“Maria
partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da
Judeia”
(Lc 1, 39).
Para onde vai esta mulher de passos
apressados, sozinha por uma região montanhosa? O texto de Lc 1, 39 – 56 fala
que Maria vai à casa de sua prima, Isabel. Durante três meses, estas duas
mulheres grávidas permanecem juntas. Maria, grávida de Jesus, o Messias
prometido. Isabel, grávida de João, o profeta do deserto que foi batizar no rio
Jordão. São duas mulheres importantes, humildes servas do Senhor. O Deus e Pai
de Jesus parece ter certa predileção pelas mulheres humildes e disponíveis,
sensíveis ao chamado e dispostas ao serviço.
Maria partiu
Partir é sinônimo de deslocar-se.
Maria é a mulher do movimento, do caminho, da região montanhosa. Para partir é
preciso ter coragem. É um movimento existencial que obriga a sair de si mesmo
para estar disponível para o outro. Quem parte tem a plena consciência de que
há o outro à espera. A recepção de Isabel fala de uma espera ansiosa, de um
encontro alegre, de uma convivência fraterna e feliz. Maria saiu para servir,
guiada pelo Espírito daquele que carregava em seu seio. Tornou-se conhecedora
do belíssimo mistério do serviço fraterno. Aquela pobrezinha de Nazaré, criada
na observância da Lei passa a conhecer a dinâmica do Espírito que a faz
transcender o rigor da Lei. Sozinha, vai ao encontro para servir, cuidar, para
permanecer.
Partiu,
apressadamente
A espera é atitude de quem
precisa. Quem está necessitado não apresenta condições para tanta espera. Sabendo
disso, Maria tem pressa. Parte, apressadamente. Sendo mulher, sabe que estando
grávida, o cuidado é essencial. Sua sensibilidade é aguçadíssima. A pressa,
neste caso, é o gesto de quem não somente conhece a necessidade do outro, como
também de quem se coloca no lugar do outro. No caso de Maria, acompanhada da
sua prima, ambas vivem a experiência feliz do cuidado recíproco. Cuidar da vida
do outro é cuidar da própria vida, é atitude humana e espiritual de quem
compreende e se dispõe a viver a experiência humanizadora do amor de Deus, que
se expressa na comunhão fraterna. Maria e Isabel são primas, mas também são, em
Cristo Jesus, irmãs que aceitaram a missão de serem testemunhas da justiça
divina.
Maria permaneceu
Ela não fez uma visitinha, mas
permaneceu durante três meses com Isabel. A experiência da permanência no serviço
é bela e profunda. A fidelidade exige tempo para amadurecer. Colocar-se a
serviço do outro exige a disposição de querer ir e permanecer. Com o passar do
tempo e no bom uso deste tempo oferecido pelo Senhor, as pessoas se conhecem,
partilham a vida, vivem em comunhão. A pressa é de se chegar. Quando se chega,
a atitude muda, passa-se a conviver. Convivência generosa exige tempo, o tempo
de Deus. Não se trata de ir somente ver, mas de servir o tempo que for
necessário, a fim de que a vida surja, seja possível. Para o conforto de Isabel
e o bem do profeta do Senhor, Maria quis permanecer.
O Cântico
O evangelista põe na boca de
Maria um belíssimo cântico. Trata-se de um hino de louvor e reconhecimento a
Deus, que não se esqueceu de seu povo, enviando Jesus, o Messias. Deus é o Pai
providente e amoroso, que quer bem e socorre seus filhos, preferencialmente os
mais fracos e indefesos, os que não tem vez nem voz. Agindo com misericórdia,
em Cristo vem ao encontro de seu povo, não para uma visita rápida, mas como o
Servo que deseja permanecer, cuidar, alimentar, oferecer o amor, amando. É isto
que diz o cântico: fala da presença amorosa deste Deus revelado no amor, que
jamais abandona seu povo. Em Cristo, seu amado Filho, o Pai está com seu povo e
com este permanece para sempre.
A glória de
Maria
O Pai não concede privilégios a
ninguém. Em Cristo, sabemos que Deus escolhe os humildes e com eles transforma
a história. Maria não é melhor nem pior do que as demais mulheres, portanto,
não é nenhuma privilegiada. Não é nenhuma deusa, mas humilde servidora do
Senhor. Sua glória está na sua humildade e na sua capacidade de servir. A celebração
de sua assunção ao céu serve para indicar a glória dos filhos de Deus, daqueles
que ousam fazer como ela fez, no hoje da história humana. É prefiguração
daquilo que há de vir, daquilo que Deus quer para toda pessoa: a participação
no Reino. A assunção de Maria, neste sentido, difere de toda pretensão
meramente devocional, que tende à divinização de sua pessoa. Por isso, sem
excessos, afirmamos: a participação de Maria no plano de Deus lhe confere um
lugar imprescindível, o lugar de discípula missionária da Palavra de Deus. Ela foi
bem-aventurada por isto e por isto mesmo participa da glória de Deus, glória
que não lhe é exclusiva.
Uma Igreja
usando avental
Venerar Maria é abraçar seu gesto
por excelência: servir ao próximo no amor. A Igreja precisa partir, sair de si
mesma. Desburocratizar e tentar extinguir a corrupção na Cúria Romana são
atitudes necessárias, mas a Igreja necessita de ir mais além. A Igreja não é a
Cúria Romana, mas Povo de Deus na história. A missão que o evangelho confere
aos crentes não está em função da salvação de instituições, mas da salvação de
seres humanos. Aceitando ou não, as instituições não são eternas, mas passíveis
de mudanças e podem se extinguir.
A corrupção tem força de colocar um fim
nas instituições e isto é inevitável. O máximo que se pode fazer é adiar o fim
das instituições que resistem às devidas rupturas. Reformas não mudam
estruturas, apenas as adéqua ou não a novas situações. O problema permanece. O desafio
maior da Igreja é colocar o evangelho de Jesus no centro de sua vida e missão.
Isto significa o seguinte: converter-se aos pequenos e pobres e,
definitivamente, renunciar a tudo o que não condiz com o evangelho de Jesus de
Nazaré. Na Solenidade da Assunção, Maria aparece como aquela que ensina
o verdadeiro significado do Evangelho de Jesus: serviço aos irmãos e irmãs,
preferencialmente, os pobres.
Tiago de França
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