quarta-feira, 28 de maio de 2014

Meditações sobre o amor

             
               Caro leitor, diminua o ritmo de sua leitura, leia devagar estas meditações. A pressa na leitura deixa escapar alguns detalhes e o maior deles é a ressonância que as palavras operam na mente e no coração. Meditar sobre o amor não é impossível, mas também não é tarefa fácil. Expressar aquilo que sustenta a vida humana é algo sublime, fino, misterioso, leve, que nos remete às reticências...

            O coração parece ser o lugar ideal para a morada do amor. De lá de dentro ele pode brotar maravilhosamente e é capaz de colorir a vida. O barulho e as violências que deixam o mundo perturbado, agitado e impróprio não são capazes de permanecerem de pé diante da força serena e mansa, encantadora e transformadora do amor. Mulheres e homens tocados pela sinfonia do amor são luzes em meio às trevas. Isto é poeticamente real.

            Nas entrelinhas dos olhares, dos sorrisos, das alegrias e dos apertos do coração, o amor parece brilhar, vibrar, estremecer. Ele não respeita o não, a cara feia, a traição, mas ultrapassa, supera, emerge com força e suavidade. As pessoas o experimentam sem saber como, onde, quando, sem saber... Somente ouvem, olham, sentem, tocam, cheiram o amor no outro semelhante, no estranho, na flor, no canto, no pé do ouvido.

            Como o vento invisível, que passa sem se deixar dominar por ninguém; de repente, as pessoas não conseguem segurar o amor. Olham-se e se observam, “meu amor”. Ah, meu amor!... Meu? Não. Ele está aí, é teu, meu, nosso, de todos. Não é posse, não custa nada, é ousadamente livre, leve, solto... Não é procurado nem se deixa encontrar. Aparece. É epifania, beleza, ternura, aconchego. Vem das entranhas do coração. O amor.

            Quem é o mais amoroso? Nunca se sabe. Mais, ou menos, não há medida. O que há é intensidade sem limites, desvelamento. Somente o amor tira o véu da amada, manifestando sua beleza. A beleza da criança no peito quente de sua mãe. A beleza das mãos entrelaçadas dos enamorados. A beleza da pétala da rosa vermelha entregue nas mãos daquela que acredita no fogo consumidor da paixão ilusória. É um gesto. Pode não ser amor, mas é bonito. É o momento ilógico do sentimento incalculável do encontro festivo dos corações palpitantes.

            Os crentes em Jesus observam-no admirados diante do poço de Jacó, sentado à mesa de Zaqueu, chorando a morte de Lázaro e crucificado por amor, ensanguentado. Ah, Jesus! Que dizer de ti?!... É demais dizer que morreste por amor? É pecado afirmar que és apaixonado pelos pecadores? É escandaloso ver-te no domingo cedo conversando com Madalena, ressuscitado? Não. Isto é amor. Ágape.

            Um dia, disseste-me: por que choras? Ah, moço! Entrega-te ao amor e pronto! Tudo ficará bem. Fácil, não? Sim, mas como entender isso?... As teologias e filosofias humanas não me convencem. Elas não me tocam. Elas não te tocam. Elas não conseguem encontrar a moeda perdida, o peixe do mar, o tesouro do campo. Falam de tudo, mas não contemplam a perfeição do miolo, do centro, da ceiva, do essencial. Não há nada mais a ser dito. Há o que se precisa viver, apalpar, tocar na chaga aberta para sentir a alegria da ressurreição.

            Amor e ressurreição, enfim podemos dizer da íntima ligação entre vocês. Amar é ressuscitar. Somente ressuscita quem ama! Isto é exatamente certo. É o fundamental. Ressuscitar é passar de um estado a outro, de um estágio a outro, de uma vida morta para uma vida viva, das trevas para a luz, sem mágica, sem sacrifícios, sem ilusões, sem medo... Com coragem! “Não tenhas medo!”, eis o segredo.

O segredo da felicidade: não tenhais medo de vos entregar à força mais poderoso do mundo, o amor. Força capaz de te fazer feliz sem que tenhas nada, sem que sejas nada neste mundo. Tu e o amor. Livres de tudo o que prende e aliena. Isto te basta. Assim, a palavra se recolhe, silencia, dar lugar à prece e ao convite, à exortação e ao clamor: no amor do Deus de todas as raças e crenças, imploramos, clamamos de joelhos e com lágrimas, amas e sejas feliz, tu e toda a criação da qual és parte desde agora e para sempre!...


Tiago de França

sábado, 24 de maio de 2014

O mandamento de Jesus e o Espírito da verdade

“Se me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco” (Jo 14, 15 – 16).

