Inicialmente, é preciso
reconhecer a importância dos grupos de oração na Igreja Católica: lugares de
encontro com Deus através da meditação de sua Palavra, do louvor, da súplica e
do agradecimento. Lugar também do encontro com as pessoas para a prática da
correção fraterna e da partilha de vida.
Nossa
reflexão quer apontar algumas questões que precisam ser corrigidas nestes
grupos, a fim de que se tornem instrumentos efetivos para a construção de uma
Igreja cada vez mais humana e fraterna. São questões que explicitam limites que
podem ser vistos explícita ou implicitamente e que, geralmente, não são levados
a sério. Vamos, então, a eles. A maioria destes grupos de oração pertence,
direta ou indiretamente, à RCC – Renovação Carismática Católica e é composta
por jovens.
1 – A espiritualidade cultivada. A
autêntica espiritualidade cristã contempla a relação efetiva e afetiva entre fé
e vida. Neste sentido, nos grupos de oração se percebe certa tendência a uma
espiritualidade sem esta relação. A fé é desvinculada da vida. O céu é visto
como o lugar de destino de todo crente. Deus nos quer no céu, salvos das
tribulações deste mundo.
A
salvação é entendida como o paraíso que está no céu. Este é colocado como a
meta a ser atingida e para tal é necessária a realização de muita oração e
sacrifícios pessoais. Isso explica porque os membros destes grupos não se
preocupam com os problemas do mundo (corrupção, política, economia, fome,
desemprego etc.), pois acham que são questões para os governantes. O interesse
está na salvação da alma, não importando nada que não venha a ter ligação
direta com a obra da salvação das almas. Há uma fuga constante do mundo, pois
como veremos a seguir, este é o lugar do domínio das forças diabólicas.
2 – Visão de pecado e de mundo. Na
concepção dos membros da maioria dos grupos de oração, a salvação não acontece
no mundo, mas fora dele. Desse modo, o mundo é o lugar do pecado e da ação
diabólica que tende a dominar as pessoas. Quase tudo é considerado pecado. O
sacramento da reconciliação é procurado constantemente, muitas vezes, para a
mera confissão de pecados veniais (pecados leves do cotidiano).
Cultiva-se
um medo excessivo do mundo e, ao mesmo tempo, exige-se certa coragem em travar
o combate entre o bem e o mal, entre aqueles que são do bem, os cristãos, e os
que são do maligno, os inimigos do Cristianismo. Neste sentido, palavras e
gestos, costumes e objetos, lembram constantemente essa batalha contra o mal.
Ensina-se que no sangue de Jesus todos são mais que vencedores!
Logo
se vê que não há lugar para discussão e meditação das grandes causas do Reino
de Deus. Este é constantemente mencionado, mas seu conteúdo é totalmente
desconhecido. Segundo os membros dos grupos de oração, o Reino de Deus é estar
em paz com Deus no paraíso (céu). A ideia de pecado convence a todos da
necessidade da purificação da alma para que se possa viver em “estado de
graça”, em detrimento do “estado de pecado”. Somente os que estão na graça é
que podem receber a Eucaristia, pois esta não está para os pecadores, mas para
os purificados pela graça, alcançada na oração e, especialmente, no sacramento
da reconciliação.
3 – A devoção aos santos e à Maria, mãe de
Jesus. Uma devoção sadia aos santos e à Maria faz parte da vida eclesial e
ajuda o discípulo no seguimento a Jesus, mas a devoção que o desvia do caminho
de Jesus é perigosa e deve ser evitada. Maria e os santos nunca podem ocupar o
lugar de Jesus, mas devem levar o crente a fazer a experiência do discipulado.
