quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O celibato na Igreja Católica

Introdução

            Este é um tema pouco discutido na Igreja e o motivo é simples: causa incômodo a muitos, especialmente aquelas pessoas que se encontram submetidas à disciplina celibatária e não consegue vivê-la com tranquilidade. Desde Roma até às bases da Igreja o assunto não é devidamente aprofundado. Parece não haver interesse na questão, apesar de que a mesma sempre aparece, insistentemente.

Particularmente, nunca parei para escrever sobre a questão, mas atendendo ao insistente pedido de amigos e alguns dos meus alunos da escola em que trabalho resolvi publicar algumas considerações a respeito do celibato. Quando era seminarista, era como que proibido falar no seminário a respeito do celibato, a não ser que expressasse clara concordância com tal disciplina, pois, do contrário, seria logo acusado de não ter vocação para o sacerdócio, como pensam muitos até hoje. Agora sou mais livre para discorrer sobre qualquer assunto, uma vez que não me encontro sob a autoridade eclesiástica de quem quer que seja.

O que disseram Jesus e o apóstolo Paulo

            Vamos à questão. Consultando o Novo Testamento da Bíblia encontro-me diante do texto de Mt 19, 10 – 19. Nele aparece Jesus falando daqueles que se tornam eunucos por causa do Reino de Deus. Apenas uma alusão. Não entendo que Jesus esteja instituindo o celibato obrigatório para seus discípulos. Outros podem entender, mas não estará sendo fiel ao que diz o texto. Jesus não pensava na institucionalização do Cristianismo. Não passava por sua cabeça a realidade na qual nos encontramos hoje. Assim podemos pensar a partir do Cristo Jesus dos evangelhos.

Agora, se criamos um Cristo, que não é o das Escrituras, que instituiu o celibato e tantas outras práticas disciplinares, então o problema é outro. Assim, podemos assegurar com toda certeza: a partir do evangelho, ninguém está autorizado a afirmar que Jesus tenha imposto o celibato como condição sine qua non (indispensável, essencial) para segui-lo. Jesus não impôs nada a ninguém nem poderia fazê-lo, pois entraria em contradição com a mensagem que pregou.

            Paulo, apóstolo, quando escreve sua primeira carta aos coríntios, no capítulo 7, versículo 5 fala da necessidade de se entregar ao Senhor como condição necessária para a missão. Propõe que todos fossem como ele, que, a partir do texto, indica-se que era solteiro, mas deixa bem claro que nem todos dão conta. Numa linguagem simples e direta, seu recado é claro: se não der conta do celibato, então melhor casar.

Na mesma carta, no capítulo 9, versículo 5 o mesmo apóstolo fala do direito de se levar a companheira para a missão formando, assim, um casal missionário. Averiguando outras cartas, encontrei as endereçadas a 1 Timóteo 3,1 – 12 e a Tito 1,6 nas quais fala-se da necessidade de o bispo, o presbítero e o diácono serem “maridos de uma só mulher”, entre outras prerrogativas dos respectivos ministérios. Pelo que se percebe, em plena sintonia com Jesus, Paulo também não impõe nada.

O que diz a história

            Olhando a história da Igreja, podemos considerar o Concílio de Elvira, ocorrido no início do séc. IV (306) como o lugar ou momento da primeira proibição ao casamento dos padres. Os concílios posteriores, com certa timidez, insistiram no tema, mas sem outros desdobramentos significativos. No séc. IV, estranhamente, o celibato foi ligado à pureza ritual. Um dia antes de presidir a Eucaristia, o presbítero e/ou o bispo abstinha-se da relação sexual.

Entre os séculos VI e XII a prática do celibato aparece de forma oscilante, uma vez que não foi declarada obrigatória para toda a Igreja. Somente com o Concílio Lateranense II, no início do séc. XII (1139) é que o celibato se tornou obrigatório e universal. Os Concílios posteriores reforçaram tal disciplina, inclusive o Concílio Vaticano II, no século passado.  