            Nossa reflexão quer oferecer um olhar sereno a respeito do texto do evangelho segundo João 14, 15 – 21. Trata-se de uma parte da despedida de Jesus com seus seguidores. Vamos dividir a meditação em alguns tópicos. Jesus fala com clareza e diante da perturbação de seus seguidores, lhes oferece palavras de conforto e direcionamento. Ele não os abandona na confusão e na orfandade, mas os consola e anima.

O amor a Jesus

            “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”, afirma Jesus. Aqui está a condição para guardar os mandamentos: amar Jesus. O amor a Jesus é o amor a Deus, pois Deus está nele. E o amor a Deus é o reconhecimento prático e cotidiano de Deus na vida. Crer e aceitar a Deus como o único absoluto da vida. Este absoluto se manifesta e se revela nas pessoas e na natureza.  

A criação inteira revela a grandeza de Deus. Permanecer em sintonia com toda a criação, num relacionamento harmonioso e, portanto, pacífico, é entrar em comunhão com Deus, é amar a Deus. Ele é uma presença amorosa, serena, atenta, cuidadora e criadora da vida de toda a criação. Esta comunhão no amor assegura ao discípulo a alegria do seguimento, e neste a observância do mandamento de Jesus. Amando a Deus e a toda a criação, a pessoa está cumprimento o mandamento porque este não é outra coisa senão o amor.

            Quando apareceu a religião com seus preceitos e dogmas, o amor a Jesus foi posto de lado na vida de muitas pessoas. Estas passaram a absolutizar o secundário: o culto, as devoções, o direito eclesiástico, os símbolos etc. Estas coisas passaram a substituir o amor a Jesus. Estas pessoas ficam se perguntando pelos motivos que as impedem de guardar o mandamento de Jesus e imploram o Espírito do Senhor, a fim de que as ajude.  

O Espírito nada pode fazer porque não interfere na liberdade de escolha das pessoas. Se estas escolhem a lei, jamais o Espírito lhes imporá a liberdade. De modo geral, os religiosos procuram salvar a religião, fonte de muitas seguranças, e não ousam amar a Jesus porque este amor é vivido fora da observância da lei. Esta não é condição para o amor a Jesus. Assim, entendemos o que vemos nas religiões: inúmeros crentes desorientados no cumprimento da lei, pois esta não lhes assegura nem lhes confere a alegria oriunda do amor a Jesus e a liberdade de filhos e filhas de Deus.

O Espírito da verdade

            O Espírito procede do Pai e do Filho, e este o chama de paráclito, que quer dizer defensor. Falar do Espírito é muito difícil porque seu agir escapa à linguagem dos conceitos teológicos. O Espírito é livre e libertador, portanto, não há homem que possa prever a sua ação. Oriundo do seio da divina comunidade, o Espírito é o defensor que veio para permanecer na vida de quem segue a Jesus. Isto é o que ensina a pneumatologia clássica (estudos teológicos sobre o Espírito). Ousaríamos dizer mais. Podemos afirmar que o Espírito do Senhor está plasmando todo o universo e recriando todas as coisas.  

Assim, os que não seguem a Jesus também o recebem e o conhecem. Não está preso a nenhuma espécie de limite estabelecido pelo homem. A ação do Espírito no amor é tão livre que chega a ser escandalosa. Os religiosos, geralmente, não aceitam a liberdade do Espírito, pois pensam que este age de acordo com seus conceitos de ação religiosa. O Espírito não é religioso, portanto, não pertence à religião, mas se encontra no mundo e nas pessoas, lhes revelando o caminho da vida e da liberdade. Há sempre um conflito entre o Espírito e a religião porque esta tende a aprisioná-lo em seus conceitos e práticas.

            Jesus chama o paráclito de “Espírito da verdade”. Esta verdade do Espírito não é a verdade conceitual das ciências humanas, incluindo as verdades oriundas do fazer teológico. O Espírito é a revelação do amor e do projeto de Deus, é a força que reside no interior de cada pessoa, levando-a ao conhecimento de si mesma e de Deus. No encontro consigo mesma, a pessoa se encontra com Deus. No encontro com o outro acontecem a celebração e a partilha deste encontro revelador do ser humano. 

O Espírito concede a graça da contemplação e do conhecimento da realidade, mantendo as pessoas acordadas, sensíveis e disponíveis. Não é o Espírito responsável pela elaboração de “verdades” religiosas que julgam, condenam, excluem, excomungam, mas é a força impulsionadora que faz a vida nascer, crescer e se multiplicar; que concedendo o dom da visão, liberta as pessoas da mentira, da ilusão, da falsidade, da confusão e tudo aquilo que aprisiona e escraviza.

Onde está Deus?

            Por fim, consideremos outro aspecto fundamental revelado no texto: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós”. Estas palavras de Jesus são compreendidas e despertam a verdadeira alegria naquelas pessoas que se encontram em um aparente estado de abandono. Este é criação humana, fruto da indiferença. Falo aparente porque Deus é o bom Pai que jamais abandona seus filhos e filhas.  

