Inicia-se mais um novo ano. As pessoas se alegram e desejam saúde, paz,
alegria, dinheiro e tantos outros bens necessários à vida. 2014 se inicia com
os melhores desejos possíveis. O momento é de alegria e de renovação da
esperança. Apesar dos pesares de 2013, todos esperam que o novo ano seja
melhor. Esta esperança renovada e conservada empurra a vida para frente. É esta
mesma esperança que evita o desespero e faz as pessoas olharem para frente,
mesmo com lágrimas no rosto diante das incertezas do futuro desconhecido.
Esta esperança não pode
ser abandonada durante o transcorrer do ano. Geralmente, as pessoas se esquecem
dos bons desejos e dos bons propósitos que fizeram por ocasião do início do
novo ano e, infelizmente, comportam-se de forma contraditória em relação aos
desejos, propósitos e promessas feitas: desejam alegria e provocam tristeza,
desejam saúde e provocam doenças, desejam a paz e causam violência. Assim
ocorre com as demais promessas e desejos. Neste sentido, o ideal é que nossos
desejos e promessas sejam compatíveis com nossas atitudes cotidianas.
Recomendo três atitudes
para que o novo ano e nossa vida se tornem melhor, mais alegre e feliz: o
desapego, a compreensão e a atenção. São três atitudes fundamentais que, geralmente,
estão sendo cada vez mais abandonadas pelo ser humano. As pessoas tem medo de
serem desapegadas, compreensivas e atenciosas porque tais atitudes, assim como
qualquer outra, geram consequências. E a consequência natural da prática destas
é a liberdade. O ser humano sempre teve medo da liberdade, sempre preferiu
viver a partir das programações e sistemas dotados de estruturas e regras de
conduta.
O desapego
nos torna livres porque nos ensina que não somos o que pensamos ser. O que é o
ser humano? Pessoa criada por Deus para simplesmente viver. O que geralmente
ocorre? As pessoas pensam que são poderosas. Há uma competição constante e
violenta, cada um querendo ser maior do que o outro. Há uma sede de dominação,
uma vontade descontrolada de dominar o outro, subjugando-o aos desejos e
caprichos. Em nome do que chamam de amor, há uma vontade de controlar o outro.
Os bens materiais são
possuídos e as próprias pessoas se tornam objeto de posse. Fulano é meu,
cicrano é teu. Os objetos de desejos são tomados, usados e abusados. Outros
desejos vão surgindo e reclamando satisfações. A vida vai se tornando uma teia
de prazeres. A isto dão o nome de felicidade. Assim, a pessoa feliz é aquela
que tem todos os seus desejos satisfeitos. O homem olha para si e diz: “Eu
tenho uma casa, um carro, um computador, um celular, um bom salário, uma mulher
e filhos; portanto, sou feliz!” Sente-se feliz porque possui coisas e pessoas.
Vivemos numa época
marcada pela posse dos bens. Sempre foi assim e parece que vai continuar sendo.
Não estamos afirmando que o ser humano não precise dos bens necessários à vida.
Estamos afirmando que o supérfluo, que consiste no acúmulo de bens, é um mal
terrível na vida humana. O supérfluo é o que sobra na vida de uns e falta na
vida de outros. As pessoas se apoderam do que não lhes pertencem. É uma espécie
de roubo legitimado. Há muitas justificativas para nos convencer do contrário,
criadas pelo sistema econômico vigente, de modo que as pessoas se convencem de
que a riqueza e a miséria são realidades comuns e normais e até necessárias!
O apego leva
inevitavelmente à mesquinhez porque os objetos de desejos passam a controlar as
pessoas. Estas chegam a matar o próximo por causa dos objetos de desejos,
quando estes lhes são tirados. O apego em si já é uma violência porque tira a
liberdade das pessoas. Portanto, o desapego é um movimento progressivo rumo à
liberdade. Desapegar-se de si mesmo, das coisas, das pessoas, das
circunstâncias e dos lugares é caminho de liberdade. O outro não me pertence;
as coisas não constituem o senhor da minha vida; as circunstâncias passam, não
são estáticas; não somos daqui nem dali; quanto a nós mesmos, somos
simplesmente pessoas, evoluindo rumo à plenitude da vida. Com apegos só há
escravidão!
