sábado, 27 de dezembro de 2014

Uma prece pela família

Ó Deus, Pai e Mãe de ternura e de bondade, que fizeste teu amado Filho nascer no seio de uma família em Nazaré da Galiléia, te pedimos por nossas famílias, especialmente por aquelas que se encontram em situações de risco e abandono.

Tende compaixão, ó Deus, dos filhos sem pai e dos que perderam suas mães. Que teu olhar misericordioso também alcance aquelas famílias que estão sendo destruídas pelas drogas e pelas diversas formas de violência, pelo desemprego e pela fome.

Dá-nos, Senhor, as virtudes da compreensão e da tolerância, para acolhermos, generosamente, as novas formas de família que estão surgindo com a evolução do tempo e das culturas: mulheres e homens, que chamados ao amor, inauguram expressões livres de amor e doação.

Liberte-nos, ó Amor fiel, em nome de Jesus e no Espírito, da indiferença, do preconceito, das manias de perseguição e intolerância. Que mergulhados no teu amor aprendamos a viver a autêntica fraternidade, no cuidado gratuito e generoso do outro.

Assim, ó Deus, conduzidos pelo exemplo fecundo e santo da Sagrada Família de Nazaré: Jesus, Maria e José, queremos continuar acreditando na força renovadora do Teu amor, que nos faz trabalhar sempre mais pela edificação e renovação das famílias, capazes de gerar um mundo novo, onde possam reinar a justiça e a paz.

Assim seja!

Tiago de França

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

MENSAGEM DE NATAL 2014

“A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14).

Amigos e amigas, irmãos e irmãs no Verbo de Deus,

Graça e paz!

É sempre motivo de alegria e esperança a celebração solene do nascimento de Jesus de Nazaré, nosso Irmão maior. Em sua infinita bondade, o Pai nos enviou Jesus, concedendo-nos a graça de participarmos de sua vida divina. Esta participação nos concede a verdadeira alegria e paz. Somos chamados para entrarmos em comunhão permanente não com algo estranho e distante, mas com Aquele que veio até nós e conosco permanece para sempre. Deus, nosso bom Pai, no Cristo Jesus e na força consoladora do seu Espírito, jamais nos abandona.

Deus, tornando-se um de nós, assumindo nossa condição em tudo, exceto no pecado, no mistério da sua encarnação, veio morar entre nós. Esta é nossa alegria e nossa esperança. Em Cristo, adotados como filhos e filhas, somos salvos e felizes porque somos, misteriosamente, alcançados pela presença amorosa do nosso bom Pai, que está em cada um de nós. Esta é nossa fé, este é nosso credo. Assim, em meio às trevas do mundo somos filhos da Luz, espelhos da glória de Deus. A claridade da luz divina não permite que sejamos confundidos. Com os olhos fixos em Jesus, o Cristo, e iluminados por sua luz, estamos em Deus e Deus está em nós.

Estamos vivendo tempos difíceis. O mundo está profundamente marcado pelas diversas formas de violência que destroem a vida humana e a de toda a criação. Crises morais e institucionais nos desafiam e geram desespero. O amanhã se torna cada vez mais sombrio. Estamos como que numa pequena ilha cercada de águas agitadas por todos os lados.

A fé em Jesus nos indica o caminho para que a luz vença as trevas e nos liberte do desespero, avivando em nós a esperança que não decepciona: Entreguemo-nos ao amor ensinado e vivido por Jesus. Amor de atos, não de discursos; amor que nos conduz na direção do outro, nosso irmão. Se verdadeiramente cremos em Jesus e se Ele habita o nosso coração, resplandeçamos, pois, a sua luz no mundo, vencendo, assim, as forças da morte. Esta é nossa vocação e missão. Não podemos renunciar a esta árdua missão, pois se o fizermos, pereceremos, horrivelmente; e Deus cobrará de cada um de nós no grande dia do juízo final.

A celebração da encarnação de Deus na humanidade não pode ser reduzida a uma festa fugaz na qual há muita comida, bebida, troca de presentes e alegria passageira. Este é o natal mercadológico, apenas um entre os outros feriados do calendário. No outro dia e após a ressaca, tudo volta ao normal. Para os que tem fé em Jesus, o Natal vai muito além da missa do galo, estendendo-se por toda a vida. Natal é acolhida de Jesus no coração para nos tornamos como Ele: cada vez mais humanos e, ao mesmo tempo, cada vez mais divinos. A Trindade está em nós, em nossas entranhas, gerando outro mundo possível.

FELIZ NATAL!


Tiago de França

Curvelo - MG, dezembro de 2014.

sábado, 20 de dezembro de 2014

O anúncio da encarnação de Deus na humanidade

“Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38).

            Nestes dias que antecedem a celebração do Natal do Senhor, os cristãos são chamados a compreender a beleza e a profundidade do mistério da encarnação de Deus na humanidade. É verdade que uma compreensão plena é impossível, considerando que a realidade divina é misteriosamente indizível. O que conseguimos compreender é aquilo que o próprio Deus quis revelar: o fato de ter vindo a este mundo, tomando forma humana, sendo igual a nós em tudo, exceto no pecado.

            Para confundir os poderosos deste mundo, Deus escolheu a pequena e humilde Maria, de uma cidade desconhecida e mal afamada chamada Nazaré. “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus”: são as palavras do anjo após a saudação dirigida à virgem prometida em casamento a José, da descendência de Davi. Maria, de fato, não teve medo, e mesmo não compreendendo plenamente o que estava acontecendo, porque era uma judia temente a Deus, aceitou ser a mãe do Verbo de Deus, Jesus, o Messias.