Por meio do defensor, o paráclito, Ele cuida amorosamente de cada um e está em cada pessoa. Cabe a cada um descobrir como esta presença amorosa se manifesta interna e externamente. Para todos os que se encontram em aflição e no esquecimento, diz Jesus: “Naquele dia sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós”. Em nós e por nós, o Deus uno e trino quer ser nossa vida e a vida de toda a humanidade. Por meio de nossas palavras e gestos Deus quer permanecer conosco nesta belíssima e libertadora comunhão amorosa: Ele em nós e nós nele. Mergulhados neste mistério de amor e de liberdade, somos felizes e já alcançamos a salvação.


Tiago de França

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Os grupos de oração na Igreja Católica

             
             Inicialmente, é preciso reconhecer a importância dos grupos de oração na Igreja Católica: lugares de encontro com Deus através da meditação de sua Palavra, do louvor, da súplica e do agradecimento. Lugar também do encontro com as pessoas para a prática da correção fraterna e da partilha de vida.  

Nossa reflexão quer apontar algumas questões que precisam ser corrigidas nestes grupos, a fim de que se tornem instrumentos efetivos para a construção de uma Igreja cada vez mais humana e fraterna. São questões que explicitam limites que podem ser vistos explícita ou implicitamente e que, geralmente, não são levados a sério. Vamos, então, a eles. A maioria destes grupos de oração pertence, direta ou indiretamente, à RCC – Renovação Carismática Católica e é composta por jovens.   

1 – A espiritualidade cultivada. A autêntica espiritualidade cristã contempla a relação efetiva e afetiva entre fé e vida. Neste sentido, nos grupos de oração se percebe certa tendência a uma espiritualidade sem esta relação. A fé é desvinculada da vida. O céu é visto como o lugar de destino de todo crente. Deus nos quer no céu, salvos das tribulações deste mundo.

A salvação é entendida como o paraíso que está no céu. Este é colocado como a meta a ser atingida e para tal é necessária a realização de muita oração e sacrifícios pessoais. Isso explica porque os membros destes grupos não se preocupam com os problemas do mundo (corrupção, política, economia, fome, desemprego etc.), pois acham que são questões para os governantes. O interesse está na salvação da alma, não importando nada que não venha a ter ligação direta com a obra da salvação das almas. Há uma fuga constante do mundo, pois como veremos a seguir, este é o lugar do domínio das forças diabólicas.

2 – Visão de pecado e de mundo. Na concepção dos membros da maioria dos grupos de oração, a salvação não acontece no mundo, mas fora dele. Desse modo, o mundo é o lugar do pecado e da ação diabólica que tende a dominar as pessoas. Quase tudo é considerado pecado. O sacramento da reconciliação é procurado constantemente, muitas vezes, para a mera confissão de pecados veniais (pecados leves do cotidiano).

Cultiva-se um medo excessivo do mundo e, ao mesmo tempo, exige-se certa coragem em travar o combate entre o bem e o mal, entre aqueles que são do bem, os cristãos, e os que são do maligno, os inimigos do Cristianismo. Neste sentido, palavras e gestos, costumes e objetos, lembram constantemente essa batalha contra o mal. Ensina-se que no sangue de Jesus todos são mais que vencedores!

Logo se vê que não há lugar para discussão e meditação das grandes causas do Reino de Deus. Este é constantemente mencionado, mas seu conteúdo é totalmente desconhecido. Segundo os membros dos grupos de oração, o Reino de Deus é estar em paz com Deus no paraíso (céu). A ideia de pecado convence a todos da necessidade da purificação da alma para que se possa viver em “estado de graça”, em detrimento do “estado de pecado”. Somente os que estão na graça é que podem receber a Eucaristia, pois esta não está para os pecadores, mas para os purificados pela graça, alcançada na oração e, especialmente, no sacramento da reconciliação.

3 – A devoção aos santos e à Maria, mãe de Jesus. Uma devoção sadia aos santos e à Maria faz parte da vida eclesial e ajuda o discípulo no seguimento a Jesus, mas a devoção que o desvia do caminho de Jesus é perigosa e deve ser evitada. Maria e os santos nunca podem ocupar o lugar de Jesus, mas devem levar o crente a fazer a experiência do discipulado.  

Nenhuma forma de devoção deve ser absolutizada, ou seja, considerada uma espécie de garantia para a salvação. Assim, expressões como “Tudo com Jesus e nada sem Maria”, o “Reino de Maria”, “Só se chega a Jesus através de Maria”, “Quem não aceita Maria não aceita Jesus”, “Maria é a escada que leva ao céu!”, “Maria garante junto a Jesus a salvação da alma” etc. não possuem nenhum fundamento, pois não há como verificar a veracidade de tais expressões na Escritura Sagrada, especialmente no evangelho de Jesus.

A devoção aos santos e à Maria não é necessária à salvação, ou seja, não é condição para a salvação em Jesus de Nazaré. É uma escolha pessoal aderir ou não à devoção, jamais podendo ser imposta a todos os que creem em Deus. Se fosse condição estabelecida por Jesus, então os irmãos das Igrejas não católicas e das demais religiões já estariam excluídos da salvação.  

Claramente se percebe que os membros destes grupos não compreendem que a salvação em Jesus é universal e gratuita, sempre inclusiva e jamais exclusiva. O testemunho dos santos deve servir de estímulo para que cada pessoa possa fazer sua experiência de discípulo de Jesus. Nenhum santo ou santa deve ser colocado como o modelo por excelência de santidade, pois somente Jesus é o centro da vida cristã e o modelo por excelência. Nada deve tirar a centralidade de Jesus na vida cristã. Absolutamente, nada!

4 – Visão de Igreja e hierarquia. A eclesiologia pós-Vaticano II deveria levar a Igreja a uma maior abertura ao mundo, mas durante todo o pontificado do papa João Paulo II ocorreu o contrário. A virtude ensinada foi a da disciplina eclesiástica. Católico bom e virtuoso é o católico disciplinado: apto para frequentar o culto e receber os sacramentos. Quem não estivesse “em dia” com as leis, estava excluído. Para os fora da lei servia a aplicação da lei.  

O papa Francisco, seguindo a mesma linha do papa João XXIII, está se esforçando para mudar a situação, mas nas bases da Igreja quase nada muda. A maioria admira o que o papa ensina, mas na prática tudo continua do mesmo jeito. Nos grupos de oração, o que ocorre geralmente é um saudosismo doentio. Estão sentindo falta do papa João Paulo II, com seu ensinamento e com seu jeito de governar, marcado por uma moral excessivamente fechada e implacável.

Continuam com uma visão fechada de Igreja, na qual a hierarquia (papa, bispos e padres) ocupa o centro. Assim, tudo o que a hierarquia fala é igual à palavra de Deus, um dogma que não pode ser questionado. É verdade que não andam gostando muito das falas do atual papa. Há até os que pensam que ele não entende muito de doutrina, pois acham que tende a subvertê-la. Na boca de muitos, o papa Francisco é um comunista! De modo geral, nos grupos de oração se cultiva a imagem de Igreja medieval, voltada para si mesma e omissa em relação aos problemas do mundo.

5 – A liturgia. Esta costuma ser compatível que a visão de Igreja cultivada. Se se conserva e cultiva a imagem de uma Igreja medieval, centralizada em si mesma, então a liturgia vai no mesmo caminho: liturgia essencialmente rubricista. Isto explica o uso de paramentos que remontam à Igreja pré-Vaticano II. As letras das músicas cantam uma Igreja e uma fé fechadas à realidade. Nos grupos de oração, as paraliturgias comungam da mencionada visão de Igreja. A participação destes grupos na liturgia tende a reforçar uma maneira desencarnada de celebrar a fé, sem muita reflexão nem comprometimento.

6 – A vivência da sexualidade. Nunca se condenou tanto a conduta sexual dos católicos como no pontificado do papa João Paulo II. O curioso é que, simultaneamente, nunca se assistiu a tanto escândalo sexual na história recente da Igreja como neste mesmo período. Mesmo assim, a ala conservadora da Igreja não renuncia ao discurso moralista em matéria sexual. O efeito de tais condenações costuma ser sempre o oposto do que se pretendeu ao emiti-las.  

Geralmente, os católicos não orientam sua conduta sexual segundo os princípios da moral sexual da Igreja, que deveria ter sido revisada há muito tempo. Não se trata de renúncia à mora sexual, mas daquelas orientações ultrapassadas que já não servem para serem observadas hoje. Nos grupos de oração costuma-se ampliar sempre mais o número dos pecados relacionados à dimensão sexual, de modo que quase tudo se torna pecado.  

A repressão dos impulsos sexuais, a condenação de homossexuais e de tantas pessoas que optam em viver de forma diferente a sua sexualidade etc. são as consequências de uma vivência equivocada da sexualidade. Apesar disso, alguns grupos formados por jovens se torna, em muitos casos, lugar de procura de relacionamentos afetivos, os quais tentam se pautar na orientação doutrinal da moral que acabamos de resumidamente explicitar.