A compreensão
é uma virtude, assim como o desapego e a atenção. Compreender significa ver as
coisas como elas são, sem as lentes dos pré-conceitos e julgamentos.
Geralmente, a realidade existe, mas preferimos acreditar nas ideias que criamos
sobre a realidade: este é o motivo pelo qual as pessoas não se entendem. Antes
de qualquer diálogo o que existe é a violência. Compreender o outro é
enxergá-lo com suas circunstâncias. Não há ser humano sem contexto, sem
história, sem relações. Quando não se busca a compreensão, busca-se o oposto
dela. Quando há esforço para que haja compreensão, confere-se às pessoas a
liberdade de poderem expressar a verdade de si mesmas.
O mundo certamente
seria bem melhor se o ser humano buscasse compreender mais a realidade. As
diversas formas de violência cessariam ou diminuiriam. Quando compreensivas, as
pessoas se tornam realmente pacíficas, pois não há paz sem compreensão de si
mesmo e do outro. Como compreender o outro se não busco compreender a mim
mesmo? Como aceitar o outro se não me aceito como sou? A compreensão liberta a
pessoa de toda forma de ilusão. Esta fantasia a realidade e cega a pessoa,
impedindo o conhecimento da verdade.
Por fim, consideremos a
atenção como o caminho que nos conserva acordados na vida. Prestar
atenção é algo tão simples e tão necessário, mas, geralmente, as pessoas estão
dispersas, não enxergam a vida, suficientemente. A virtude da atenção nos faz
humanos perante o próximo. Este não é visto se não há atenção. Perceber a
realidade faz bem às pessoas porque a vida acontece na realidade e jamais fora
dela. Nossa imaginação e fantasia costumam criar mundos e ilusões, mas não é
neles que vivemos. Isto não significa que não podemos sonhar, mas o sonho
difere da ilusão. O sonho tem projeção na realidade, pode se tornar realidade.
É o desejo da felicidade, mas pra não ser maléfico precisa permanecer longe da
ilusão.
A atenção nos concede a
graça da contemplação. Contemplar é permanecer admirado com a vida, com as
pessoas e com o mundo; é conservar o encantamento. Olhar a chuva cair, escutar
os pássaros cantar, ver o verde do campo, apreciar o sorriso das pessoas,
sentir o cheiro das flores e o gosto dos diversos pratos, caminhar sem medo de
ser feliz. Tudo isto confere sentido à vida. Só o ser humano é capaz disso. Não
nascemos para passar pela vida, mas para vivê-la intensamente e isto significa
viver com liberdade. A atenção não nos permite que deixemos a vida passar
despercebidamente. Há muita beleza e suavidade para ser contemplada e isto só é
possível graças à atenção.
O novo ano que se
inicia precisa de pessoas novas, de espírito renovado. Estas três virtudes
certamente nos ajudarão a sermos pessoas melhores. O mundo carece de pessoas
cada vez mais humanas, integradas e felizes. Só há harmonia interior e exterior
onde as pessoas são desapegadas, compreensivas e atentas. Presenciamos
atualmente uma acentuada piora do gênero humano, sendo intensamente
desumanizado. A indiferença está fazendo parte da personalidade de muita gente.
É urgente que nos libertemos integralmente para vivermos o amor, mas não o amor
de palavras, mas o amor de atos. Amor e liberdade tornam o ser humano
verdadeiramente feliz. Não há felicidade fora do amor e da liberdade.
Que neste novo ano
prevaleçam em nossas vidas o amor e a liberdade!
FELIZ ANO NOVO!
Tiago de França
Um comentário:
Sabias palavras, lindo texto. Feliz ano novo pra ti também!
Postar um comentário