“Eis
aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”
(Lc 1, 38).
Neste domingo a Igreja celebra, dentro do tempo do
advento, a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria. Trata-se de um dogma
proclamado pelo papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854. Muito antes desta data,
muitos católicos já veneravam a mãe de Jesus como a imaculada conceição, ou
seja, concebida sem a mancha do pecado original.
A
partir de uma mariologia pós-conciliar, a reflexão em torno deste dogma passa
pela imagem de Maria contida no evangelho, pois tal dogma não tem nenhuma
fundamentação bíblica. Portanto, o mais interessante não é querer saber se
Maria foi ou não concebida sem a mancha do pecado original, mas em aprendermos
com ela a sermos discípulos missionários de Jesus.
Movimento
inverso
O dogma da
imaculada conceição não leva em consideração a serva do Senhor, mas cria no
imaginário popular a ideia de que Maria foi escolhida e, por isto, é maior do
que as demais mulheres, possuindo, assim, um privilégio especial. A partir das
Escrituras, podemos assegurar que não há privilégio algum. Afirmar isso não diminui
em nada a figura de Maria e sua participação no projeto de Deus.
Qualquer
excesso na devoção precisa ser corrigido, a fim de que Maria não deixe de ser a
serva do Senhor. Ela não é uma deusa nem mediadora entre Deus e as pessoas,
mas, tendo aceitado a missão de ser a mãe de Jesus, participou ativamente da
ação misericordiosa de Deus que veio salvar o seu povo. Ela se tornou
missionária da Palavra de Deus, pois acreditou nesta Palavra e por meio dela
foi salva, juntamente com o povo de Deus.
Crer
e colocar-se a serviço
A partir do
evangelho constatamos que em Maria há uma íntima ligação entre crer e servir. Para
crer é preciso encontrar-se com a Boa Notícia. Esta desperta para o amor. Convivendo
com Jesus e educando-o na fé de seu povo, Maria aprendeu a ser a humilde serva
do Senhor. A salvação acontece por meio da humildade e do serviço. Transformada
pela Palavra de Deus, Maria se abriu à ação amorosa da graça de Deus e se
tornou portadora da Boa Notícia do Reino.
Seu exemplo é o de mulher servidora, que tendo
compreendido o sentido e o alcance da ação de Deus em sua vida e na vida de seu
povo, tornou-se modelo de doação ao próximo. Ela quis fazer a vontade de Deus,
que foi aos poucos sendo compreendida, na medida de sua fidelidade à missão
recebida. Crer é fazer a vontade daquele que chama e envia.
Crer
é mais do que ouvir e proclamar com a boca a bondade e a misericórdia de Deus;
além disso, é preciso fazer a experiência da escuta e da proclamação da
Palavra. Experiência é vida, é sentir no cotidiano Deus agindo segundo seus
desígnios. Maria era “cheia de graça” e “bem-aventurada” porque experimentou a
bondade e a misericórdia de Deus no encontro feliz e generoso com o próximo.
Celebrar
a imaculada conceição não é recordar a nefasta herança do pecado original. Não podemos
perder mais tempo pensando neste evento inicial, mas é preciso, urgentemente, tendo
Maria como modelo, procurarmos servir às vítimas dos gravíssimos pecados
estruturais que assolam a humanidade, ajudando-as em seu processo de
libertação. Recordando outro grande exemplo, o de Nelson Mandela (1918 – 2013),
que não passou seus 95 anos pensando em si mesmo, mas sendo protagonista da
libertação de seu povo, a Igreja precisa, definitivamente, ser como Maria, como
Nelson Mandela e tantas outras testemunhas da libertação integral do ser humano,
serva dos servos de Deus.
Tiago
de França
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