            Esta mesma história da Igreja também mostra, além da evolução da prática do celibato, que esta disciplina não deu muito certo, ou seja, nem todos puderam cumpri-la. O motivo somente foi descoberto quando a Igreja repensou o significado do celibato no Concílio Vaticano II. Descobriu-se que o celibato é dom, é carisma do Espírito, que nem todos o possuem. Descobriu-se, mas a obrigatoriedade permaneceu. Contraditório, não?!

Vamos analisar esta contradição a seguir. A história mostra, claramente, que o celibato foi e continua sendo causa de desvios de conduta. Aliás, não o celibato em si, mas sua obrigatoriedade. Os que não deram conta de cumprir a disciplina desobedeceram-na, e em muitos casos, de forma escandalosa.

Dom de Deus, carisma do Espírito

            O celibato em si é, de fato, um dom de Deus, um carisma dado pelo Espírito. Por que o Espírito concede a algumas pessoas este carisma? Esta é uma indagação fundamental. O Espírito não concede a ninguém a graça de viver solteiro/a, irresponsavelmente. Por isso, como dom de Deus, o celibato está em função da missão, da construção do Reino. Quer como membro da hierarquia ou da vida religiosa, ou sendo um cristão leigo, a pessoa é chamada a viver o celibato como opção livre em função do Reino de Deus. Neste sentido, celibato não é mera abstinência sexual, mas opção livre para a entrega de si mesmo. A pessoa não fica livre do desejo sexual, pois este é inerente ao ser humano, nem muito menos deve reprimi-lo, mas compreendê-lo e o integrá-lo, com o auxílio da graça de Deus.

            Desvinculado da opção pelo Reino de Deus, o celibato perde seu sentido e se torna perigoso. Padres, bispos, religiosas e religiosos celibatários que não vivem o celibato em função do Reino de Deus o tornam absoluto, um fim em si mesmo. Isto é demasiadamente perigoso por três motivos: 1) porque o celibato é um meio, não um fim em si mesmo; 2) porque enquanto fim, o mesmo perde seu sentido e, por isso mesmo, torna-se inviável; 3) porque, desse modo, transforma tais pessoas em solteirões e solteironas, vivendo irresponsavelmente uma vida tranquila, cômoda, despreocupada.

Celibato e pobreza

Aqui aparece outro aspecto do celibato enquanto dom de Deus: o mesmo só tem sentido quando é vivido na pobreza evangélica, pois numa vida luxuosa, pautada na ostentação, é impossível ser evangelicamente celibatário. Neste sentido, para os religiosos, o celibato está necessariamente ligado ao voto de pobreza.

            Bispos e padres, religiosos e religiosas que possuem um padrão de vida à altura dos ricos deste mundo, dificilmente são autênticos celibatários. Podem até dar conta de viverem sem manter relações sexuais, o que não basta para serem celibatários. Se assim procedem, são solteirões, que não deveriam ter ingressado na vida religiosa ou no sacerdócio ministerial. Antes, deveriam ter ousado permanecer no mundo comum, na condição de leigos engajados, acompanhados com suas esposas (no caso daqueles que não são homossexuais), buscando fazer a vontade de Deus em meio às dificuldades inerentes ao tempo presente.

De modo geral, clérigos e religiosos que não dão conta do celibato e não deixam o ministério, permanecem contra a própria vontade e para o escândalo dos pobres, envergonhando a Igreja onde se fazem presentes. Tornam-se pessoas insuportáveis porque não estão integradas consigo mesmas. Infelizmente, não é pequeno o número destas pessoas na Igreja.

A discussão do tema na Igreja

            Não podemos afirmar que todo bispo, padre, religioso e religiosa tenha o carisma para o celibato. Se não tem e desejam se casar, não precisariam deixar o ministério ordenado para abraçarem o matrimônio. É o que anda acontecendo em número cada vez maior. O silêncio por parte da hierarquia da Igreja em relação ao que está acontecendo passa a ideia de que a evasão de padres não é motivo de preocupação.

