“Sai
da tua terra, da tua família e da casa do teu pai e vai para a terra que eu te
vou mostrar” (Gn 12, 1).
A Bíblia fala da vocação de Abraão (cf. Gn 12, 1 – 4),
que foi o primeiro grande homem de fé da antiga aliança. O texto traz dois
verbos reveladores e provocantes: sair e partir. São atitudes entrelaçadas. Uma
depende da outra. Ele foi convidado por Deus para sair de sua terra, de sua
família e da casa do pai. Estas três realidades colaboram para a formação da
personalidade das pessoas. Toda pessoa é de algum lugar, vem de alguma família
e tem paternidade. Deus chamou Abraão para sair e ir para um lugar indeterminado:
“E Abrão partiu, como o Senhor lhe havia
dito”.
Abraão escutou a voz de Deus e foi obediente: saiu e
partiu. Para responder ao chamado de Deus, eis as atitudes necessárias:
escutar, sair e partir. Todo ser humano parte para algum lugar, procurando seu
lugar, buscando ser feliz. O mundo globalizado e tomado pelo capitalismo obriga
as pessoas a partirem para terras desconhecidas. O deslocamento forçado e
desorientador, muitas vezes, torna-se inevitável. As pessoas procuram
sobreviver e, para isto, são obrigadas a caminhar.
A vontade das pessoas é de permanecer, criar laços e
enraizar-se nos lugares, mas as necessidades as obrigam ao caminhar, colocar-se
a caminho, vivendo como Caim, errante no meio do mundo. A maldição do
capitalismo obriga ao abandono do ninho e, muitas vezes, da cultura. As pessoas
querem escapar. Os que migram sabem disso e podem falar com propriedade. No caso
de Abraão, Deus não o abandonou à própria sorte, mas o chamou para iniciar uma
longa caminhada, a caminhada da liberdade, a liberdade de um povo escolhido. Abraão
aceitou e se tornou o “pai dos que creem”. Sua história é testemunho de homem
que acreditou na palavra de Deus.
A fé exige isso: que acreditemos na palavra de Deus. Esta
palavra aponta para o futuro incerto, empurra para frente, coloca o crente no
caminho da liberdade. A fé exige o partir, deixando a terra natal, a família e
a casa paterna. A vocação cristã se realiza no caminhar, nos riscos do caminho.
A experiência de Abraão nos serve de modelo e inspiração: é preciso escutar a
palavra de Deus, sair e partir. O medo de partir é grande, mas a fé é capaz de
vencê-lo. Quem se arrisca a escutar a palavra de Deus encontra nela a
orientação para caminhar. É necessário vencer a tentação do conforto e das
seguranças que o ninho oferece e aventurar-se no caminho proposto pela palavra
de Deus.
No novo testamento encontramos Jesus se transfigurando
diante de três de seus discípulos: Pedro, Tiago e João (cf. Mt 17, 1 – 9). Estes
discípulos viveram a experiência da antecipação da imagem do Cristo glorioso. É
um texto simbólico. Ele fala do Messias tal como ele é na sua unidade invisível
e misteriosa com Deus: puro brilho e esplendor. Uma realidade espiritual que a
visão e razão humanas não conseguem vislumbrar nem compreender. Para não cairmos
na tentação de ficarmos na admiração da glória de Deus, prestemos atenção na
voz que saiu da nuvem luminosa: “Este é o
meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!”
O Pai de Jesus nos pede que façamos a experiência da
escuta. Na Bíblia, esta palavra está ligada à obediência (do latim ob-audire). Escutar significa obedecer. Neste
sentido, quem ousa escutar a palavra de Deus é chamado a obedecê-la. O Pai nos
ensina a escuta do Filho. A obediência a Jesus é obediência ao Pai porque este
está naquele, numa só realidade indivisivelmente misteriosa. Os discípulos
ficaram com medo e caíram diante de Jesus. A missão não acontece com discípulos
no chão, caídos. Por isso, Jesus lhes toca e diz: “Levantai-vos e não tenhais medo”.