            O lugar e a pessoa escolhida mostram a predileção divina por aquilo que é pequeno, frágil e insignificante aos olhos do mundo. Esta pedagogia divina permanece vigorando no modo como o Espírito do Senhor age no mundo. Este Espírito, que fecundou o ventre de Maria de Nazaré, continua fecundando a vida dos pequenos, frágeis e insignificantes deste nosso mundo, marcado pela opressão dos grandes em relação aos pequenos. É este Espírito que mantém viva a esperança do povo de Deus. Durante toda a história da salvação é desse modo que Deus tem atuado junto ao povo que escolheu para si.

            O sim de Maria é providencial. Deus a escolheu e elegeu, e ela respondeu prontamente ao chamado divino. Viveu plenamente a sua vocação: a de ser mãe e discípula de Jesus, o Messias prometido, inaugurador do Reino de Deus neste mundo. Com seu sim, Maria participa do processo de libertação do seu povo porque sabia que Deus jamais o abandonaria. Com o desenvolvimento da missão de Jesus, ela foi cada vez mais, assim como ele, tomando conhecimento da grandeza da presença amorosa de Deus em Jesus de Nazaré. Maria viveu sua vocação e já foi recompensada com sua participação na glória divina, juntamente com tantos outros que responderam, generosamente, ao chamado divino.

            Hoje, os discípulos de Jesus precisam fazer como a mãe de Jesus, com amor e liberdade, no cotidiano da vida, vencendo as tentações e superando os desafios, dizer um sim generoso, maduro e consciente ao chamado permanente de Deus. Dizer sim não para ser senhor, mas para ser servidor do projeto divino de salvação da humanidade. Somente assim, a palavra de Deus permanece em nós e nos tornamos sal da terra e luz do mundo. É assim que o gosto amargo da vida se transforma em doçura e as trevas deste mundo se dissipam, e o povo de Deus permanece firme e forte na sua peregrinação rumo à casa do Pai.

            Superando toda mania de grandeza e apego ao poder, pessoas e instituições podem se tornar servas do projeto salvador de Deus. Quando dizemos sim a Deus, simultaneamente, estamos dizendo não à satisfação egoísta de nossos interesses. Desse modo, tornamo-nos abertos e disponíveis aos outros, a vida ganha beleza e leveza, as relações interpessoais se fortalecem e o outro é devidamente acolhido e reconhecido, a fraternidade acontece e o Reino se manifesta no mundo.  

É isto que Deus deseja para cada pessoa e para toda a humanidade: que em Cristo nos reconheçamos como irmãos, no respeito às diferenças culturais e religiosas, na construção do novo céu e da nova terra, onde reinarão a justiça e a paz. É com este sentimento e propósito que caminhamos alegres e esperançosos para a festa solene do nascimento do Senhor Jesus.

Tiago de França

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Caminhar com Jesus na contramão

         
           Seguir Jesus é caminhar com ele. Não é tarefa fácil porque se trata de uma caminhada exigente. A regra do caminho é o amor e este tem suas exigências. O caminho de Jesus não oferece nenhuma segurança e, além de inseguro, é estreito e pedregoso. Caminho aberto a todos, poucos são os que ousam se colocar nele. Os que aceitam o chamado e iniciam a caminhada, inevitavelmente, participam da mesma sorte de Jesus: são incompreendidos, perseguidos, colocados de lado, e, muitas vezes, mortos.

            Os que caminham com Jesus são promotores da verdade e da liberdade. No caminho fazem a experiência da intimidade com Deus. Nesta intimidade acontece a revelação da vontade de Deus, revelação que precisa ser anunciada a todos, indistintamente. É caminhando com Jesus que o peregrino conhece a sua verdade e liberdade. Não se trata da mera verdade elaborada pela inteligência humana, constantemente reelaborada de acordo com as conveniências do momento, mas é o próprio Jesus a verdade que ilumina e guia o caminhar do peregrino. O mesmo se pode falar da liberdade de Jesus, consequência de sua verdade libertadora.

            Esta realidade transforma interiormente o peregrino, tornando-o discípulo e missionário de Jesus. Ele sabe muito bem que a mensagem de Jesus incomoda e desinstala. Sabe não porque se convenceu pela retórica dos argumentos, mas porque faz a experiência da intimidade com a palavra de Jesus. O contato com esta palavra é revelador e transformador. Ao anunciá-la às pessoas, estas tendem a desprezar tanto a palavra anunciada quanto quem está anunciando-a. Por isso, o peregrino não se escandaliza diante do desprezo e do ostracismo por causa do anúncio da palavra de Jesus.

            Aqui se encontra o porquê do caminho ser estreito e pedregoso. Olhando para Jesus não é difícil de visualizar seus conflitos com as autoridades religiosas e civis do seu tempo. Os religiosos não se deram bem com ele. O conflito era permanente. Jesus não tinha amizade com os religiosos do seu tempo. Eles não o aceitavam, mas somente o toleravam quando era possível. Geralmente, o acusavam e perseguiam e, mentindo, buscavam entregá-lo ao poder imperial romano. Não deu para escapar: foi preso, torturado e morto na cruz. Os que se colocam no caminho de Jesus correm o mesmo risco.

            Assim, seguir Jesus é algo perigoso. Proclamar abertamente a verdade da sua mensagem incomoda muita gente. Tanto dentro quanto fora dos ambientes religiosos, a mensagem evangélica encontra grandes resistências. A tendência de todos os tempos, que constitui uma enorme tentação, é tentar amenizar as palavras de Jesus, tirando-lhe o real sentido e alcance.

Há uma modificação constante da mensagem de Jesus, a fim de que se torne menos pesada e perigosa. Exemplo disso é a tradicional pregação dirigida aos opressores do povo de Deus. Dizem os pregadores, para manter a amizade e os privilégios junto a eles: “Jesus não manda renunciar à riqueza. Ele simplesmente pede que vocês ajudem os pobres. Se vocês doam um pouco daquilo que vocês tem, tudo está resolvido diante de Deus. O que Deus olha é a caridade. Façam a caridade e serão salvos!”