Nenhuma
forma de devoção deve ser absolutizada, ou seja, considerada uma espécie de
garantia para a salvação. Assim, expressões como “Tudo com Jesus e nada sem
Maria”, o “Reino de Maria”, “Só se chega a Jesus através de Maria”, “Quem não
aceita Maria não aceita Jesus”, “Maria é a escada que leva ao céu!”, “Maria
garante junto a Jesus a salvação da alma” etc. não possuem nenhum fundamento,
pois não há como verificar a veracidade de tais expressões na Escritura
Sagrada, especialmente no evangelho de Jesus.
A
devoção aos santos e à Maria não é necessária à salvação, ou seja, não é
condição para a salvação em Jesus de Nazaré. É uma escolha pessoal aderir ou
não à devoção, jamais podendo ser imposta a todos os que creem em Deus. Se
fosse condição estabelecida por Jesus, então os irmãos das Igrejas não
católicas e das demais religiões já estariam excluídos da salvação.
Claramente
se percebe que os membros destes grupos não compreendem que a salvação em Jesus
é universal e gratuita, sempre inclusiva e jamais exclusiva. O testemunho dos
santos deve servir de estímulo para que cada pessoa possa fazer sua experiência
de discípulo de Jesus. Nenhum santo ou santa deve ser colocado como o modelo
por excelência de santidade, pois somente Jesus é o centro da vida cristã e o
modelo por excelência. Nada deve tirar a centralidade de Jesus na vida cristã.
Absolutamente, nada!
4 – Visão de Igreja e hierarquia. A
eclesiologia pós-Vaticano II deveria levar a Igreja a uma maior abertura ao
mundo, mas durante todo o pontificado do papa João Paulo II ocorreu o
contrário. A virtude ensinada foi a da disciplina eclesiástica. Católico bom e
virtuoso é o católico disciplinado: apto para frequentar o culto e receber os
sacramentos. Quem não estivesse “em dia” com as leis, estava excluído. Para os
fora da lei servia a aplicação da lei.
O
papa Francisco, seguindo a mesma linha do papa João XXIII, está se esforçando
para mudar a situação, mas nas bases da Igreja quase nada muda. A maioria
admira o que o papa ensina, mas na prática tudo continua do mesmo jeito. Nos
grupos de oração, o que ocorre geralmente é um saudosismo doentio. Estão
sentindo falta do papa João Paulo II, com seu ensinamento e com seu jeito de
governar, marcado por uma moral excessivamente fechada e implacável.
Continuam
com uma visão fechada de Igreja, na qual a hierarquia (papa, bispos e padres)
ocupa o centro. Assim, tudo o que a hierarquia fala é igual à palavra de Deus,
um dogma que não pode ser questionado. É verdade que não andam gostando muito
das falas do atual papa. Há até os que pensam que ele não entende muito de
doutrina, pois acham que tende a subvertê-la. Na boca de muitos, o papa
Francisco é um comunista! De modo geral, nos grupos de oração se cultiva a
imagem de Igreja medieval, voltada para si mesma e omissa em relação aos
problemas do mundo.
5 – A liturgia. Esta costuma ser compatível
que a visão de Igreja cultivada. Se se conserva e cultiva a imagem de uma
Igreja medieval, centralizada em si mesma, então a liturgia vai no mesmo
caminho: liturgia essencialmente rubricista. Isto explica o uso de paramentos
que remontam à Igreja pré-Vaticano II. As letras das músicas cantam uma Igreja
e uma fé fechadas à realidade. Nos grupos de oração, as paraliturgias comungam
da mencionada visão de Igreja. A participação destes grupos na liturgia tende a
reforçar uma maneira desencarnada de celebrar a fé, sem muita reflexão nem
comprometimento.
6 – A vivência da sexualidade. Nunca se
condenou tanto a conduta sexual dos católicos como no pontificado do papa João
Paulo II. O curioso é que, simultaneamente, nunca se assistiu a tanto escândalo
sexual na história recente da Igreja como neste mesmo período. Mesmo assim, a
ala conservadora da Igreja não renuncia ao discurso moralista em matéria
sexual. O efeito de tais condenações costuma ser sempre o oposto do que se
pretendeu ao emiti-las.
