“Portanto,
sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”
(Mt 5, 48).
Falar do amor é algo sublime e gratificante porque é
falar da vocação cristã por excelência. Antes de qualquer coisa, toda pessoa
que acredita em Deus é chamada a fazer a experiência do amor. Quais são as
características do amor de Deus? Como ele se revela? Quem pode escapar da experiência
do amor? A felicidade humana está no amor. Vamos pensá-lo a partir do que disse
Jesus em Mateus 5, 38 – 48, últimas palavras do famoso sermão da montanha.
O
amor
Para entendermos
o amor precisamos nos libertar de duas imagens que tornam difícil experimentá-lo:
a primeira é o amor do discurso e não dos fatos; a segunda, o amor como
obrigação. Atualmente, estão muito em voga as declarações de amor. A princípio,
elas parecem bem intencionadas, mas, na verdade, costumam esconder a falta de
amor. Os excessos declaratórios, geralmente, são encobridores do desamor. Jesus
não falava muito sobre o amor, mas seus gestos eram provas de amor. Neste sentido,
as pessoas precisam fazer a passagem do amor de palavras para o amor de atos. Viver
conforme o amor. Isto é belo, justo e agradável a Deus.
Ninguém está obrigado ao amor. Este não obriga porque é
pura liberdade. Ama-se para ser cada vez mais livre. O amor necessita da
liberdade. Amar alguém significa deixá-lo livre porque no amor toda pessoa se
torna humana, torna-se, transforma-se, encontra a felicidade. Na obrigação
existem satisfações a dar, correspondência, expectativas, exigências,
cobranças, prisão. Aí não cabe o amor. No amor se gera a confiança, a
cumplicidade, a honestidade; na obrigação gera-se a pressão, o sufocamento, a
desconfiança, o medo. Este último tira da pessoa a capacidade de amar. Quem ama
não tem medo porque não possui o outro, mas o ama na liberdade.
O
amor a Deus e ao próximo
Jesus era judeu
e como tal fazia leitura dos textos sagrados que orientavam a vida do povo de
Deus. Nestes textos, Deus é Santo, Justo e Perfeito. Deus é tudo isso e muito
mais porque Ele é o amor por excelência. O amor é a essência, a substância de
Deus. Por isso, Deus é Pai amoroso, incapaz de odiar, de vingar-se do ser
humano, obra de suas mãos. Este Pai amoroso não necessita do nosso amor para
ser e existir, mas Ele é a fonte do amor que toda pessoa necessita para ser e
existir. Quanta beleza! Quanto mistério! É o que conseguimos dizer com nossa
linguagem limitada: Deus é amor, Ele nos ama e nos acolhe, forma-nos em seu
amor, cria-nos em sua benevolência.
Como amar este Pai amoroso? Ele está dentro de cada
pessoa. Assim o quis, livremente. Toda pessoa é santuário, é casa, é guardiã do
Amor. Por isso, o amor brota de dentro, do mais profundo da pessoa. Esta se
maravilha com este mistério, alegra-se, encontra a luz e o sentido da vida. Onde
está o sentido da vida humana? Dentro de cada pessoa, quando é capaz de não
somente compreender, mas de sentir a presença amorosa do Pai, que cuida, vigia,
livra, abençoa e ama, infinitamente. Todo e qualquer erro que esta pessoa
cometer não tira dela o amor colocado por Deus em seu interior, em seu coração.
Diante do amor, o pecado nada pode fazer. O amor expulsa do ser humano o pecado
e o faz transcender, libertando-o do medo, inclusive do medo da morte.
Quando as pessoas se amam e se acolhem no amor estão
amando o Pai, seu Deus. O Pai se encontra nas relações amorosas, nas relações
pautadas na acolhida, no perdão e na solidariedade. Solidariedade é o sobrenome
do amor. Quando não há solidariedade, não há amor, pois aquela é a concretude
deste. Neste sentido, em uma de suas cartas, o apóstolo João pergunta: Se não
sou capaz de amar o próximo que consigo ver, como posso afirmar que amo a Deus
que é invisível? Deus está no próximo e é amando a este que amo aquele. O rosto
do outro resplandece a face de Deus. Assim Ele o quis: permanecer no e com o
ser humano.
