domingo, 25 de agosto de 2013

A salvação e a porta estreita

“Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13, 24).

            Desde o tempo de Jesus até nossos dias, muitas pessoas se preocupam com a questão do número dos que se salvarão. O número em detrimento da qualidade sempre representou um gravíssimo problema na vida humana, inclusive em matéria religiosa. O fato é que alguns falam que são poucos, outros falam que são muitos e há outros ainda que falam que todos se salvarão. Vamos pensar a respeito da universalidade da salvação oferecida por Deus em Jesus Cristo a partir daquilo que o próximo Cristo falou. Olhemos o texto evangélico de Lucas 13, 22 – 30.

            “Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém”. Até chegar a Jerusalém, onde se encontra o Templo, lugar da morada divina, segundo a concepção judaica, Jesus passa por cidades e povoados, prosseguindo seu caminho. O texto já vai indicando o lugar onde se encontram os que são salvos: na periferia do mundo.

Quem mora na periferia? Os ricos, os privilegiados, os poderosos, os que mandam? De modo algum. Na periferia se encontram os despossuídos, os que foram empobrecidos, os excluídos. Quais as condições de vida dos que vivem na periferia? Eis o que disse Dom Helder Câmara ao encontrar-se com os pobres na periferia: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará, mas quando olho tá faltando é tudo!” Na periferia falta de tudo, mas superabunda a graça e a verdade. Somente lá é possível participar do festivo encontro com o Senhor que optou pela pequenez.

            Muitos pensam que a graça está nos templos religiosos, na pureza dos panos do altar, no brilho das alfaias. Escandalosamente, Jesus aponta o contrário. Os excluídos das periferias dificilmente vão aos templos, e quando vão, ficam perdidos. Muitos saem dos mesmos sem entender quase nada. Sabem somente que cumpriram uma obrigação, benzeram-se e saíram benzidos.

E o pessoal do templo avisa: “Domingo sem missa é semana sem a graça de Deus!” Quanta chantagem emocional. Não se trata de convite, mas de chantagem apelativa porque o pessoal do templo não se conforma com o crescente esvaziamento do templo. No evangelho Jesus está dizendo: Saiam do templo, vão à periferia! Atender a este chamado divino é complicado porque ir à periferia é altamente arriscado e desconfortável. Em Roma, Francisco vive inquieto porque como Papa é complicado ir à periferia de Roma.

            “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão”: eis a resposta de Jesus para o “alguém” que perguntou sobre se é verdade que são poucos os que se salvam. Jesus não responde diretamente a pergunta. Por que não responde? Porque o número dos que se salvam não lhe interessa. Qual o interesse de Jesus? Que as pessoas possam fazer todo o esforço possível para entrar pela porta estreita. Que porta é essa?

A porta larga é a porta da multidão, da vida fácil e confortável, do imediatismo doentio e da ilusão. A porta estreita é o caminho do discipulado, espinhoso, que se encontra na periferia do mundo. Poucos conseguem passar por esta porta estreita. O que as pessoas procuram é a largueza, é o gozo desmedido da existência em detrimento dos que quase nada tem para sobreviver.

            Os que buscam entrar pela porta estreita procuram viver a caridade na verdade, a justiça e a solidariedade, o perdão e a comunhão. Os que procuram a porta larga, que não conduz ao banquete do Reino, são aqueles que são egoístas, intimistas, apegados ao bem-estar sem nenhuma preocupação com o bem-estar do próximo.

O curioso é que nas comunidades cristãs encontramos muitos destes: pessoas que “amam a Deus”, mas que não ama o próximo. Trata-se de um pseudoamor, que engana e divide, pura hipocrisia. Estes baterão a porta, dizendo: “Senhor, abre-nos a porta!” E o Senhor responderá: “Não sei de onde sois!”

            “Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” Na Igreja é muito comum a excessiva preocupação com os pecados pessoais. Fala-se da gravidade de tais pecados: desejar a mulher do próximo, não ir à missa, pensar mal do padre, fofocar, fazer sexo antes do casamento, usar anticoncepcionais etc. Certamente, tais coisas não são boas, mas também é muito pior centralizar a reflexão em torno delas. Há coisas que correspondem a um mal menor.

Há males muito piores que correspondem a graves pecados e que precisam ser denunciados: a corrupção, que na maioria dos casos se traduz em tirar o pão da boca dos pobres, e tantos outros pecados estruturais. Nos templos são poucos os que denunciam tais práticas. A preocupação sempre se volta para o secundário e o essencial sempre fica esquecido. Jesus é categórico: não participarão do banquete do Reino os que praticam injustiça contra o próximo. Não existe meio termo. Nem “pagando” o dízimo se justificarão diante de Deus! O dízimo não está para Deus, mas para a religião.  

            “Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no reino de Deus. E assim há últimos que serão primeiros e primeiros que serão últimos”: eis a fundamentação evangélica da universalidade da salvação oferecida por Deus em Cristo Jesus. Os que praticam injustiça contra seu próximo e os que são autossuficientes desprezam a salvação. Espera-se que se convertam; do contrário, ficarão de fora. Não adianta queremos inventar outra interpretação para estas palavras de Jesus, com o intuito de agradar os que simplesmente olham com simpatia e admiração o caminho de Jesus. Jesus não precisa de simpatizantes nem de admiradores.

Aderir a Jesus: eis o desafio possível. Adere-se ou não se adere, não há meia adesão. Trata-se de uma atitude radicalmente evangélica. O fato até hoje inaceitável para muitos é que a salvação oferecida por Deus em Cristo Jesus é universal, ou seja, aberta a todos, para todos; salvação oferecida na liberdade e para a liberdade. Aceitá-la implica aderir ao caminho de Jesus, porta estreita e perigosa. É uma escolha difícil, mas feliz; possível, com a ajuda do infinito amor de Deus. Atualmente, o Bispo de Roma, Francisco, tem convidado a Igreja para entrar pela porta estreita, mas a disposição dos que são chamados ainda é pequena. Jesus está à porta, é preciso entrar em seu caminho para que ele possa abri-la, pois uma vez aberta a porta, a acolhida será generosa e a festa será linda de ver!...


Tiago de França

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