Após
ter lido a Carta Encíclica Lumen Fidei, quero partilhar algumas
considerações a respeito da mesma, tendo em vista a sua importância para a vida
da Igreja. Vamos pensá-la a partir de cinco pontos.
1. O problema da
linguagem
A maneira como a Encíclica foi escrita
revela a sua autoria. Escrito pelo Papa Bento XVI, o documento foi assumido
pelo Papa Francisco. Portanto, trata-se de um documento pontifício. Para um
estudioso em Teologia, a Encíclica fala da fé de modo eloquentemente
sistematizado. Característica da teologia de Bento XVI, tal documento não foi
escrito para leigos, mas para pessoas estudiosas. Neste sentido, servirá muito
bem para os estudantes dos cursos teológicos, especialmente para os mais
aplicados. Um leigo lerá o documento, achará bonito, mas não entenderá muita
coisa.
2. A fé
explicitada na Encíclica
A fé do povo latinoamericano não
se encontra explicitada no documento, portanto, esta Encíclica não tem nenhuma
ligação com a experiência de fé do povo de Deus da América Latina. Perderá seu
tempo quem ousar utilizá-la para falar da experiência de fé dos pobres do povo
de Deus. A leitura mostra claramente o tipo de fé cultivada pelo autor da mesma
Encíclica: uma fé desencarnada, erudita e vivida longe dos desafios do mundo
moderno. Os problemas do mundo são mencionados superficialmente e a fé
explicitada aparece como se fosse uma experiência meramente intelectual,
experimentada na tranquilidade de um mundo que não é o nosso.
3. A preocupação
com a Tradição e com o Magistério
A fé experimentada pelos pobres não
está em função da Tradição nem do Magistério. Os pobres desconhecem estes
termos e não se interessam por eles porque os mesmos nada lhes falam. A mera
preocupação pela conservação da Tradição e a obediência ao Magistério da Igreja
parece permear boa parte do documento. Este objetivo implicitamente manifesto
pode ter sua importância para a Igreja institucional, para aqueles que se
identificam com a institucionalização da experiência da fé, mas não significa
muita coisa para os que ousam seguir Jesus em meio às intempéries do tempo
presente. Tradição e Magistério soam mais como obstáculos para a reflexão
encarnada da fé do que o oposto. A história recente tem demonstrado isto de
forma abundante.
4. A experiência
exodal da fé, do amor e da justiça
Uma das questões do documento que
mais me chamou a atenção foi a maneira como o autor tratou a experiência
bíblica do êxodo. Falou-se de passagem. O Deus libertador que fez seu povo sair
da casa da escravidão no Egito é considerado de modo peculiarmente estranho,
considerando-se a hermenêutica que se faz do mesmo episódio na teologia
latinoamericana. As alusões que o texto faz à justiça e ao amor desconhecem as
lutas cotidianas dos pobres. Estes quase não aparecem no documento.
5. A fé e o
Reino de Deus
O autor da Encíclica perdeu uma
excelente oportunidade. O Reino de Deus nunca foi tema preferido da teologia de
Bento XVI. A fé poderia ter sido expressa em função do Reino de Deus. A
tendência de centralizar outros temas em detrimento da oportuna e necessária
reflexão sobre o Reino de Deus é algo que sempre atrapalhou seriamente a vida
da Igreja. Não se trata simplesmente de oferecer uma reflexão sobre o Reino,
mas de transformar a realidade do Reino na orientação fundamental da vida
eclesial.
Penso que é chegada a hora da
hierarquia parar de emitir documentos. Estes estão mais em função da
instituição do que da vida comum do povo de Deus. Com isto não estou
desqualificando ou julgando desnecessários os documentos da Igreja, mas
simplesmente eles não chegam ao povo, não foram escritos para o povo entender
nem provocam as transformações necessárias na vida da Igreja. Neste sentido,
não podemos esperar que o Papa Francisco se dedique a escrever novas encíclicas
para a Igreja, pois ele sabe do que realmente a Igreja precisa.
Tiago de França
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