Se assim é, então temos um descaso. Na verdade, o que ocorre é a falta de coragem por parte da Igreja para discutir abertamente a questão. Não é um problema do Espírito, mas da Igreja, pois o celibato não é dogma de fé, mas disciplina eclesiástica e, como tal, pode ser modificada. Só depende do bom senso e da boa vontade da hierarquia, especialmente do Papa e dos Bispos.

            O que muitos na Igreja pedem não é a abolição do celibato, mas da obrigatoriedade do mesmo. A partir do evangelho de Jesus podemos afirmar que toda forma de obrigação na comunidade cristã é contraditória e, portanto, antievangélica. Se Jesus não impôs nenhuma obrigação a seus discípulos, a Igreja deveria fazer o mesmo. Onde há obrigação não há liberdade e onde não há liberdade não se faz presente o Espírito de Deus.

Abolir o celibato não é um bem para a Igreja porque nem todos os clérigos possuem vocação para o matrimônio. A verdade é que muitos tem vocação tanto para o ministério ordenado quanto para o matrimônio e as duas realidades poderiam ser vividas sem problema algum, pois assim acontecia na Igreja antes do séc. XII, como vimos acima.

            Há dois argumentos ultrapassados que são colocados por aqueles que defendem a obrigatoriedade do celibato: o patrimônio da Igreja e a liberdade para a missão. Fala-se que se os clérigos se casarem a Igreja perderá seu patrimônio material por causa do problema da herança. Contra este argumento há os instrumentos jurídicos que podem livrar a Igreja deste problema. Se é que isto é um problema! A assinatura de termos de dispensa de posse dos bens, se é que podemos falar assim, é a solução.

Nas congregações, os religiosos não possuem os bens, mas apenas fazem uso dos mesmos. Quando deixam a vida religiosa não levam absolutamente nada. O mesmo poderia ocorrer com os clérigos, em relação às suas famílias, caso pudessem se casar. As Escrituras Sagradas, a história da Igreja e o testemunho dos pastores e líderes das diversas Igrejas protestantes mostram que as esposas não tiram dos ministros a liberdade para a missão. Na maioria dos casos, também elas são missionárias da palavra de Deus.

Conclusão

            Um fato é inegável: após o Concílio Vaticano II, com o surgimento de uma nova eclesiologia e com a evolução da maturidade cristã, a escassez de vocações ao ministério ordenado é uma realidade que tem provocado muita inquietação. Há um número incontável de comunidades cristãs desassistidas. A Eucaristia, considerada cume e ápice da vida cristã e eclesial não é celebrada em inúmeras comunidades. 
Contraditoriamente, a Igreja continua mantendo o ministério ordenado somente para homens celibatários.

Mulheres não podem ser ordenadas e os que deixaram o ministério para se casar não podem exercê-lo. Há muitos casais idôneos que poderiam exercer o sacerdócio na Igreja, mas não podem por causa da disciplina do celibato. Claramente, percebemos que a obrigatoriedade do celibato é um mal na vida da Igreja. Estamos no séc. XXI, temos Francisco como Bispo de Roma, o momento parece propício para discutir a questão, apesar de o Papa não ter dado, ainda, sinais claros de que está disposto a discuti-la.

Mais do que em outras épocas, os jovens de hoje não se sentem motivados para ingressar no seminário e depois de quase uma década de vida sem muito contato com o mundo serem confirmados no ministério ordenado tal como está configurado e vivido na Igreja hoje. Penso ser hora de vencer o medo para que a questão possa ser discutida, ampla e colegialmente para o bem da Igreja, Povo de Deus. Se isto não ocorrer, os responsáveis pela solução do problema continuarão tentando cometendo o mesmo erro de sempre: tentando tapar o sol com a peneira! Até quando?!...


Tiago de França

Um comentário:

Rubia Andrade disse...

Eu achei o texto tão interessante...
Jesus é tão lindo e bom, jamais obrigou nada e acho que ele não quer essa obrigação mantida na sua casa e sim o celibato sendo praticado em resposta ao dom concedido.
Quem sabe o Papa possa se animar!