Anualmente, na festa da
Apresentação do Senhor, a Igreja celebra o dia mundial da Vida Consagrada. Este
dia merece nossa atenção porque na Igreja há inúmeras pessoas consagradas ao
serviço do Reino de Deus, membros de diversas ordens, congregações e institutos
de vida consagrada. Conheço de perto o testemunho de algumas religiosas e
religiosos, e alguns me pediram uma palavra a respeito da Vida Religiosa
Consagrada (VRC), por ocasião deste dia festivo. Não sei se irão gostar desta
breve reflexão, mas ouso oferecê-la assim mesmo!
Jesus
é o centro da Vida Consagrada
Os religiosos
sabem que Jesus é o centro de sua vida e missão, mas talvez muitos não
despertaram ainda para o que isto significa. De que tipo de Jesus estamos
falando? Estamos falando do Cristo, ungido pelo Espírito, que foi enviado para
evangelizar os pobres (cf. Lc 4, 18 – 19). Criaram-se em torno da pessoa de
Jesus várias imagens que não correspondem ao que os evangelhos nos revelam. O
Cristo que deve ocupar o centro da vida e da missão dos religiosos é o
missionário do Pai, que tendo optado pelos pobres, doou sua vida até as últimas
consequências.
Nada deve ocupar o lugar de Jesus na Vida Consagrada,
pois tal estilo de vida é consagrado ao serviço de Jesus, então ele deve ser o
centro. Certamente, quando isto ocorre a missão dos religiosos acontece e são
felizes; do contrário, quando outras coisas ocupam o centro da Vida Consagrada,
esta deixa de ser consagrada e se torna um peso para a vida do povo de Deus. Religiosos
que não possuem Jesus como centro de sua vida e missão costumam ser amargos,
frustrados, tristes, desorientados e se transformam num verdadeiro peso na vida
do povo.
O
voto de Pobreza
Os religiosos
não deveriam fazer voto de pobreza. Este voto passou a existir porque há
riquezas materiais na Vida Consagrada. Geralmente, os institutos, salvo algumas
exceções, possuem patrimônio financeiro capaz de assegurar vida cômoda e
tranquila para seus membros. Alguns institutos possuem fortunas incalculáveis. Exemplo
disso são os Legionários de Cristo, congregação mexicana fundada pelo polêmico
Pe. Marcial Maciel. O patrimônio financeiro dos legionários constitui um
escândalo para a Igreja, um equívoco que ainda não foi devidamente corrigido.
Para os religiosos, não se deve apenas professar o voto
de pobreza, mas vivê-lo na radicalidade evangélica. Não adianta a profissão do
voto se a vida que se leva é de classe média. Infelizmente, quando a maioria
dos jovens ingressa nas casas de formação dos institutos de vida apostólica,
com o passar do tempo, tornam-se religiosos burgueses. Basta procurar uma
dessas Casas de Formação e perguntar pelas despesas mensais. Gasta-se muito
dinheiro. E a lógica é simples: se se gasta é porque se tem para gastar! Os
religiosos não conseguem se libertar do supérfluo, pois tem medo de que algo
lhes falte. A partilha com os pobres é quase que insignificante, servindo
apenas para “tranquilizar” a consciência diante de Deus.
O ideal seria que os religiosos pudessem aderir a uma
vida simples. Não estamos defendendo a ideia de que passem por necessidade: que
não tenham alimentação, casa, transporte, saúde, lazer etc., mas que tudo isso
esteja de acordo com as condições de vida dos pobres. Religiosos que levam vida
de rico não conseguem evangelizar os pobres nem se deixam evangelizar por eles.
Para o exercício da profecia, os religiosos precisam, antes de tudo, serem
pessoas simples e humildes e isto passa pelo estilo de vida que levam. Sendo
ricos, nada tem a dizer contra os ricos que exploram as pessoas.
O
voto de castidade
A castidade está
intimamente ligada à pobreza. Religiosos ricos não conseguem ser castos, pois a
vida luxuosa os corrompe facilmente. Castidade não é ausência de sexo, mas
integridade de vida. A castidade por amor ao Reino de Deus está alicerçada na
verdade e na liberdade; do contrário, tudo não passa de mentira e hipocrisia. Este
voto não somente impede a vida dupla, mas, sobretudo, ajuda o religioso a ser
pessoa livre e disponível para a missão.