7 – Serviço e comunhão com os pobres. A opção pelos pobres continua sendo um desafio à Igreja. É um apelo que vem diretamente do testemunho de Jesus descrito no evangelho. Não é uma invenção teológica, mas uma exigência evangélica e, portanto, fundamental. Apesar de ser distinta, a opção pelos pobres já foi confundida com o comunismo. Isto explica a condenação da teologia da libertação durante o pontificado do papa João Paulo II. Esta teologia não fez outra coisa senão recordar à Igreja a evangélica opção pelos pobres.  

Nos grupos de oração, esta distinção não é mencionada nem discutida. Os jovens não sabem o que é teologia, nem sabem o que é teologia da libertação. Somente porque o papa polonês a condenou, os jovens condenam também. Condenam o que desconhecem! Não tem muito sentido, mas é assim que ocorre. Geralmente, condena-se o autor e sua obra sem nunca a terem lido nem escutado o autor. Coisa parecida ocorre em Roma: condena-se à distância, sem dar ao acusado a oportunidade de se defender, de forma fundamentada e pessoalmente.

Nos grupos de oração, na maioria deles, há pequenos gestos de caridade com os pobres: participação em campanhas de arrecadação de alimentos, remédios, calçados, roupas etc. Os pobres geralmente são tratados como meros destinatários destes pequenos gestos. Suas situações de vida não são vistas nem consideradas sequer nas reflexões. Na maioria das vezes, quando visitados são tratados como pessoas de segunda categoria.

Os pobres não participam da vida paroquial, salvo exceções. Os da periferia não se sentiriam bem se ousassem participar da comunidade paroquial, pois esta lhes parece estranha. “Eu não ando em Missa não, seu moço! Aquilo lá não é lugar pra mim, sou feia e pobre, não tenho roupa nem calçado bonito pra aparecer nesses lugares!”, palavras de uma senhora, mãe de um punhado de crianças pobres da periferia da grande Belo Horizonte.

Por fim, precisamos mencionar o espírito de exclusivismo vivenciado pela maioria dos grupos de oração. Este espírito gera certo sentimento de superioridade em relação aos demais grupos da Igreja. Pelo fato de pertencerem a um grupo de oração, muitas pessoas se sentem melhores e mais santas do que as demais. Desse modo, não há autêntico crescimento espiritual.

Elas participam destes grupos, mas suas vidas permanecem do mesmo modo, carecendo da necessária conversão. Não são alcançadas pela novidade do evangelho e do Espírito de Deus. Aparentam ser religiosas, mas se deixam conduzir pelas forças do anti-Reino, geradoras de divisão e indiferença. Cremos que estes grupos precisam refletir sobre estas e tantas outras questões pertinentes, a fim de que sejam autênticos grupos nos quais possa haver, de fato, escuta atenta da Palavra de Deus e prática do amor fraterno.


Tiago de França

sábado, 17 de maio de 2014

A manifestação de Deus em Jesus de Nazaré

“E sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6).

            Antes de voltar para o Pai, Jesus se reúne com aquelas pessoas que o seguiam mais de perto para uma refeição e para continuar lhes revelando o mistério divino. Aquelas pessoas não compreendiam com clareza o que Jesus dizia, e não tinham culpa disso. As coisas de Deus são assim mesmo, nunca podem ser plenamente compreendidas. Elas vão se revelando na medida em que cada pessoa vai se deixando conduzir pela atração que o mistério realiza todos os dias, mas quanto mais se aproxima do mistério, mais ele se torna misterioso.

Assim, o ser humano passa a vida especulando, e maravilhado com o que já descobriu se convence de que há muito a se conhecer. Deus é infinitamente insondável, mas ao mesmo tempo humildemente próximo e acessível, não se deixando apreender-se por nada nem por ninguém. Tudo acontece na liberdade que se desdobra numa reciprocidade belíssima de ver e de viver. Somente as crianças e os místicos conseguem compreender e nunca descrever esta experiência maravilhosamente misteriosa e encantadora.  

“Não se perturbe o vosso coração”

            Os que tiveram a graça de conviver com Jesus estavam apreensivos porque ele nunca deixava de lhes recordar aquilo que iria acontecer, inevitavelmente: a paixão e a morte de cruz, assim como a ressurreição. Como é angustiante estarmos com uma pessoa extraordinária, que nos concede paz e harmonia, e termos que aceitar a iminente situação de sua ausência.

Durou tão pouco tempo, aproximadamente três anos de atividade missionária. De repente, o grande profeta, poderoso em palavras e obras, se encontra brutalmente assassinado na cruz. Um escândalo para todos, uma vergonha, uma maldição!... É de cortar o coração ver a cena de um homem ensanguentado na cruz, que passou toda a sua vida fazendo o bem.

Como a covardia faz mal! Como pode um justo ser assassinado como se fosse um bandido da pior espécie?!... Como Deus é bom e misericordioso! Como conseguiu ver seu amado Filho sendo covardemente assassinado por homens frios e indiferentes e permitir tal atrocidade?!... Oh, divina sabedoria! Oh, graça inefável! Oh, amor sem condições e limites!...  

“Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”

            O pobre Tomé não sabe para onde vai Jesus. Seus companheiros e companheiras também não sabiam. Estavam perplexos e desorientados. O desconcerto era total. E agora, o que vamos fazer? Para onde vamos? Eles se perguntavam, angustiadamente, sobre isso.  

Sabendo que estavam perturbados, Jesus lhes revela algo extraordinário de sua pessoa e de sua missão. Não poderia abandoná-los na perturbação do coração. Como haveriam de assumir a missão do anúncio e da denúncia sem a devida paz do coração e do espírito? Nenhum discípulo profundamente confuso é capaz de fazer outros discípulos. É preciso saber com clareza o caminho necessário para o seguimento.

Em meio às águas agitadas do oceano da vida é preciso estar com Jesus no barco, mesmo que nele o mestre esteja dormindo, tranquilamente. Caminhar para onde sem que haja o caminho? Este aponta para o lugar de destino, para onde se deve caminhar e chegar. Então, qual é o caminho indicado por Jesus a seus seguidores e seguidoras? Em meio a tantos caminhos, qual deve ser a estrada oportuna e necessária? Jesus responde a pergunta de Tomé com clareza e objetividade. O texto não fala se eles compreenderam. Hoje, o número dos que continuam sem compreender é grande.

“Eu sou o caminho...”

            É Jesus o caminho que conduz ao Pai, que conduz ao conhecimento do mistério divino revelado. Quando afirma que ele é o caminho, Jesus está querendo dizer: Meus queridos, se vocês querem participar da vida do Pai, do mistério trinitário, vocês precisam fazer a mesma coisa que eu fiz: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.  

O amor é o critério que assegura a permanência no caminho. Permanece com Jesus aquele que ama, incondicionalmente. Amar como Jesus amou: eis o sentido do caminho. Amar é estar no caminho. Parece simples, mas por que as pessoas dificultam tanto? Por que não conseguem permanecer no amor e, assim, permanecer no caminho que conduz ao Pai?

A resposta também é muito simples: porque se deixam dominar pelos apegos, que geram sofrimento e morte. Apegam-se às coisas, às pessoas, aos sentimentos ruins, às circunstâncias desestimulantes e a tantas coisas supérfluas, deixando-se escravizar.

Somente os simplesmente desapegados conhecem o caminho que é Jesus e, consequentemente, experimentam o mistério divino. Os apegos cegam as pessoas e não permitem que sejam livres, que gozem da liberdade dos filhos e filhas de Deus. Os apegos desviam a pessoa do caminho que é Jesus, caminho que conduz à vida em plenitude.  

“Eu sou a verdade...”

            Quem conhece a verdade conhece a liberdade. Jesus é a verdade mais profunda do ser humano. Por meio dele podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos, pois ele foi perfeita e escandalosamente humano. É o modelo de ser humano por excelência. Suas palavras e gestos são o testemunho da verdade divina no mundo para a libertação integral de toda a humanidade.  

Nenhuma verdade meramente humana e científica consegue abarcar e superar o evento revelador que é Jesus, Deus encarnado no mundo. A ciência tem seu lugar e sua importância, mas jamais conseguirá assegurar a plena verdade de todas as coisas. Esta é uma pretensão que jamais se realizará porque o homem é limitado em sua capacidade de conhecer.  

Há realidades que ultrapassam, que estão além, que não se deixam apreender. A ciência teológica não consegue conhecer plenamente a manifestação de Deus em Jesus de Nazaré. Todas as assertivas teológicas são aproximações da verdade revelada e, portanto, limitadas pela ambiguidade e pela pluralidade, que caracterizam o linguajar científico.

Para quem professa a fé cristã, Jesus é a verdade. Sua pessoa, encarnação do próprio de Deus, é a verdade que liberta da ilusão, da mentira, da manipulação ideológica, da confusão e de tudo aquilo que tende a aprisionar a mente, cegando-a. O seguidor e a seguidora de Jesus, quando o aceitam com alegria e convicção, passam a enxergar a vida ao modo de Jesus: com liberdade e ousadia.

O olhar do discípulo é transformado pelo olhar do mestre e aquele passa a enxergar a realidade, vendo Deus agindo nela, amorosa, discreta e misericordiosamente. Trata-se de um olhar de ternura e de compaixão, profundamente marcado pelo espírito de solidariedade.

“Eu sou a vida...”

