Há um ano o mundo
assistiu à eleição de Mario Jorge Bergoglio, argentino eleito para ser Bispo da
Diocese de Roma e Pontífice da Igreja Católica. Naquela ocasião, minhas
palavras eram de esperança. Na qualidade de cristão, confesso que fiquei feliz
ao ver que, pela primeira vez na história, o papa veio da América Latina. Quando
o vi pela televisão, sendo aplaudido e acolhido em Roma, fiquei pensando: O que
este senhor vai fazer de diferente pela Igreja? Como um latino-americano vai ser
aceito e vai sobreviver no Vaticano?...
Passou-se um ano. Agora, meu sentimento é de preocupação.
As palavras e gestos de Francisco estão em plena sintonia com o evangelho. Ele
parece entender que, de fato, Jesus e sua mensagem devem ser o centro da vida
cristã e eclesial. Como jesuíta, entende do lugar e da importância do
discernimento na missão. Isto é bom. A maioria dos católicos permanece
extasiada com o jeito de Francisco ser e atuar. Pessoalmente, é, de fato, um
homem despojado e que sempre se recorda dos pobres como opção de Jesus e da
Igreja. Seus últimos predecessores, que sofriam do mal da “psicologia de
príncipes” não estavam preocupados com os pobres, mas com a moral, a liturgia,
a disciplina e com a doutrina.
Conservando minha admiração em relação às palavras e
gestos cotidianos de Francisco, quero partilhar de uma preocupação que se
encontra na mente e no coração de poucos. A partir daqui, alguns leitores mais
piedosos não vão gostar do que vão ler. Como não sou clérigo e sempre apreciei expressar
o que penso, então não me preocupo com as consequências do que falo. E mesmo se
clérigo fosse, agiria da mesma forma. Acredito que aquilo que parece ser
verdadeiro tem lugar nos corações das mulheres e homens de boa vontade. Jesus nos
ensina a conservamos a sinceridade e a verdade.
Francisco continua sendo elogiado pelas pessoas mais poderosas
do mundo, assim como pelas mais simples. Pensar que todo o mundo está prestando
atenção no que o papa fala é um engano absurdo. O papa não é o centro do mundo,
mas, inegavelmente, a sua figura tem causado admiração em muita gente. Quando os
grandes poderosos do mundo, tanto no mundo secular quanto no religioso,
admiram-se com o papa e o elogiam, isto deve ser motivo de preocupação. Por trás
destes elogios podem existir dois sentimentos: o sentimento de quem admira e
venera, identificando-se com as palavras e o gestos daquele que está sendo
admirado, ou o contrário, o sentimento de que admira, mas que odeia, sentindo-se
impotente diante da figura religiosa que ganhou notoriedade.
Se não estiver enganado, penso que a primeira opção é que
prevalece. Quero somente acrescentar um detalhe que muda um pouco o que acima
escrevi: Os poderosos deste mundo estão gostando do jeito de ser e de atuar do
papa Francisco, mas se engana quem pensa que a mensagem do evangelho de Jesus
que está sendo proclamada por ele está sendo tranquilamente ouvida, aceita e
praticada. Os poderosos deste mundo, tanto seculares quanto religiosos,
desconhecem o evangelho, assim como a pessoa de Jesus. Os seus deuses são o
poder e o dinheiro. Assim, em relação ao papa se trata mais de mera simpatia do
que identificação.
Avancemos mais um pouco em nossas considerações. Historicamente,
o papa exerce duplo poder: é líder religioso e secular, é Papa e Chefe de
Estado. Aqui está um gravíssimo problema, uma realidade antievangélica, pois
Jesus não chamou Pedro para ser Chefe de Estado, mas para ser apóstolo, ou
seja, enviado para anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus. A doutrina ensina
que o papa é sucessor de Pedro, só que tal como está configurado o exercício da
missão pontifícia, a sucessão sofre desse mal há séculos e até hoje não
apareceu um papa que resolvesse tal situação. Geralmente, as pessoas não param
para observar isso, pois a própria Igreja deu conta de fazer com que a maioria
dos católicos aceitasse o duplo exercício do poder papal, sem que tal realidade
se tornasse um escândalo.
Quando Francisco foi eleito, a palavra reforma
foi a que mais se ouviu em torno de sua eleição. Transmitiu-se a ideia
de que este seria o papa da reforma eclesiástica. O papa João XXIII, na segunda
metade do século passado, não foi eleito para esta missão. Após a morte do
poderoso Pio XII, os cardeais não tinham um nome à altura do falecido, então
elegeram João XXIII, que, providencialmente, para a alegria de uns e para a
tristeza de outros, convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II. Ficou conhecido
como o “papa bom”, devido a seus gestos e palavras livres, oriundas da
inspiração de quem se deixa guiar pelo Espírito do Senhor.
No meu primeiro artigo sobre Francisco, logo após sua
eleição, dizia e continuo acreditando que não é Francisco que vai mudar a
Igreja. Esta é feita de muitos e são inúmeras as realidades humanas e culturais
que a compõem. A colegialidade, após o Vaticano II, é a palavra de ordem na Igreja,
apesar de pouco praticada, mas, doutrinalmente, ela foi estabelecida para resolver
o problema da verticalização na Igreja. João Paulo II e Bento XVI não foram
papas colegiais, pois permitiram, propositadamente, que a Cúria Romana (centro
do poder da Igreja) administrasse de forma controlada (disciplinada) toda a
Igreja. A atuação da Cúria freou as inovações trazidas pelo Vaticano II e
estagnou a Igreja nas últimas décadas.
Neste sentido, a eleição do papa
Francisco foi sentida como um alívio! Assistimos a um “graças a Deus!” após o
anúncio da eleição. Parece que os cardeais foram sensíveis aos clamores por
mudança, ao eleger o argentino Mario J. Bergoglio, pois este era muito bem
conhecido no colégio cardinalício. Os cardeais não tiveram outra opção, pois
João Paulo II e Bento XVI deixaram a Igreja gravemente comprometida em sua
imagem perante o mundo. Os discursos de Bento XVI não serviam para nada e a
Igreja estava totalmente desacreditada. As críticas e a evasão dos fiéis
comprovavam isto.
Agora, a situação melhorou um pouco.
Não se assiste mais aos excessos disciplinares dos dois últimos papados, assim
como da parafernália em torno das vestes litúrgicas do papa. Francisco não quer
impressionar a ninguém com suas vestes litúrgicas. Estas voltaram para o intocável
museu do Vaticano. Algo está faltando e que ainda não aconteceu. Na verdade,
talvez não aconteça. Não sabemos se Francisco terá coragem para isto. Se tiver,
será uma verdadeira revolução! Estamos falando das reformas estruturais, tão
necessárias à vida da Igreja. Nesta parte, Francisco não fez absolutamente nada
de novo e isto, de certa forma, conforta e alegra os poderosos da Cúria Romana,
pois estes não tem medo das palavras e dos pequenos gestos de Francisco, mas
tem muito medo das reformas que podem ser feitas.
Reformas estruturais, como a própria
expressão indica, exigem mudanças. O Vaticano tem pavor à palavra mudança. Mudar
para quê? Mudar para que a Igreja se aproxime dos pobres, seja pobre com os
pobres. Esta conversão é uma exigência do evangelho de Jesus, mesmo sabendo que
Jesus não pediu estruturas religiosas, mas o Reino de Deus. Muitos temem que
Francisco seja assassinado por causa de seu jeito de ser. Quanto a isto,
fiquemos tranquilos. Na Igreja ninguém perde a vida por causa do jeito de ser. Este
pode ser suportado, tolerado. No Vaticano, o que não se toleram são as reformas
que são capazes de transformar as estruturas. Se Francisco as promover, aí,
sim, estará correndo grande perigo e poderá ser assassinado. Enquanto isto não
ocorrer, continuará sendo elogiado, aplaudido e querido; poderá ganhar o prêmio
Nobel da Paz e, após sua morte, ser canonizado pelo seu sucessor. Resta-nos
esperar para vermos o que ocorrerá na Igreja presidida por Francisco nos
próximos dias e anos. Oxalá que aconteçam as tão esperadas e desejadas reformas
estruturais!
Tiago de França
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