“Fazei
todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que
muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13, 24).
Desde o tempo de Jesus até nossos
dias, muitas pessoas se preocupam com a questão do número dos que se salvarão. O
número em detrimento da qualidade sempre representou um gravíssimo problema na
vida humana, inclusive em matéria religiosa. O fato é que alguns falam que são
poucos, outros falam que são muitos e há outros ainda que falam que todos se
salvarão. Vamos pensar a respeito da universalidade da salvação oferecida por
Deus em Jesus Cristo a partir daquilo que o próximo Cristo falou. Olhemos o
texto evangélico de Lucas 13, 22 – 30.
“Jesus
atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para
Jerusalém”. Até chegar a Jerusalém, onde se encontra o Templo, lugar da
morada divina, segundo a concepção judaica, Jesus passa por cidades e povoados,
prosseguindo seu caminho. O texto já vai indicando o lugar onde se encontram os
que são salvos: na periferia do mundo.
Quem mora na periferia? Os ricos, os
privilegiados, os poderosos, os que mandam? De modo algum. Na periferia se
encontram os despossuídos, os que foram empobrecidos, os excluídos. Quais as
condições de vida dos que vivem na periferia? Eis o que disse Dom Helder Câmara
ao encontrar-se com os pobres na periferia: “O
Senhor é meu pastor e nada me faltará, mas quando olho tá faltando é tudo!” Na
periferia falta de tudo, mas superabunda a graça e a verdade. Somente lá é
possível participar do festivo encontro com o Senhor que optou pela pequenez.
Muitos pensam que a graça está nos
templos religiosos, na pureza dos panos do altar, no brilho das alfaias. Escandalosamente,
Jesus aponta o contrário. Os excluídos das periferias dificilmente vão aos
templos, e quando vão, ficam perdidos. Muitos saem dos mesmos sem entender
quase nada. Sabem somente que cumpriram uma obrigação, benzeram-se e saíram
benzidos.
E o pessoal do templo avisa: “Domingo
sem missa é semana sem a graça de Deus!” Quanta chantagem emocional. Não se
trata de convite, mas de chantagem apelativa porque o pessoal do templo não se
conforma com o crescente esvaziamento do templo. No evangelho Jesus está
dizendo: Saiam do templo, vão à periferia! Atender a este chamado divino é
complicado porque ir à periferia é altamente arriscado e desconfortável. Em
Roma, Francisco vive inquieto porque como Papa é complicado ir à periferia de
Roma.
“Fazei
todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que
muitos tentarão entrar e não conseguirão”: eis a resposta de Jesus para o “alguém”
que perguntou sobre se é verdade que são poucos os que se salvam. Jesus não
responde diretamente a pergunta. Por que não responde? Porque o número dos que
se salvam não lhe interessa. Qual o interesse de Jesus? Que as pessoas possam
fazer todo o esforço possível para entrar pela porta estreita. Que porta é
essa?
A porta larga é a porta da multidão, da
vida fácil e confortável, do imediatismo doentio e da ilusão. A porta
estreita é o caminho do discipulado, espinhoso, que se encontra na periferia do
mundo. Poucos conseguem passar por esta porta estreita. O que as
pessoas procuram é a largueza, é o gozo desmedido da existência em detrimento
dos que quase nada tem para sobreviver.
Os que buscam entrar pela porta
estreita procuram viver a caridade na verdade, a justiça e a solidariedade, o
perdão e a comunhão. Os que procuram a porta larga, que não conduz ao banquete
do Reino, são aqueles que são egoístas, intimistas, apegados ao bem-estar sem
nenhuma preocupação com o bem-estar do próximo.
O curioso é que nas comunidades cristãs
encontramos muitos destes: pessoas que “amam a Deus”, mas que não ama o
próximo. Trata-se de um pseudoamor, que engana e divide, pura hipocrisia. Estes
baterão a porta, dizendo: “Senhor,
abre-nos a porta!” E o Senhor responderá: “Não sei de onde sois!”
“Afastai-vos
de mim todos vós que praticais a injustiça!” Na Igreja é muito comum a excessiva
preocupação com os pecados pessoais. Fala-se da gravidade de tais pecados:
desejar a mulher do próximo, não ir à missa, pensar mal do padre, fofocar,
fazer sexo antes do casamento, usar anticoncepcionais etc. Certamente, tais
coisas não são boas, mas também é muito pior centralizar a reflexão em torno
delas. Há coisas que correspondem a um mal menor.
Há males muito piores que correspondem a
graves pecados e que precisam ser denunciados: a corrupção, que na maioria dos
casos se traduz em tirar o pão da boca dos pobres, e tantos outros pecados
estruturais. Nos templos são poucos os que denunciam tais práticas. A preocupação
sempre se volta para o secundário e o essencial sempre fica esquecido. Jesus
é categórico: não participarão do banquete do Reino os que praticam injustiça
contra o próximo. Não existe meio termo. Nem “pagando” o dízimo se
justificarão diante de Deus! O dízimo não está para Deus, mas para a religião.
“Virão
homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no
reino de Deus. E assim há últimos que serão primeiros e primeiros que serão
últimos”: eis a fundamentação evangélica da universalidade da salvação
oferecida por Deus em Cristo Jesus. Os que praticam injustiça contra seu
próximo e os que são autossuficientes desprezam a salvação. Espera-se que se
convertam; do contrário, ficarão de fora. Não adianta queremos inventar outra
interpretação para estas palavras de Jesus, com o intuito de agradar os que
simplesmente olham com simpatia e admiração o caminho de Jesus. Jesus não
precisa de simpatizantes nem de admiradores.
Aderir a Jesus: eis o desafio possível. Adere-se
ou não se adere, não há meia adesão. Trata-se de uma atitude radicalmente
evangélica. O fato até hoje inaceitável para muitos é que a salvação oferecida por
Deus em Cristo Jesus é universal, ou seja, aberta a todos, para todos; salvação
oferecida na liberdade e para a liberdade. Aceitá-la implica aderir ao
caminho de Jesus, porta estreita e perigosa. É uma escolha difícil, mas feliz;
possível, com a ajuda do infinito amor de Deus. Atualmente, o Bispo de Roma,
Francisco, tem convidado a Igreja para entrar pela porta estreita, mas a
disposição dos que são chamados ainda é pequena. Jesus está à porta, é preciso entrar
em seu caminho para que ele possa abri-la, pois uma vez aberta a porta, a
acolhida será generosa e a festa será linda de ver!...
Tiago de França
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