sexta-feira, 26 de julho de 2013

Algumas considerações sobre a Carta Encíclica Lumen Fidei, do Papa Francisco

                 
               Após ter lido a Carta Encíclica Lumen Fidei, quero partilhar algumas considerações a respeito da mesma, tendo em vista a sua importância para a vida da Igreja. Vamos pensá-la a partir de cinco pontos.

1. O problema da linguagem

            A maneira como a Encíclica foi escrita revela a sua autoria. Escrito pelo Papa Bento XVI, o documento foi assumido pelo Papa Francisco. Portanto, trata-se de um documento pontifício. Para um estudioso em Teologia, a Encíclica fala da fé de modo eloquentemente sistematizado. Característica da teologia de Bento XVI, tal documento não foi escrito para leigos, mas para pessoas estudiosas. Neste sentido, servirá muito bem para os estudantes dos cursos teológicos, especialmente para os mais aplicados. Um leigo lerá o documento, achará bonito, mas não entenderá muita coisa.

2. A fé explicitada na Encíclica

            A fé do povo latinoamericano não se encontra explicitada no documento, portanto, esta Encíclica não tem nenhuma ligação com a experiência de fé do povo de Deus da América Latina. Perderá seu tempo quem ousar utilizá-la para falar da experiência de fé dos pobres do povo de Deus. A leitura mostra claramente o tipo de fé cultivada pelo autor da mesma Encíclica: uma fé desencarnada, erudita e vivida longe dos desafios do mundo moderno. Os problemas do mundo são mencionados superficialmente e a fé explicitada aparece como se fosse uma experiência meramente intelectual, experimentada na tranquilidade de um mundo que não é o nosso.

3. A preocupação com a Tradição e com o Magistério

            A fé experimentada pelos pobres não está em função da Tradição nem do Magistério. Os pobres desconhecem estes termos e não se interessam por eles porque os mesmos nada lhes falam. A mera preocupação pela conservação da Tradição e a obediência ao Magistério da Igreja parece permear boa parte do documento. Este objetivo implicitamente manifesto pode ter sua importância para a Igreja institucional, para aqueles que se identificam com a institucionalização da experiência da fé, mas não significa muita coisa para os que ousam seguir Jesus em meio às intempéries do tempo presente. Tradição e Magistério soam mais como obstáculos para a reflexão encarnada da fé do que o oposto. A história recente tem demonstrado isto de forma abundante.

4. A experiência exodal da fé, do amor e da justiça

            Uma das questões do documento que mais me chamou a atenção foi a maneira como o autor tratou a experiência bíblica do êxodo. Falou-se de passagem. O Deus libertador que fez seu povo sair da casa da escravidão no Egito é considerado de modo peculiarmente estranho, considerando-se a hermenêutica que se faz do mesmo episódio na teologia latinoamericana. As alusões que o texto faz à justiça e ao amor desconhecem as lutas cotidianas dos pobres. Estes quase não aparecem no documento.

5. A fé e o Reino de Deus

            O autor da Encíclica perdeu uma excelente oportunidade. O Reino de Deus nunca foi tema preferido da teologia de Bento XVI. A fé poderia ter sido expressa em função do Reino de Deus. A tendência de centralizar outros temas em detrimento da oportuna e necessária reflexão sobre o Reino de Deus é algo que sempre atrapalhou seriamente a vida da Igreja. Não se trata simplesmente de oferecer uma reflexão sobre o Reino, mas de transformar a realidade do Reino na orientação fundamental da vida eclesial.

            Penso que é chegada a hora da hierarquia parar de emitir documentos. Estes estão mais em função da instituição do que da vida comum do povo de Deus. Com isto não estou desqualificando ou julgando desnecessários os documentos da Igreja, mas simplesmente eles não chegam ao povo, não foram escritos para o povo entender nem provocam as transformações necessárias na vida da Igreja. Neste sentido, não podemos esperar que o Papa Francisco se dedique a escrever novas encíclicas para a Igreja, pois ele sabe do que realmente a Igreja precisa.


Tiago de França

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