-se e ajudam-se, mutuamente. Inspiradas pelo Espírito do Senhor, as pessoas passam a se interessar pela justiça, que defende e promove o bem do outro. Isto acontece porque o Espírito age para a unidade dos cristãos e para que, unidos, construam um mundo melhor; para a unidade, jamais para a uniformidade.

            Por que a Igreja tem dificuldade de reconhecer e aceitar a ação do Espírito do Senhor no mundo? O Espírito é sinônimo de novidade. Ele faz surgir o novo na vida da Igreja. O novo exige revisão de vida, mudanças de mentalidade e de estruturas e tais exigências nunca foram bem aceitas pela Igreja. Esta muda lentamente e com muitas dificuldades. Há grandes e intermináveis resistências às mudanças que precisam ser, urgentemente, realizadas.

        O Espírito age muito além das estruturas eclesiais. Ele não é prisioneiro da Igreja nem propriedade dela. O Espírito está nas pessoas e estas estão no mundo, transformando-o lentamente. Os espiritualistas não aderem compromisso algum, isolando-se em grupos que visam somente o louvor e a adoração por meio de orações intermináveis e repetitivas. Não há dúvida de que a oração é muito importante para uma vida autenticamente cristã, mas é verdade que tanto quanto a oração, a prática do amor a Deus e ao próximo é exigência fundamental no seguimento de Jesus.

            Mulheres e homens plenos do Espírito do Senhor são conhecidos pelas virtudes da humildade e da simplicidade; sinceridade e verdade; mortificação e zelo; discrição e sensibilidade; honestidade e justiça. Um exemplo de homem inspirado por Deus foi o teólogo belga José Comblin: homem de sensibilidade aguçada e de compromisso com as grandes causas do Reino de Deus. Quem o escutou e conheceu sabe de sua profundidade e senso de justiça. Dotado de rara inteligência e guiado pelo Espírito do Senhor sabia ler com sabedoria os sinais dos tempos.


Enfim, há tantos outros e outras, santos, mártires e profetas, que ousaram escutar o Espírito de Deus. Graças à misericórdia de Deus, há muitas mulheres e homens, ousando abrir caminhos novos, escutando o que o Espírito diz às Igrejas. A maioria se encontra no sagrado silêncio, não o silêncio omissão, mas o da discrição. Silenciosamente, são sal e luz do mundo, confirmando muitos no caminho de Jesus. É por meio destas pessoas que o Espírito vai conduzindo a história à sua plena realização, segundo os misteriosos desígnios de Deus. 

Tiago de França