            Quando se encontra no caminho e na verdade, a pessoa já experimenta a vida. Em Jesus, é possível, verdadeiramente, sentir o gosto da vida. Neste mundo, há pessoas que nascem, crescem e morrem e não conhecem a vida. A existência delas se resume à mera satisfação das vontades, geradora de prazer. Este faz parte da vida, sem dúvida alguma. Aqui estamos nos referindo à existência escrava dos prazeres, quando estes são procurados a qualquer custo e considerados um fim em si mesmo.

Trata-se de uma existência enjoativa, cheio de tédio, insuportável, que desemboca, inevitavelmente, no vazio. Para ilustrar, basta que nos recordemos das biografias de cantores famosos como Michael Jackson. É um caso típico de uma vida desorientada, frustrante, sem rumo, alienada, absorvida e dominada pela fama e pelo dinheiro. Infelizmente, perdeu a chance de viver verdadeiramente a vida, morrendo sufocado pelos prazeres causadores de doenças incuráveis. Seus fãs, principalmente os fanáticos, o consideram um exemplo de ser humano a ser seguido. Inegavelmente, tal ideia tem lógica, só não tem futuro.

Por fim, é preciso considerar que Jesus é o sentido da vida do cristão. Mais do que isto, nele todo crente encontra a vida. Ele é a fonte da vida. Portanto, se aquele que crê em Jesus não encontra sentido em sua vida, então é sinal de que há algo errado na fé que professa.

Crer em Jesus é fazer o que ele fez e até obras maiores do que as dele: ser no mundo sinal de vida abundante, testemunho profético do amor, manifestação de Deus para a vida da humanidade. No Amor e somente Nele, verdadeiramente, estamos no caminho, acreditamos na verdade, somos e vivemos. Que esta força misteriosa e maravilhosa nos impulsione desde o mais profundo de cada um de nós e nos salve nesta vida, eternizando-a!


Tiago de França

quarta-feira, 14 de maio de 2014

A pequenez e a graça de Deus

“Sabeis que os que são considerados chefes das nações as dominam, e os seus grandes fazem sentir o seu poder. Entre vós não deve ser assim. Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos” (Mc 10, 42 – 44).

        Estas palavras foram ditas por Jesus a seus discípulos quando subiam para Jerusalém. Constantemente, Jesus lhes falava da realidade da paixão como consequência lógica e natural do anúncio e da denúncia. É verdade que eles não compreendiam o que Jesus dizia. Somente depois da ressurreição é que tudo ficou mais evidente.

Mesmo assim, até hoje há os que não compreendem, colocando-se contra Jesus, apesar de afirmarem-se cristãos. Estas palavras de Jesus é um convite a todos, especialmente aos que o seguem, para abraçarem o caminho da pequenez. Vamos meditar um pouco a respeito deste caminho a partir da experiência do próprio Jesus.

            O caminho da pequenez é a estrada de Jesus, estreita e longa, pedregosa e espinhosa. É o caminho da cruz. Ao mesmo tempo em que sofre com o mundo desorganizado e repleto de injustiças, o homem de hoje procura, de todas as formas, minimizar o sofrimento. Aliviar o sofrimento não é nenhum mal. Instintivamente, toda pessoa procura remédio para sarar suas doenças, pois no interior de cada pessoa há impulsos de vida, há um desejo de viver.

Mesmo assim, em muitas circunstâncias, há uma negação oculta do sofrimento, uma fuga. Isto se revela nas diversas formas de evitar o envelhecimento e prolongar a juventude. Há certo pavor da velhice e os idosos são cada vez mais esquecidos e desprezados. Sem contar os idosos que não se reconciliam com o fato de serem idosos, buscando viver como se fossem jovens, sendo que, na verdade, não possuem mais as energias necessárias para viver no ritmo dos jovens.

Por trás desta e de tantas outras situações o que existe, verdadeiramente, é uma mania de grandeza que conduz as pessoas ao vazio existencial. Neste sentido, as pessoas não aceitam a verdade de que o ser humano é um ser frágil e limitado.  

            O ator José Wilker estava gozando de saúde e, de repente, no auge da carreira, morre. O cantor Jair Rodrigues, canta e brinca com seus fãs e manda dizer ao “Homem lá de cima” que não queria “ir pra lá tão cedo”, de repente, morre. A rede Globo homenageia o grande piloto Airton Senna que após tantas vitórias, morre.

As lembranças dos grandes momentos e feitos destes e de tantos outros seres humanos espetaculares tentam ofuscar a dura verdade da fragilidade e da finitude humana. A grandeza do ser humano é ilusória e passageira. As pessoas brilham e chegam ao topo e, posteriormente, morrem. A este brilho chamam de felicidade.

Se alargarmos nossa visão e situarmos cada pessoa na grandeza do tempo, da história e do universo, veremos que cada pessoa se parece com uma gota d’água no imenso oceano. Então, por que existem tantas pessoas querendo ocupar o centro do universo? Por que agem dessa forma? Se esteve atento ao que leu até agora, o leitor já deve ter percebido a resposta. Vamos explicitá-la melhor. É tudo muito simples.