Desse modo, os opressores continuam oprimindo, pensando que estão em paz com Deus somente porque doam recursos para serem dados aos pobres. E para manterem a aparência de bons cristãos, somam às esmolas a participação no culto, a amizade com os padres e pastores (evangélicos), a recepção dos sacramentos, o dízimo e outras contribuições para a manutenção dos templos e promoção de festas religiosas. Quando morrem, recebem as devidas preces dos ministros do Senhor e chegam diante de Deus devidamente recomendados. O peregrino de Jesus desmascara esse cristianismo superficial e mentiroso, conferindo-lhe o verdadeiro nome: hipocrisia religiosa.

“Devemos pregar a reconciliação entre ricos e pobres. Desde o início foi sempre assim: há pessoas que nascem para ser ricas, e outras para servi-las. Pregar contra esta realidade é causar divisão nas Igrejas. Não se deve questionar os poderosos, mas é necessário ajudá-los a serem boas pessoas, a se salvarem. Deus ama a todos e não olha a condição social. A riqueza de alguns é sinal da bênção de Deus. O que Deus quer é que as pessoas se voltem para Ele e procurem prestar um culto digno de ser recebido. As Igrejas são os lugares onde resplandecem a salvação, são as portas da eternidade no mundo; por isso, todos devem praticar o culto religioso e se adequar às leis religiosas, que foram reveladas por Deus e não podem ser questionadas. Só é fiel a Deus quem aceita o que Ele revelou no seio da religião. Quem se opõe à religião com seu aparato institucional está se opondo a Jesus”: estas e outras ideias, que constituem a pregação e a ideologia religiosa de nossas Igrejas cristãs oprimem o povo de Deus e são contrárias aos ensinamentos de Jesus. 

Caminhar com Jesus na contramão significa isto: conhecer e viver conforme a verdade e a liberdade da sua mensagem libertadora. Como dissemos acima, não é tarefa fácil. As tentações são inúmeras, fortes e insistentes. Somente caminhando com o próprio Jesus é possível ser fiel até o fim. O desânimo, o medo, o desespero, as ameaças, as incompreensões, as perseguições e todas as forças opostas à mensagem de Jesus não conseguem intimidar o peregrino que caminha com Jesus. O Espírito de Jesus é a força que encoraja, ilumina, guia, capacita e mantém o peregrino na caminhada. Consciente de seus limites e fraquezas, o peregrino permanece unido a Jesus e com Jesus vence o mundo.

Tiago de França 

sábado, 13 de dezembro de 2014

João Batista: testemunha da Luz

“Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’, conforme disse o profeta Isaías” (Jo 1, 23).

            Deus enviou João Batista como testemunha para dar testemunho da luz, “para que todos chegassem à fé por meio dele”. Na qualidade de enviado de Deus, João não falava em nome próprio, mas em Nome daquele que o enviou. Mensageiro divino, foi enviado para testemunhar Aquele que já lhe era conhecido: Jesus de Nazaré, a Luz do mundo. Experimentado no deserto, considerado por Jesus como o maior de todos os profetas.

            “Quem és, afinal?”: eis a pergunta que lhe foi dirigida pelos sacerdotes e levitas, enviados pelos judeus de Jerusalém. Sua resposta corresponde ao cumprimento da profecia de Isaías: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’, conforme disse o profeta Isaías”. João é uma voz que grita no deserto. A voz do profeta incomoda porque grita o chamado à conversão do coração.

            Aplainar é preparar o coração para acolher o Messias, Jesus de Nazaré, a Luz do mundo. Abandonar o coração de pedra, que gera a indiferença e destrói a fraternidade. Abandonar a mera satisfação dos próprios interesses em vista do bem comum. Libertar-se da cegueira para enxergar e construir um mundo novo. Isto significa ter um coração de carne, coração convertido a Jesus.

            Chegar à fé significa responder a este chamado de conversão do coração. Quem não tem um coração contrito e humilde, na verdade, não tem fé. Pode ter outra coisa, menos fé. A fé autêntica é aquela que conduz o crente ao caminho do Senhor, e este caminho é feito de amor. Quem não ama está fora do caminho, não está na verdade, não tem fé. Colocar-se no caminho do Senhor pela conversão do coração é como que o conteúdo autêntico da fé em Jesus. Fora disso há aparência de seguimento e aparência de fé.

            Preparar o caminho de Jesus para que Ele venha definitivamente para realizar a Visita definitiva é deixar-se impregnar por esta fé. O Cristo já está no meio de nós, mas onde? Nós o conhecemos e o amamos? Como está nossa acolhida em relação a ele? Disse João aos sacerdotes e levitas: “no meio de vós está aquele que vós não conheceis”. Quem não tem um coração convertido é incapaz de enxergar Jesus na vida. Pode-se até prestar-lhe um belíssimo culto na sinagoga e no Templo, mas sem conhecê-lo.

            Muita gente pensa que conhece Jesus, mas somente com os lábios, mantendo longe dele o coração. Crentes insensíveis, frios, indiferentes, egoístas, calculistas, mesquinhos, desonestos, sanguinários, rancorosos, ambiciosos, maliciosos, mentirosos, fraudulentos, corruptos e corruptores, diabólicos e desumanos, fechados ao perdão e à solidariedade: eis as qualidades das mulheres e homens, que se fechando à ação de Deus em suas vidas, deixam-se dominar pelo mal, alimentando um coração de pedra. Muitos deles estão cultuando Jesus em nossos templos, mas cultuam um Cristo que não aceitam no coração.

            Estamos a caminho da celebração do Natal, solenidade da encarnação de Jesus, o Verbo de Deus. Como estamos preparando esta solenidade? Como iremos celebrá-la: com comidas, bebidas, presentes, muita festa? Será mais um feriado, momento para comermos o peru da Sadia? E Jesus, há algum espaço para ele? O grito do profeta João Batista preparou a primeira vinda de Jesus, mas seu grito permanece vivo e atual, pois estamos aguardando a segunda e última vinda deste mesmo Jesus, que pode chegar a qualquer momento. Preparemo-nos com a conversão do coração, única forma de acolhê-lo. E assim, a festa vai ser linda de viver!...


Tiago de França

sábado, 6 de dezembro de 2014

Chamados à conversão

“O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2 Pd 3, 13).

            Apareceu no deserto aquele que foi enviado por Deus para preparar o caminho de Jesus, o Messias. Seu nome é João Batista. O deserto é o lugar da escuta e da revelação, da intimidade e da contemplação, da provação e da conversão. O precursor do Messias Jesus é um homem do deserto: ungido pelo Espírito e experimentado, livre porque viveu na humildade e na simplicidade. Seu estilo de vida revela a maneira como o cristão deve preparar o coração para acolher Jesus.

            O deserto também é o lugar da tentação. Jesus viveu a experiência do deserto, e nela aprendeu que o ser humano é fraco. A condição humana é frágil. Toda pessoa está exposta à fraqueza. Conscientes de nossa fragilidade não ousamos apontar o dedo contra ninguém. Nossa acusação é inválida e pecaminosa. Todos, sem exceção, estamos encerrados na finitude. Somos irmãos na fragilidade para sermos resgatados por Aquele que não nos abandona jamais.

            A experiência do deserto é uma experiência de secura e de aridez. Nela experimentamos crises, ao mesmo tempo em que temos a feliz oportunidade para a mudança de vida. Os que permanecem acordados e atentos, portanto, vigilantes, de fato, conseguem passar pela provação para ser aquilo que Deus quer: pessoas livres e vigilantes, experimentadas no caminho de Jesus. É isto que Deus quer: nossa liberdade.

            A humildade do profeta João nos convida ao reconhecimento de nossos limites, fraquezas e pecados. Reconhecer-se pecador: eis o início do caminho da mudança de vida, da conversão. Quem não dar uma pausa para mergulhar no mais profundo de si mesmo é incapaz de reconhecer-se pecador.  

Isto significa que precisamos conhecer nosso interior, nossos abismos. Como São João da Cruz ensinava, é preciso passar pela “noite escura” para nela encontrar-se com Jesus. Ele vem a nós caminhando sobre as águas, na escuridão da madrugada, quando estamos perturbados no frágil barco agitado pelas ondas do mar da vida, que tendem a nos afogar.

            Para ser irmão do outro é imprescindível passar por este movimento humano e espiritual de autoconhecimento e de reconhecimento das próprias fraquezas. É aí que tomamos consciência de que, realmente, não somos melhores nem piores, mas somos igualmente pessoas e irmãos no Cristo Jesus.

A partir daí o pecado do outro deixa de nos interessar. Além disso, tal consciência nos enche de compaixão e nos move na direção do outro, para ajudá-lo em suas lutas por libertação. Desse modo, perdemos aquela infeliz disposição para a acusação do outro. Por que acusar e condenar meu irmão, se sou pecador como ele? É a pergunta que surge em quem tem consciência das próprias fraquezas. A ausência desta consciência nos faz cair, constantemente, na tentação de vivermos condenando o outro.

            Conta-nos o evangelista Marcos (1, 1 – 8), que as pessoas procuravam o profeta João para confessarem seus pecados e serem batizadas por ele. O profeta as preparava para a chegada de Jesus, o Messias, que batiza com o Espírito Santo. Hoje, o discípulo missionário de Jesus é chamado a fazer o mesmo: confessar seus pecados e ser batizado com o Espírito.

Confessar os pecados é mais do que receber o sacramento da reconciliação (para os católicos), mas é, sobretudo, aderir a uma atitude permanente, sendo humilde diante do outro e diante da vida, despojando-se do espírito de superioridade, prepotência e arrogância. Não adianta confessar o pecado sem um arrependimento sincero e humilde.  

            Nossas Igrejas cristãs precisam continuar a missão do profeta João por meio do anúncio da Boa Notícia do Reino e da denúncia das injustiças que assolam a humanidade. Cada batizado em nome da Trindade é chamado a ser como João: ser mensageiro de Deus, na humildade e na simplicidade, em um mundo marcado pela discórdia e pelas injustiças.  

Esta missão se inicia com a confissão humilde de nossas faltas, passando pela adesão à mensagem de Jesus e terminando na missão no meio do mundo. Não são etapas separadas, mas um movimento único que acontece no cotidiano da vida sob a direção e na força do Espírito.


Tiago de França

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A liberdade na Igreja

         
             Falar sobre a liberdade na Igreja é complicado, e o motivo é simples: infelizmente, a Igreja continua sendo um dos espaços no qual a liberdade não é muito acolhida. A disciplina da Igreja continua muito severa, apesar de pouco observada. Há muitas leis, mas pouca observância. Se olharmos para a conduta da maioria dos católicos, que além de não ligar para a disciplina, também a desconhece, veremos a discrepância existente.

Os cristãos de outras Igrejas não se cansam de acusar os católicos de rebeldia e relaxamento. Em contrapartida, estes não estão preocupados com tal acusação. A constatação é simples e visível: no Brasil há milhões de católicos, e a maioria só aparece no culto para a recepção dos principais sacramentos (batismo, crisma, eucaristia e casamento). Também costumam aparecer nas celebrações fúnebres. Há, ainda, uma parcela de católicos que vai à missa por tradição.

