terça-feira, 18 de junho de 2013

As manifestações populares e o Evangelho de Jesus

           
          As manifestações do povo em prol da defesa e promoção dos direitos fundamentais é algo bonito de ver. Esta breve reflexão quer pensá-las a partir do princípio evangélico fundamental da fraternidade, proclamado por Jesus no seu evangelho. Antes, é preciso reconhecer a legitimidade dos atos populares para chamar a atenção dos poderes instituídos para que justiça seja feita em vários âmbitos da sociedade.

Historicamente, o povo brasileiro é marcado pelos históricos abusos de poder e pela atual exploração realizada pelo capital especulativo. Vítima de golpes, desvios, chacinas, violência e descaso, chega certo momento em que o povo grita por socorro. Portanto, as atuais manifestações não são somente em vista de alguns centavos do preço das passagens de coletivo urbano, mas expressão de um povo cansado de demagogia política e do descaso por parte de muitos da classe política do país.

Uma vez que os canais de participação nas decisões políticas do país são quase inexistentes, as ruas – com o assegurado direito de ir e vir – é o espaço propício para se fazer ouvir o grito por justiça social. Trata-se de uma alternativa legítima, necessária e oportuna para dizer em alto e bom tom que algo não está bem, que nossa democracia se encontra gravemente ferida, manchada pelos interesses escusos de políticos irresponsáveis. Estes, assistindo de suas confortáveis poltronas às presentes manifestações devem estar um pouco preocupados.

O silêncio covarde diante dos abusos políticos e econômicos é inadmissível, injusto e pecaminoso. Diante das injustiças é preciso compreender, gritar, se posicionar. Cidadão omisso é um atraso ao autêntico desenvolvimento do país. Na vida, toda pessoa precisa ter uma causa a dedicar-se com determinação e convicções profundas. Se o país não vai bem é por causa da letargia que tem tomado o espírito de muitas pessoas, isolando-as no medo e na ignorância política.

Um dos graves problemas da democracia representativa é que as pessoas se esquecem de três questões fundamentais: 1) Não se faz política somente votando no dia das eleições, mas se exerce a cidadania na reivindicação cotidiana e constante dos direitos fundamentais; 2) Desconhecendo estes direitos é impossível buscá-los, portanto, tal desconhecimento dá margem aos abusos de todo tipo e 3) Cobrar dos governantes ações concretas, políticas públicas que solucionem, de fato, os problemas que afligem direta e indiretamente a população, especialmente os que padecem pela falta de assistência direta do Estado.

Toda manifestação popular precisa passar pelo crivo do discernimento, do contrário, desprovida de reivindicações justas, tudo pode se transformar em tragédia. Os objetivos devem ser claros e precisos, a exposição dos mesmos deve ser pacífica, a fim de que se alcance, pela via do diálogo, a solução para o problema. O bom senso impede a reivindicação de algo impossível de se alcançar. É preciso realismo, objetividade e firmeza naquilo que se reivindica; do contrário, tudo pode se encerrar em desordem, portanto, em conflitos e mortes. Para atender à população o Estado é lento, mas para reprimir, o mesmo é impiedoso e violento.

Outro aspecto que merece o devido discernimento é a cobertura midiática das manifestações populares. No Brasil, a TV Globo possui a hegemonia na transmissão das notícias. É a grande representante do que chamamos de mídia oficial. É também a que mais deturpa a notícia, a reproduz e transmite de acordo com interesses que vão contra o bem comum. Quando se refere ao povo os verbos, advérbios e adjetivos utilizados são deploráveis. Segundo TV Globo, toda qualquer manifestação popular é sinônimo de baderna e desordem. Este não é um mal somente da mencionada emissora, mas também das demais, que são de propriedade das grandes corporações legitimadoras do capitalismo neoliberal. Portanto, filtrar o que se escuta e o que se vê nesta e noutras emissoras é muito importante para uma compreensão equilibrada da realidade. É preciso buscar a mídia alternativa, aquela que se identifica com a construção de outro mundo possível, desprovida do corporativismo capitalista neoliberal.