O voto de castidade é vivido por aquelas pessoas que
colocam todo o seu ser a serviço da missão. É o voto dos religiosos que se doam
por inteiro, sem reservas. Por isto mesmo, tais religiosos são pessoas
reconhecidamente afetivas, próximas, simples, abertas e disponíveis. São
pessoas que não tem medo de ser feliz, de fazer amizades, de serem autênticas
consigo mesmas e com o próximo. Pessoas castas são despojadas de segundas
intenções, são alegres e integradas, simpáticas e entrosadas, sensíveis e
atentas.
É visível o religioso que não procura viver o voto de
castidade: ora é demasiadamente reservado, fechado em si mesmo; ora é
demasiadamente aberto, sem preocupar-se com o cultivo da privacidade
necessária, portanto, vive-se de forma descontrolada, sem prudência alguma. Religiosos
frios, ríspidos, receosos, desconfiados, conflituosos, maliciosos, invejosos e
ambiciosos, infelizmente, não vivem o voto de castidade. Trata-se de pessoas
intragáveis, insuportáveis e intolerantes. Dificilmente, há quem goste de ficar
perto destes religiosos frustrados. Eles não possuem a alegria libertadora do
evangelho de Jesus.
O
voto de obediência
O voto de
obediência não transforma uma pessoa em serva de outra. Até o Concílio Vaticano
II (1962 – 1965) a concepção que havia de obediência era demasiadamente
antievangélica: obedecia-se cegamente aos superiores porque se acreditava que a
vontade de Deus se manifesta nas vontades deles. O que o superior pensava para
os demais correspondia à vontade de Deus. Hoje isso parece ser um absurdo, mas
não naquela época. Assim, o religioso virtuoso e santo deveria ser extremamente
obediente. Até pensar mal do superior era motivo de desobediência e um pecado
que deveria ser confessado!
A verdadeira obediência não tira a iniciativa pessoal de
cada religioso na sua Comunidade e esta não deve ter o perfil de seu superior. Juntos
no espírito comunitário se deve procurar viver a obediência à vontade de Deus.
O voto de obediência deve ser vivido na liberdade e em função da liberdade.
Quando um religioso se sente sufocado ao praticar tal voto, então algo está
errado. A obediência deve passar pelo discernimento da vontade de Deus, para
que esta prevaleça sempre na vida da Comunidade. É para conhecer e viver
segundo a vontade de Deus que a Comunidade pratica o voto de obediência; do
contrário, só há manipulação e controle de pessoas e, consequentemente, um
ambiente insuportável onde se sobrevive na mentira e na falsidade.
Um
dom do Espírito à Igreja
Para ser
profética, a Vida Consagrada deve viver segundo os apelos do Espírito de Deus. A
prática dos votos de pobreza, castidade e obediência é capaz de transformar a
vida dos consagrados a Deus. É o que confere sentido à sua vida e missão. Não
sendo pobres, castos e obedientes, os religiosos nada tem a dizer ao mundo
atual, marcado pela busca desenfreada do poder, do prestígio e da riqueza. A
profecia na Vida Consagrada existe para a edificação do Reino. Para ser fieis a
Jesus, os religiosos precisam rever constantemente sua caminhada e recolocar
Jesus no centro de sua vida e missão.
Não há Vida Consagrada sem serviço aos pobres, sem
encontro com eles, sem convivência fraterna em função da missão. Ninguém se
consagra para viver rezando confortavelmente pela paz no mundo. Portanto, o
lugar dos religiosos é na periferia do mundo, vivendo junto e misturado com o
povo. Os religiosos devem ser profundos conhecedores do sofrimento do povo e
pessoas comprometidas com o alívio deste sofrimento. Um exemplo conhecido disso
é o testemunho da mártir de Cristo, Ir. Dorothy Stang, que doou sua vida em
prol da vida da floresta amazônica. Era uma mulher totalmente entregue à
missão, uma profetisa a serviço do Reino de Deus.
Neste Dia Mundial da Vida Consagrada rezemos a Deus, por
intercessão dos mártires da caminhada, que não deixe faltar à Igreja mulheres e
homens capazes de se consagrarem a serviço da vida e da liberdade das pessoas,
mulheres e homens que vivam segundo a força do Espírito do Senhor.
Tiago de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário