quarta-feira, 23 de abril de 2014

Almas tíbias e sofrimento

“Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles. Os discípulos, porém, estavam como que cegos e não o reconheceram” (Lc 24, 15 – 16).

            O espírito humano sofre com o mal da tibieza. O que é um espírito tíbio? Há pessoas propensas a cair e permanecer no chão. A queda é uma realidade da condição humana, essencialmente, limitada. É inevitável e também necessária. Caindo, a pessoa é chamada a refletir sobre o significado da queda, pois ninguém cai à toa. Inúmeros são os fatores que nos derrubam e nos machucam. A pessoa que não reflete sobre suas quedas nunca aprende com elas e passa toda a vida sofrendo, sobrevivendo a um lamaçal que tende a sufocá-la terrivelmente. A vida se transforma em um inferno.

            Na vida dos seres humanos, a dor é objetiva e o sofrimento é subjetivo. Na queda sentimos a dor e a aflição. Após a queda as pessoas escolhem se querem ou não sofrer. Há uma tendência masoquista em muitas pessoas porque escolhem sofrer e prolongam o sofrimento. Reclamam excessivamente da opção feita e demonstram interesse em continuar sofrendo. Há certa insistência em continuar no chão. Há até as que se acostumam ao sofrimento e este se transforma em certa forma de prazer. Isto não é martírio nem caminho de liberdade, mas alienação da mente e escravidão. A pessoa não quer ser livre, mas submissa e, portanto, doente.

            Almas tíbias são aquelas pessoas que se recusam à liberdade e, consequentemente, submetem-se à opressão. Por trás da opressão que gera o sofrimento na mente das pessoas está o apego. Toda forma de apego gera sofrimento. O apego não consegue oferecer outra coisa senão sofrimento. Portanto, as pessoas sofrem nas mãos de seus apegos. Não ressuscitam, mas são cadáveres ambulantes, que precisam ser ressuscitados. Eis alguns exemplos para compreendermos melhor.

            Um jovem se interessa pelos jogos eletrônicos. Estes o tornam um homem obsessivo, impedindo-o de viver livremente. Ele não pensa em outra coisa: não dorme bem, não se concentra na alimentação ingerida, não consegue namorar direito, não tem tempo para conversar com os pais e com os amigos, nem para passear e respirar o ar puro e fresco de um bosque. Está totalmente dominado pelo vício do jogo. Ele pensa consigo mesmo que é feliz, mas, na verdade, todos sabem que encerrado em uma determinada atividade e nela tão somente absorvido, o homem caminha para a morte. Geralmente, as pessoas inventam conceitos de felicidade para justificar seus apegos e se iludem, pensando que são felizes. Na verdade, o que ocorre é alienação e prisão.

            Um casal jovem, após poucos anos juntos, resolve separar-se: não deram conta da relação matrimonial. O suposto amor não deu conta de ajudá-los a superar as dificuldades, ou o casal não soube lidar com elas. Separam-se, mas vivem inquietos, um na mente do outro. Amarrados às lembranças e tomados pelos impulsos de raiva que ocasionaram os conflitos, cultivam na mente e no corpo o sofrimento. Não existe amor, mas apego que, por sua vez, gera sofrimento. O apego é tão forte que tira as forças, domina e controla a vontade: a pessoa não faz o que quer, mas o que o apego determina. A maioria dos casais chama isso de amor, mas, na verdade, é apego. No fundo, um diz para o outro: “Eu amo meu/minha companheiro/a porque ele/ela faz tudo para me agradar”. O apego se serve justamente disso: que as pessoas fiquem presas a este esforço estressante de sempre agradar, de fazer o que o outro deseja. O apego procura satisfação. Esta gera pequenos lampejos de prazer momentâneos, que chamam de felicidade, mas, na verdade, é pura manifestação do egoísmo.

            Um homem consegue ser bem sucedido em seus empreendimentos e se transforma em um grande empresário. Submetido ao sistema capitalista, vive em função da produção e do lucro. A partir daí perdeu toda paz interior e leva uma vida desassossegada. Se não aderir ao espírito de competição e às possíveis atividades ilícitas que os sustentam no mercado, então está fadado ao fracasso. Este lhe causa medo e perturbação. O que fazer para não fracassar? Seguir à risca as ordens do sistema. Em pouco tempo, o empresário se transforma em um doente crônico: passa a sofrer de toda espécie de doença, sendo a depressão a mais comum de todas. Apegado ao sucesso, ao lucro e ao dinheiro, transforma-se em um materialista doente: não pensa em outra coisa a não ser no próprio patrimônio. Vai dormir e acorda pensando nas próprias riquezas e o medo de perdê-las não o abandona.

O sistema capitalista o convence de que é um homem feliz, pois infeliz é aquele que fracassou, que não conseguiu ser bem sucedido. Pura ilusão! Geralmente, as pessoas se fecham à verdade e preferem sofrer com a ilusão e com a mentira. Parece ser o caminho mais fácil, mas, na verdade, é o pior, é o que as destrói impiedosamente, assassinando-as aos poucos.  

            Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Se você, caro leitor, é capitalista e não entende a lógica do Evangelho de Jesus, a esta altura já deve está tentando se justificar. Cuidado! A realidade é dura e a ilusão não consegue abafá-la por muito tempo. A tibieza consiste nisso: não aceitar a verdade que está na realidade da vida e enforcar-se na ilusão e na mentira. Quer ter paz? Então se liberte da ilusão e da mentira! A verdadeira paz e a verdadeira alegria se encontram na verdade que se manifesta na realidade. Por que o mundo tende a piorar? Porque a maioria das pessoas aceita a mentira e dela procuram tirar proveito. Por que as pessoas não se convertem? Porque não escutam a palavra de Jesus que diz: “Levanta-te e anda!” Preferem permanecer cegas, à beira do caminho.

            Levantar-se é uma atitude, não uma ideia. É um querer capaz de transformar definitivamente a vida. Quando a pessoa se convence de que precisa permanecer de pé, a vida muda de rumo. A pessoa passa a entender que tudo é transitório, nada permanece. O homem é um ser no mundo, que apareceu e que um dia vai desaparecer. Assim, apegar-se a própria vida gera sofrimento, pois a pessoa recebeu a vida, deve cuidar dela e depois a perderá para continuar vivendo eternamente. Esta é a dinâmica do Evangelho. Por isso que Jesus não ficou desesperado diante do suplício da cruz, pois era um homem livre, desapegado, disposto a dar a própria vida pela salvação de toda a humanidade. Seus algozes pensavam que ele estava sofrendo, mas, na verdade, só sentia as dores no corpo. Agindo assim, ganhou a vida plena, venceu a morte, foi vitorioso e se tornou, na vida do crente, a fonte inesgotável da vida, da liberdade e da alegria.

Tiago de França

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