O medo tem derrubado muita gente na caminhada da vida. Quantas
pessoas não conseguem ser felizes por causa do medo!... Elas caem e permanecem
caídas, sem ânimo, sem disposição, sem coragem. É preciso levantar-se e não ter
medo. É impossível colocar-se a caminho se o medo controla. Este paralisa a
pessoa, incapacitando-a para a vida e para a missão. A missão é conseguir dar
conta da vida, ser testemunha da vida, vencendo as forças da morte. Unidos a
Jesus e na escuta permanente de sua palavra, os discípulos conseguem vencer as
forças da morte.
Que forças de morte são essas? O ódio e a indiferença, a
inveja e o egoísmo, a prepotência e o orgulho, a ambição e a sede de poder, a
falta de perdão e de acolhida, a vingança, os maus pensamentos e tantas outras
forças que tomam conta das pessoas, tornando-as frias, indiferentes e
insensíveis em relação ao próximo. Estas forças são prisões que tiram a
liberdade e a dinamicidade da vida. Estas são forças geradoras de destruição e
morte. Os que aderem a Jesus contam com sua palavra e com a força do Espírito
para serem vencedores.
Diante do Cristo transfigurado, Pedro quis acampar na
montanha. Aliás, mais do que isto, queria permanecer na mesma, quis construir
tendas. Construir tendas é a vontade de toda pessoa. No mundo atual, as pessoas
querem construir a tenda do conforto e das seguranças: querem estudar, ter
excelentes empregos com altos salários, querem “vencer na vida”, ter uma
excelente aposentadoria e ter vida longa. Pensando nelas mesmas, procuram gozar
da “felicidade” que o mundo lhes oferece.
Consciente
ou inconscientemente, pensam da seguinte forma: “Vou procurar o meu lugar no
mundo, quero ser feliz. Ter meu carro, minha casa, meu computador, meu celular,
minha esposa (marido), meus filhos. Quero sossego pra minha vida!” Onde fica
Deus neste projeto de vida? Deus vai aparecer se tal projeto não der certo. Então,
é invocado para ajudar a realizá-lo, ou acusado por não ter dado certo. Recentemente,
escutei um jovem universitário falar com convicção: “Quero ganhar dinheiro, ser
rico e ser feliz!” Se não conseguir, certamente vai procurar por Deus ou acusar
a Deus pelo seu fracasso.
Assim
pensa a maioria das pessoas: vivem procurando a felicidade fora de si mesmas,
nas coisas que o mundo pode lhes oferecer. Como a felicidade não se encontra
fora do ser humano, então a frustração é geral. O que vemos são faces que
revelam angústia, frustração e depressão. Tudo porque a felicidade não é
encontrada. Assim, muita gente morre, perdendo a vida numa procura frustrante. Para
estas pessoas, eis a palavra de Jesus: “Levantai-vos
e não tenhais medo”. Quem procura a felicidade fora de si mesmo,
geralmente, são pessoas medrosas, que estão caídas no chão. Muitas frequentam a
religião, mas ainda não se encontraram com Jesus. Somente quando o encontro com
ele acontecer é que se libertarão.
Por
fim, consideremos a seguinte indagação: o que o relato da transfiguração de
Jesus significa para as Igrejas cristãs? As Igrejas cristãs continuam
insistindo em fazer o que Pedro queria fazer: tendas. Quando olho para a
religião cristã, salvo raras experiências de inserção no mundo comum dos
mortais, vejo tendas armadas na montanha do conforto e das seguranças. As Igrejas
cristãs precisam fazer a experiência da descida, do partir para a periferia do
mundo, sem medo algum. Se a Igreja é assistida pelo Espírito do Senhor, por que
tem medo do mundo?... A resposta é dolorosa e verdadeira: falta coragem à Igreja porque
esta não confia plenamente na força amorosa e libertadora do Espírito de Deus.
O
Papa Francisco está relendo o evangelho e apontando para a periferia do mundo,
e quando olhamos as Igrejas Particulares, inegavelmente, assistimos a uma paralisação
total, salvo raras exceções. Os pastores não querem largar o conforto e as
seguranças que seus postos lhes conferem. Falam bonito do sofrimento dos
pobres, mas não sofrem, não estão expostos aos riscos da missão, estão em total
segurança. A Igreja precisa escutar Jesus e para escutá-lo é preciso descer da
montanha, colocar-se a caminho, arriscar-se. Não há outro caminho. Este é o
chamado divino para o momento atual da Igreja no mundo. Os pobres clamam por justiça:
quem está escutando seus clamores?...
Tiago
de França
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