O
amor aos inimigos
O próximo pode
ser nosso inimigo? A palavra “inimigo” é um pouco forte. Em si, causa divisão. Recorda-nos
da maldade, da malícia, da desavença. Tudo isso existe, é verdade; mas é
verdade também que tudo isso não é maior do que o amor de Deus derramado em
nossos corações pelo Pai das luzes. Jesus ensina que o ódio gera ódio. Este parece
ser filho do rancor, do ressentimento, da ira desmedida. Sentir raiva é natural
porque passa; sentir ódio, não. Além de fazer mal para a saúde da mente e do
coração, faz mal também ao espírito. Dominado pelo ódio, o ser humano tende à
destruição e à morte. No ódio não há nada de proveitoso, mas somente caminho
que leva à morte.
O mundo sempre foi marcado pelo ódio. Facilmente, as
pessoas se deixam dominar por ele. O resultado todo mundo conhece: as diversas
formas de violência que matam tristemente milhões de pessoas em todo o mundo. As
pessoas se odeiam e partem para a eliminação do outro. Enquanto no amor há
acolhida generosa, no ódio há separação e eliminação. Toda pessoa precisa
aprender a controlar seus impulsos de raiva, impedindo, assim, que se chegue ao
ódio. O que Jesus ensina é simples de compreender, mas difícil de praticar: “amai
os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!” Segundo Jesus, quem
assim procede se torna filho de Deus.
Como é possível amar quem nos odeia e rezar por quem nos
persegue? Alguém poderia dizer: “Isto não é possível! Só Jesus é quem fez isso!” Isto nos faz pensar noutra
pergunta: Será que Jesus iria nos pedir algo impossível? Penso que não. Então,
como amar os inimigos? Para amar os inimigos, três atitudes são necessárias, a
saber: primeira, que se queira amá-los de verdade, sem falsidade. É preciso um
querer verdadeiro. Segunda, perdoá-los com sinceridade de coração. Perdoar é
sinônimo de libertação interior e reconhecimento da limitação do outro. Terceira,
desejar o bem aos inimigos, invocando sobre eles o nome de Deus, a fim de que
encontrem a paz e o caminho da verdade e da liberdade.
Amar
os inimigos não quer dizer que meramente relevemos a ofensa e nos reaproximemos
deles. Isto seria falta de prudência e entendimento. O que os inimigos nos
fizeram está feito, o perdão que lhes é oferecido nos confere a feliz
oportunidade de nos desapegarmos daquilo que nos foi feito. Não podemos ficar
com aquilo que não nos pertence. Os efeitos da ofensa precisam ser superados
pela força do amor a que somos chamados a experimentar.
O
amor nas Igrejas cristãs
Por fim, é
preciso dirigir algumas palavras a respeito da prática do amor no interior das
Igrejas cristãs. Há muita falta de amor entre aquelas pessoas que frequentam o
culto religioso. Respeitando as exceções para não faltar com a caridade com as
mesmas, geralmente, há muito ódio e vingança entre os que pautam sua fé nas
práticas religiosas. Falta solidariedade. As pessoas se encontram no templo,
mas não se conhecem, a não ser de vista. E o que é pior: fazem o maior esforço
para continuar conhecendo somente de vista. Onde fica o amor? O amor fica na
pregação. No culto, de modo geral, as pessoas vão para rezar para Deus, numa
relação vertical (Deus e eu). O outro não interessa. Interessa cumprir a
obrigação cultual diante de Deus. E o espírito comunitário? Este fica na
pregação.
Jesus nos ensina a sermos perfeitos no amor e para o
amor. Tal perfeição não está ligada à ausência de defeitos ou pecados. Todo cristão
é pecador, redimido pela graça de Deus. Sem o amor não há seguimento de Jesus. Sem
amor ao próximo não há amor a Deus e sem amor aos inimigos, o mundo continuará
em guerra. Na família, na escola, na rua e em todo lugar, sejamos promotores da
cultura da não violência. Promover a paz significa se arriscar a viver o amor a
Deus, a nós mesmos, ao próximo (amigos, inimigos e desconhecidos). Conformarmo-nos
ao amor. Que Deus nos conceda esta graça!
Tiago de França