Estes últimos, muitas vezes, saem dos templos do mesmo jeito que entraram, pois não participaram da celebração, mas “assistiram à missa”, como se costuma dizer. Como o ritual romano da celebração é fixo, então fica fácil se fazer presente, tornando-se uma “participação” mecânica no culto. Desse modo, não precisamos explicar que este tipo de presença no culto não leva as pessoas a lugar nenhum. Este é um dos motivos que explicam a falta de conversão dos católicos.

Ao falamos de liberdade na Igreja estamos considerando esta situação que acabamos de explicitar em breves linhas. Nossa reflexão quer falar da liberdade na relação entre a Igreja e a sociedade, e entre leigos e clérigos. Certamente, há outros aspectos da liberdade na Igreja a serem considerados, mas o curto espaço de um artigo não científico não permite maiores aprofundamentos. Portanto, em nossas considerações, iremos direto ao ponto, com clareza, objetividade e concisão.

A liberdade na relação entre Igreja e sociedade

            Este subtítulo contempla uma variedade de informações que caberia em um livro volumoso. Há uma literatura extensa a respeito. Antes de considerarmos alguns aspectos da liberdade na história da Igreja, é preciso enxergá-la no testemunho de Jesus de Nazaré. A vida pública de Jesus mostra claramente a sua liberdade de espírito e de ação.

Era um homem livre e libertador: livre porque não se deixava prender a nada nem a ninguém; libertador porque seu testemunho atraía outros para viverem a mesma experiência. Jesus incomodava bastante com seu jeito de viver a espiritualidade. Sua liberdade causava admiração e medo, incômodo e esperança. Para os pobres era motivo de alegria, enquanto que para os ricos era motivo de medo e preocupação.

Por ser um homem livre, Jesus se diferenciava de todos e seu ensinamento, dado com autoridade (a autoridade de um homem livre!), questionava os líderes religiosos e a sociedade de seu tempo. Com suas palavras e gestos ensinou que o caminho da salvação é um caminho de liberdade, e ensinou também que a religião só é autêntica quando se coloca a serviço da libertação integral das pessoas.

A proposta de Jesus a todo aquele que deseja segui-lo é alicerçada na liberdade. Quem não deseja ser livre não pode segui-lo. Fora da liberdade não há seguimento e, consequentemente, não há salvação em Jesus, o Cristo.

            Na Igreja primitiva, os primeiros cristãos das primeiras comunidades compreenderam bem a mensagem de Jesus: não se deixavam escravizar por nada nem ninguém. A fé no Cristo ressuscitado os fez caminhar na liberdade. O poder do Império romano não foi capaz de eliminar a fé cristã. O martírio foi a prova da fidelidade de inúmeros cristãos.  

Seguir Jesus era testemunhá-lo publicamente até as últimas consequências. Os cristãos venceram o egoísmo e o medo, enfrentando com coragem e ousadia as ameaças, as perseguições, as torturas e a morte. Acreditavam com firmeza na ressurreição da carne e na vida eterna. Professavam a fé com o derramamento de sangue. Era a Igreja dos mártires e dos profetas, que assustava as autoridades do Império romano. No famoso coliseu de Roma acontecia, como em tantos outros lugares, o “espetáculo” da fé: mulheres e homens, santas e santos, iam ao encontro das feras famintas, dando testemunho do Cristo ressuscitado, numa alegria que causava espanto e admiração.

Em nossos tempos, o “espetáculo” da fé acontece nas marchas pra Jesus, nas caminhadas com Maria, nos tapetes para o Cristo eucarístico, nas jornadas mundiais da juventude, nos shows dos cantores católicos e evangélicos e nos demais grandes eventos das Igrejas. Jesus não pediu nada disso, mas é muitas vezes somente isto que a maioria dos cristãos sabe fazer. É mais cultura que fé, menos testemunho e mais visibilidade midiática.

            Durante o tempo em que a Igreja estava aliada aos poderes humanos, a liberdade foi praticamente sufocada, dando lugar à rigorosa disciplina eclesiástica que, por sua vez, deu origem à virtude mais destacada da cristandade: a obediência. A partir do evangelho de Jesus, a liberdade não é contrária à obediência, mas quando esta não está orientada pelo evangelho, então termina sufocando aquela. Na cristandade, obediência era sinônimo de obediência aos superiores hierárquicos: os leigos obedecem aos padres, estes aos bispos, e nas ordens e congregações religiosas, a palavra dos superiores correspondia à vontade de Deus.  

“Manda quem pode, obedece quem tem juízo!”: este ditado explica a obediência na cristandade. A desobediência era punida com rigor. O direito eclesiástico foi criado em função da punição aos desobedientes. Fazer a vontade de Deus era cumprir as ordens oriundas dos superiores. Havia toda uma teologia da obediência para legitimá-la perante os subalternos. Para avançar no caminho de santidade, o fiel e o clérigo deveriam crescer na virtude da obediência.

Em síntese, podemos afirmar sem medo de nos equivocarmos: em nome da obediência, durante toda a cristandade, sufocaram a liberdade. Quem ousasse ser livre era considerado subversivo. Para ser padre, o seminarista tinha que ser obediente e para ser bispo, o padre precisa trilhar o mesmo caminho. Neste sentido, considerava-se a obediência a maior virtude de Jesus, que deveria ser imitada por todos, mas com uma pequena e fundamental diferença: Jesus obedeceu a Deus, e na Igreja a obediência era devida aos homens.

            Quando apareceu a chamada era moderna, a situação na Igreja piorou: a liberdade passou a ser considerada coisa do demônio porque era vista como ocasião para o pecado. A liberdade leva ao pecado, a obediência à santidade: este era o pensamento que dominou a Igreja. Os modernos recuperaram a liberdade concebida na Grécia antiga. O Renascimento e as grandes revoluções posteriores (Revolução Francesa, Industrial e outras) fizeram reaparecer o tema da liberdade com força e veemência.  