Agora olhemos para Jesus e sua mensagem para discernirmos a situação à luz da fé cristã. Quem lê o evangelho sabe muito bem que Jesus se opôs a todas as formas de exploração que oprimia o povo de seu tempo. Sabe-se também que morreu na cruz com a fama de subversivo, agitador político; foi preso, julgado injustamente, torturado e morto por uma corja de covardes e exploradores do povo. Como Filho de Deus, Jesus anunciou e inaugurou o início de outro mundo possível, denominado Reino de Deus. O amor e a justiça são as palavras de ordem deste Reino. Não há como aderi-lo sem trilhar o caminho do amor e da justiça, portanto, o caminho da não violência e da fraternidade universal.

Peca por omissão, o cristão que se deixa dominar pelo medo e pela alienação. Seguindo Jesus, o cristão compromete-se com a transformação do mundo. Não há seguimento de Jesus fora deste comprometimento. Neste sentido, as Igrejas cristãs deveriam ser as primeiras a chamar a atenção da sociedade para as grandes causas do Reino de Deus. O que ocorre é, infelizmente, o insistente afastamento da maioria dos cristãos dos problemas do mundo. A maioria acha que os problemas do mundo não é questão de evangelho, mas de política e se esquecem de que o evangelho de Cristo é essencialmente político.

O que as Igrejas estão falando das atuais manifestações? O que estão fazendo em prol delas? Há um estranho silêncio. A indiferença é antievangélica, mas infelizmente é companheira de muitos que se afirmam cristãos. Por fim, é preciso rever a ideia da comunhão eclesial. Segundo o Concílio Vaticano II, a Igreja é Povo de Deus. Se isto é verdade, se a Igreja é Povo, então esta Igreja deveria se identificar com as lutas do povo.

Infelizmente, a história mostra que a Igreja sempre foi omissa em relação às lutas populares, pois sempre esteve ao lado dos poderosos. O Papa Francisco tem apontado para os pobres, mas a Igreja continua se parecendo com aquela embarcação que ainda não descobriu para onde está navegando. Sabe que se encontra no meio do mar impetuoso, mas as águas agitadas parecem não acordar a maioria que se encontra dormindo, confortavelmente. A sorte dos cristãos é que o Espírito de Deus está trabalhando livremente nos corações humanos, encorajando as pessoas nas suas buscas e anseios por um mundo melhor. Assim, a liberdade vai sendo possível e o mundo vai se transformando.


Tiago de França

2 comentários:

Marco Antonio Osório da Costa disse...

A Igreja que silencia - e é preciso que se diga que não apenas a hierarquia sofre desse mal, mas também uma grande e significativa parcela dos assim chamados "fiéis" - é aquela que esqueceu a profecia e que até mesmo costuma sacrificar seus profetas, como se deu com Hélder Câmara, Casaldáliga e outros e que, ainda hoje, procura afastar e silenciar os que recusam ensimesmar-se e isolar-se da vida e do mundo.

Em pleno século XXI, pensa ainda essa parcela que há duas dimensões: a realidade do mundo, como costumam referir-se e a realidade da fé e/ou da religião e/ou da Igreja, como se tal distinção fosse possível.

Não se dá conta de que fé e Igreja só fazem sentido NO MUNDO; de nada servem fora dele (ou contra ele).

A dimensão celebrativa a que tanto se dedicam e tanto cultuam, tem, é claro, importância fundamental. Mas, apenas como estímulo, alimento, que nos fortaleçam e revigorem para a atuação na vida cotidiana, enfrentando as vicissitudes do dia-a-dia.

Como diz um amigo meu, se a fé não fizer diferença, não faz diferença nenhuma ter fé.

Tiago de França disse...

Belo comentário, prezado Marco.