Geralmente,
os católicos não orientam sua conduta sexual segundo os princípios da moral
sexual da Igreja, que deveria ter sido revisada há muito tempo. Não se trata de
renúncia à mora sexual, mas daquelas orientações ultrapassadas que já não
servem para serem observadas hoje. Nos grupos de oração costuma-se ampliar
sempre mais o número dos pecados relacionados à dimensão sexual, de modo que
quase tudo se torna pecado.
A
repressão dos impulsos sexuais, a condenação de homossexuais e de tantas
pessoas que optam em viver de forma diferente a sua sexualidade etc. são as
consequências de uma vivência equivocada da sexualidade. Apesar disso, alguns
grupos formados por jovens se torna, em muitos casos, lugar de procura de
relacionamentos afetivos, os quais tentam se pautar na orientação doutrinal da
moral que acabamos de resumidamente explicitar.
7 – Serviço e comunhão com os pobres. A
opção pelos pobres continua sendo um desafio à Igreja. É um apelo que vem
diretamente do testemunho de Jesus descrito no evangelho. Não é uma invenção
teológica, mas uma exigência evangélica e, portanto, fundamental. Apesar de ser
distinta, a opção pelos pobres já foi confundida com o comunismo. Isto explica
a condenação da teologia da libertação durante o pontificado do papa João Paulo
II. Esta teologia não fez outra coisa senão recordar à Igreja a evangélica
opção pelos pobres.
Nos
grupos de oração, esta distinção não é mencionada nem discutida. Os jovens não
sabem o que é teologia, nem sabem o que é teologia da libertação. Somente
porque o papa polonês a condenou, os jovens condenam também. Condenam o que
desconhecem! Não tem muito sentido, mas é assim que ocorre. Geralmente,
condena-se o autor e sua obra sem nunca a terem lido nem escutado o autor. Coisa
parecida ocorre em Roma: condena-se à distância, sem dar ao acusado a
oportunidade de se defender, de forma fundamentada e pessoalmente.
Nos
grupos de oração, na maioria deles, há pequenos gestos de caridade com os pobres:
participação em campanhas de arrecadação de alimentos, remédios, calçados,
roupas etc. Os pobres geralmente são tratados como meros destinatários destes
pequenos gestos. Suas situações de vida não são vistas nem consideradas sequer
nas reflexões. Na maioria das vezes, quando visitados são tratados como pessoas
de segunda categoria.
Os
pobres não participam da vida paroquial, salvo exceções. Os da periferia não se
sentiriam bem se ousassem participar da comunidade paroquial, pois esta lhes
parece estranha. “Eu não ando em Missa
não, seu moço! Aquilo lá não é lugar pra mim, sou feia e pobre, não tenho roupa
nem calçado bonito pra aparecer nesses lugares!”, palavras de uma senhora,
mãe de um punhado de crianças pobres da periferia da grande Belo Horizonte.
Por
fim, precisamos mencionar o espírito de exclusivismo vivenciado pela maioria
dos grupos de oração. Este espírito gera certo sentimento de superioridade em
relação aos demais grupos da Igreja. Pelo fato de pertencerem a um grupo de
oração, muitas pessoas se sentem melhores e mais santas do que as demais. Desse
modo, não há autêntico crescimento espiritual.
Elas
participam destes grupos, mas suas vidas permanecem do mesmo modo, carecendo da
necessária conversão. Não são alcançadas pela novidade do evangelho e do
Espírito de Deus. Aparentam ser religiosas, mas se deixam conduzir pelas forças
do anti-Reino, geradoras de divisão e indiferença. Cremos que estes grupos
precisam refletir sobre estas e tantas outras questões pertinentes, a fim de
que sejam autênticos grupos nos quais possa haver, de fato, escuta atenta da
Palavra de Deus e prática do amor fraterno.
Tiago
de França