A Igreja foi contrária e se prejudicou bastante com isso. O Concílio Vaticano I foi como que uma resposta à liberdade dos modernos: o papa, em Roma, reivindicou para si a infalibilidade. Isto queria dizer o seguinte: o papa é infalível e é representante de Deus na terra, portanto, todos devem obedecer às suas determinações. E o pior, não se trata de mera declaração, a infalibilidade papal é dogma, ou seja, verdade de fé que não pode ser questionada.  

Algo muito curioso: tal dogma não é coisa da Idade Média, mas da era moderna. Em plena modernidade, um homem define que não falha! Quem se opuser a este dogma, assim como aos demais, sendo católico, é excomungado da Igreja. Hoje, considerando o contexto e o conteúdo deste dogma, não se fala do mesmo. Em Roma, o papa Francisco se declara pecador como todo católico, demonstrando falta de interesse pela infalibilidade. Parece que o papa compreende o seu lugar na Igreja.

Com a queda das monarquias e o aparecimento das repúblicas em quase todo o mundo, a Igreja assistiu a muitas revoluções e insurreições, que clamavam e ainda clamam por liberdade. Depois que inúmeras instituições abraçaram a liberdade em suas declarações e discursos, menos que em suas práticas, também a Igreja, a partir do Concílio Vaticano II (1962 – 1965), tardiamente, resolveu assumi-la como valor fundamental para a defesa e a promoção da dignidade humana, passando a ser uma defensora das liberdades públicas e individuais.

A liberdade na relação entre os leigos e o clero

            O Vaticano II é o divisor de águas na reflexão sobre a liberdade entre os leigos e o clero: antes do Concílio, a relação era pautada na mera obediência, como indicamos acima. Após o Concílio e até os dias atuais, ainda há resquícios da mera obediência. Hoje, clérigos experientes e jovens continuam reclamando a obediência dos leigos.  

Acusam o Vaticano II de ter provocado uma desordem na Igreja. Por trás desta acusação está o desejo de controlar os leigos, infantilizando-os, manipulando-os em sua consciência. Em tempos pós-modernos, a satisfação desse desejo se torna cada vez mais difícil, pois as pessoas não se deixam mais controlar com tanta facilidade.

            Não estamos defendendo uma insurreição dos leigos contra os clérigos porque isto seria diabólico, mas vislumbramos um tratamento digno dos clérigos em relação aos leigos. Aqueles precisam tomar consciência de que estes não são empregados da Igreja, nem meros voluntários, nem subalternos, mas irmãos e irmãs no Cristo Jesus.

Os leigos são cristãos, filhos e filhas de Deus, sacerdotes e sacerdotisas pelo batismo, missionários e missionárias da Boa Notícia do Reino de Deus e constituem a maioria dos membros da Igreja. Em tempos de cristandade se dizia e se praticava a ideia de que os leigos somente servem para colaborar na missão do clero. Hoje, sabemos da gravidade deste erro, pois a missão do leigo não está em função do clero, mas da edificação do Reino de Deus no mundo.

            Infelizmente, por parte de muitos leigos existe um medo terrível do clero. Aqueles pensam bem as palavras quando vão dirigi-las a um clérigo, como se este fosse a encarnação do próprio Deus e/ou conhecedor de todas as coisas. Isso é resquício da cristandade, época na qual os leigos se ajoelhavam diante dos clérigos maiores e beijavam piedosamente a mão, pedindo-lhes a bênção.

A batina preta e o hábito religioso além de imporem autoridade, também impõem medo. Ser “respeitado” pela força de tais usos: eis a explicação para o fato da maioria dos clérigos que os utilizam. Não são respeitados, mas temidos. Leigos medrosos somente reforçam a existência de clérigos autoritários; aqueles conferem a estes um poder que, na verdade, não existe. Por isso, leigos e clérigos precisam tomar consciência de sua missão na Igreja e no mundo, a fim de que acabe de vez por todas essa cultura do controle e da suspeita que ainda insiste em sobreviver no seio da Igreja.

A liberdade na Igreja após a eleição do papa Francisco

            Não poderíamos finalizar nossas considerações sem oferecermos uma palavra a respeito da liberdade na Igreja após a eleição do papa Francisco. Desde o início do seu pontificado, seus gestos e palavras tem entusiasmado inúmeras pessoas em todo o mundo, tanto dentro quanto fora da Igreja.  

Há um clima de alegria e de abertura, que não existia nos pontificados dos papas João Paulo II e Bento XVI. Não é nenhuma novidade o fato de que estes dois papas reforçaram a disciplina e o fechamento da Igreja em relação ao mundo. Nenhuma pessoa dotada de bom senso nega isso.

            No que se refere ao papa Francisco há algo curioso a ser considerado. Não se trata de um papa conservador, nem libertador, mas de um moderado. Temos observado que ele não toca em questões emergentes que são fruto de muita discussão na Igreja há muito tempo, principalmente desde o Vaticano II: o fim do celibato obrigatório dos padres; a ordenação de mulheres; a forma de nomeação dos bispos, entre outras questões que precisam ser revistas.  

Quanto à moral sexual da Igreja, alguns de seus pontos mais críticos continuam intocáveis. Um exemplo para ilustrar: o papa não condena os homossexuais e defende que sejam respeitados e acolhidos, mas o ensinamento de que eles estão em pecado grave e que por isso não podem receber a eucaristia não é tocado, permanecendo válido o que diz o Catecismo da Igreja.

            Em matéria de diálogo, apesar do esforço do papa Francisco, algumas sanções injustas continuam acontecendo na Igreja. Recentemente, ocorreu uma no Brasil. Trata-se do caso do Pe. Roberto Francisco Daniel, conhecido como Pe. Beto, da Diocese de Bauru – SP, excomungado da Igreja. Em pleno séc. XXI, um padre é excomungado da Igreja sem que tenha havido autêntico diálogo entre a Instituição e o acusado.  

O Vaticano confirmou a excomunhão do Pe. Beto. Não se trata de um padre qualquer, mas de um homem gabaritado, formado em radialismo, direito, história, teologia e ética. Seus questionamentos são fundamentados e mereceriam a atenção da Igreja. A excomunhão do Pe. Beto pode ser compreendida na seguinte sentença: Na Igreja, quem pensa diferente corre um grande risco: ou de ser perseguido e morto (o que era mais comum na Idade Média, no tempo da Inquisição), ou de ser excomungado.

            O caso do Pe. Beto e de tantos outros constituem prova evidente de que a liberdade não é muito bem-vinda na Igreja. Esta continua praticando o que condena no discurso oficial: a condenação do outro sem dar a este o direito de defesa. A injusta condenação de pessoas se tornou prática comum em muitos segmentos da vida da Igreja. Parte-se da ideia de que todo acusado é culpado e que, por isso mesmo, não precisa ser escutado.

E mesmo que o acusado seja, de fato, culpado, não se pratica o ensinamento de Jesus: o perdão das ofensas; preferindo a condenação porque acreditam que esta resolve o problema. Neste sentido, impera também na Igreja o que acontece na sociedade dominada pelo ódio: a cultura da eliminação do outro. Nesta cultura da eliminação a regra é clara: quem é considerado inimigo tem que ser eliminado!  

Jesus de Nazaré ensinou que se praticasse o oposto disso, ensinou o amor incondicional ao próximo, inclusive aqueles considerados inimigos; mas, infelizmente, na hora da condenação terminam se esquecendo, propositadamente, do ensinamento de Jesus e colocam em prática as leis criadas pelo homem, que não justificam ninguém diante de Deus. Até quando a Igreja vai agir dessa forma? Até quando irá agir de forma contrária ao evangelho de Jesus, Deus encarnado entre os pecadores?...

Tiago de França

Obs.: Na foto que acompanha este artigo, o papa João Paulo II aparece repreendendo, publicamente, o Pe. Ernesto Cardenal, quando de sua visita a Nicarágua. 

sábado, 29 de novembro de 2014

A atenção e a vigilância na vida cristã

“Assim mesmo, Senhor, tu és nosso pai, nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64, 7).

            Deus é nosso Pai: isto significa que em Jesus, seu amado Filho, somos irmãos. Deus é nosso oleiro, e nós somos obra de suas mãos. É preciso se deixar modelar pelas mãos do divino oleiro. É Ele quem realiza a obra.  

Nós desejamos, projetamos o futuro, buscamos capacitação técnica e profissional, tudo isso parece bom e necessário, mas quem tudo realiza é o Pai e oleiro da vida humana e de toda criação. Este é o ensinamento da espiritualidade cristã. Quem realmente segue Jesus vive segundo esta perspectiva, que aponta para a eternidade.

            Os que não creem estão, portanto, em desvantagem. Não estão excluídos nem condenados. Isto não. Agora não é o tempo do julgamento definitivo. Para ele caminhamos, diuturnamente. Quem acredita que Jesus é o Irmão enviado a este mundo para libertar toda a humanidade do jugo da escravidão do pecado e da morte, sabe que ele voltará uma última vez para realizar um julgamento favorável à humanidade.  

Não se trata de um juiz severo, que julga segundo os critérios humanos, como fazem os juízes dos tribunais deste mundo. Caberá a Jesus operar na humanidade aquilo que está preparado para ela desde a criação do mundo: Nele, a regeneração de todas as coisas. Ocorrerá a extinção total do mal e da morte no mundo. Assim reza a esperança cristã.

            Enquanto isto não ocorre, a vida segue acontecendo. Segundo Jesus, quando acontecer, efetivamente, a sua volta, acontecerá “como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando” (Mt 13, 34).  

Ao partir para o estrangeiro, o homem não falou o dia em que iria voltar. Assim é Jesus: a ninguém falou o dia de sua volta. Durante a história apareceram algumas pessoas marcando data para a sua volta, mas se frustraram. Também apareceram alguns messias e falsos profetas, com apocaliptismos desorientadores, mas desapareceram com suas falsas profecias.

            Estamos vivendo tempos difíceis. As pessoas parecem cegas e surdas. Vivem mergulhadas em um sono profundo. Controladas pela ilusão e pela mentira, encontram-se dormindo. Muitas já foram surpreendidas, outras estão prestes a ser. A falta de atenção e de vigilância é evidente.  

A mulher e o homem pós-modernos, de modo geral, procuram o prazer, desenfreadamente. A regra é gozar a vida, sem limites. Prega-se e vive-se a ideologia do imediatismo, do consumismo e de tantos outros ismos doentios. Seus corpos estão saturados de prazer.

Por outro lado, há uma multidão incontável de pessoas anônimas, sendo praticamente devoradas pelas inúmeras formas de violência. A destruição e a morte reinam no mundo, e os profetas, assim como João Batista, o precursor, continuam pregando no deserto, clamando por justiça e conversão. Poucos são os que os escutam.

            Jesus recomenda a atenção e a vigilância. Atenção em relação aos sinais dos tempos: o que está acontecendo na realidade? Para onde estamos caminhando? Até quando suportaremos as prisões que nós mesmos criamos? Onde está acontecendo o Reino de Deus?

Atenção em relação ao outro, nosso irmão em Cristo Jesus: estamos enxergando o outro, ou fazemos de conta que ele não existe? O que fazemos diante do seu sofrimento: cruzamos ou braços, ou o acolhemos? Onde procuramos encontrar Deus: no conforto dos templos religiosos, ou nas situações desumanas que nos incomodam? Qual tem sido a qualidade de nossas práticas religiosas: as realizamos em função de um falso ideal de perfeição, vivendo no isolamento de nós mesmos, ou tais práticas nos sensibilizam na direção do próximo?

Quando paramos para pensar estas e tantas outras questões que nos incomodam, então estamos vigiando, pois a compreensão nos conduz à ação. A vigilância nos mantém acordados, despertados, agindo conforme o amor ensinado e vivido por Jesus: o amor de atos, afetivo e efetivo, que nos revela a face de Deus, nosso bom Pai, que nos espera no outro. Advento é tempo de espera ativa do Senhor da vida, que vem ao nosso encontro, envolvendo-nos com seu amor, alegria e paz. Tempo para pensarmos, com sinceridade e verdade, sobre o que estamos fazendo de nossa vida.


Tiago de França

sábado, 22 de novembro de 2014

Jesus e o juízo final

“Vinde, benditos do meu Pai! Recebei como herança o reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu esta com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar” (Mt 25, 34 – 36).

            Jesus disse a seus discípulos que um dia, que ninguém sabe quando, virá julgar a humanidade (cf. Mt 25, 31 – 46). Ele fez questão de dizer como será este julgamento. O critério que vai utilizar para efetuá-lo é escandaloso porque ele não se baseará na observância da lei, mas ganhará a vida quem viveu o amor. Eis a boa notícia: O amor é, desde já, o critério para o julgamento de Jesus. Desde já porque já estamos sendo julgados. O juízo é cotidiano e perdura por toda a vida.

            Sabemos que o amor é o critério estabelecido por Jesus. Nenhuma pessoa e/ou instituição religiosa pode mudar este critério porque ninguém será julgado pela religião, nem a partir desta nem segundo seus princípios. Jesus deixa bastante claro o seu critério. Agora é preciso compreendê-lo. Trata-se do amor vivido ao modo de Jesus. Meditando o seu evangelho encontramos algumas características do amor experimentado por Jesus. Vamos a estas características.

            1 – Jesus viveu o amor na liberdade. Por isso, para amar como Jesus amou precisamos evitar dois males: o apego e a vontade de controlar o outro. O amor não se presta a essas duas realidades. Ambas tendem a sufocá-lo e eliminá-lo. Só o amor liberta, pois é essencialmente libertador. É o caminho que promove e conduz à liberdade. Portanto, há algo de errado na vida dos que pensam que amam o próximo apegando-se a ele e controlando-o. Aí não há amor, mas apego. Respeitar as diferenças e acolher o outro do jeito que ele é são atitudes de quem ama na liberdade.

            2 – Jesus viveu o amor na gratuidade. O verdadeiro amor é desinteressado. Acontece na gratuidade das relações humanas. Assim, é necessário resistir à tentação de transformar o outro em objeto de satisfação de desejos. O outro não é coisa, mas pessoa. A coisificação do ser humano é um dos grandes males da sociedade atual. É necessário, portanto, ir ao encontro do outro como Jesus fez: desinteressadamente, sem esperar nada em troca. Usar o outro para a satisfação dos próprios desejos e interesses é um pecado grave, é sinal evidente de falta de amor.

            3 – Jesus viveu o amor na generosidade. Ser generoso é não ser mesquinho. É ir além do que se pode esperar. É amar sem limites nem condições. A generosidade faz a pessoa ir ao encontro das necessidades do outro para viver a experiência da partilha. Partilhar é atitude de gente fraterna e amiga, de gente que se preocupa com o bem-estar do outro. Quem se encerra no egoísmo não consegue ser generoso porque somente pensa na satisfação dos próprios interesses. Generosidade é qualidade de quem vive a fraternidade.

            4 – Jesus viveu o amor na solidariedade. O sofrimento do outro era percebido por Jesus. A sua sensibilidade era admirável. Fez opção pelos pobres e excluídos de seu tempo. Anunciou o Reino de Deus entre os pobres e para os pobres. Viveu junto aos sofredores, sendo solidário com eles: curando, ressuscitando, consolando, ensinando, denunciando, animando, despertando a esperança, anunciando-lhes a Boa Notícia da salvação. Permanece fora do caminho de Jesus o cristão que não se interessa em socorrer o próximo. Se a dor do outro não significa nada, então não se pode dizer que há fé em Jesus. A fé em Jesus passa, necessariamente, pela solidariedade.

            5 – Jesus viveu o amor no perdão. Numa sociedade marcada pela vingança e pela discórdia, o seguidor de Jesus é chamado a experimentar o perdão. Não pagar o mal com o mal, ensina-nos Jesus. Reconhecer-se pecador e acolher o outro que também é pecador. Se todos são pecadores, ninguém está autorizado a julgar e condenar o outro. Quando ofendemos, precisamos pedir perdão. Quando ofendidos, precisamos perdoar a quem nos ofende. O amor exige o perdão e este exige aquele. Quem diz que ama e não perdoa está mentindo.

            Há, certamente, outras características que explicitam o amor experimentado por Jesus, mas estas parecem ser as mais marcantes. Se quisermos fazer parte do Reino de Deus precisamos amar como Jesus amou: promovendo a liberdade do outro, sem esperar recompensas, sendo generosos e solidários, experimentando o perdão.  

Este é o critério que Jesus irá utilizar para julgar a humanidade. Quer existam práticas religiosas, quer não, o que Jesus vai considerar, segundo deixou claro em seu evangelho, é o amor a Deus que se revela e acontece no amor próximo. Não há outro critério. Não há outro caminho. O amor é o caminho fundamental e necessário. Desde agora, nele e por ele somos salvos.


Tiago de França