            As notícias veiculadas cotidianamente pela mídia nos mostram que o homem atual não anda acertando muito em seu proceder. Mesmo que acertasse mais do que se equivocasse, veríamos que as lacunas continuariam existindo. É verdade que é justo e necessário o esforço para a efetivação do verdadeiro progresso do mundo.

Estrategicamente, onde está o equívoco? Todos apontam para as ambições desmedidas, explicitadas na sede de poder, prestígio e riqueza. Antes disso, parece que há outro fator determinante: o homem não aceita nem respeita os próprios limites e a própria finitude. Esta aceitação e respeito não anulam a necessidade do progresso, oriundo do aperfeiçoamento das tecnologias e outros mecanismos de efetivação do desenvolvimento do homem e da sociedade.

Este desenvolvimento, inevitavelmente, precisa observar limites. O discurso criado pelos que não respeitam limite algum é conhecido: o progresso só é possível quando não conhece limites! As manifestações da natureza são uma prova de que este discurso é falacioso. Apesar disso, o homem não se convence de que seu proceder o conduz inevitavelmente à extinção de todas as espécies de seres vivos, incluindo a si mesmo.  

            Este é o panorama atual da ausência de aceitação dos próprios limites e da própria finitude, do ponto de vista socioexistencial. As diversas abordagens filosóficas, antropológicas e históricas conduzem à síntese apresentada. Retomando a questão a partir do ponto de vista teológico, considerando a experiência de Jesus, alguns fatores também são expressivos, compreensíveis e louváveis.  

A expressividade da experiência de Jesus acontece na sua opção clara pela pequenez. Seus opositores, claramente, o consideravam um insignificante, pois se tratava de um homem totalmente despojado. Jesus não tinha poder para nada. Humanamente falando, era um impotente. Todos se perguntavam pela origem de sua autoridade, assustados e maravilhados com os sinais que realizava e com seu ensinamento.

Sua opção não goza de nenhuma obscuridade. Ele era claro e direto em suas palavras e gestos. Viveu com liberdade e autenticidade sua opção pelos pequenos e pobres. Por isso mesmo, era estimado como um grande profeta, acolhido pelos pobres e detestado pelos poderosos. O Pai o glorificou pela sua fidelidade à missão recebida, cumprida com amor, alegria e generosidade junto aos pequenos.  

            A meditação do versículo que introduz nossa reflexão não deixa dúvida: o seguidor de Jesus é chamado a ser servidor, não um chefe. A chefia não condiz com o espírito evangélico. O mestre de Nazaré não concedeu a ninguém o poder de chefiar. Os líderes religiosos não são chefes, pois na lógica do Reino de Deus deve existir a fraternidade, que é o oposto da dominação do homem pelo homem.  

Assim, abraçar o caminho da pequenez significa procurar ocupar o autêntico lugar do discípulo: o de ser servidor de todos. Para servir, o discípulo precisa se conscientizar de seus limites e de sua finitude. No reconhecimento permanente das próprias fraquezas experimenta a manifestação da graça de Deus. A graça divina não se manifesta na vida dos fortes, mas na dos fracos, fortalecendo-os. Como vimos, a opção divina, em Jesus de Nazaré, foi, é e continuará sendo pelos fracos.

Deus se fez fraco para confundir os que se julgam fortes. A verdadeira fortaleza está em Deus, plena bondade e misericórdia. Naturalmente, o homem é fraco, limitado e finito. Na liberdade de filho adotivo em Jesus, é chamado a abrir-se à ação da graça para ser, de fato, aquilo que Deus quer. E o que Deus quer é que o homem encontre a felicidade, uma felicidade sem ilusões, plena, aberta, generosa, despojada, acolhedora do outro e transformadora de si mesmo e do mundo.

            Particularmente, quando toma consciência de sua pequenez perante a grandeza de Deus, cada pessoa experimenta a liberdade verdadeira. Jamais enfrentará frustração se conhece e aceita os limites de seu proceder. Não cria tantas expectativas irrealizáveis, destituídas de possibilidades de realização. A vida se torna simples e a pessoa se encontra consigo mesma, não procurando ser outra coisa para ser feliz.

Desse modo, suas escolhas se tornam mais consistentes e a clareza destas opções liberta de toda ilusão e, consequentemente, de toda angústia. Isto não anula o espírito de procura inerente ao ser humano, mas o liberta das procuras desnecessárias. Consciente de seus limites e de sua finitude, a pessoa procura pelo essencial e neste concentra suas energias. Uma vida alicerçada no essencial encontra a felicidade. Fora do essencial, tudo é superficial, fútil, passageiro, sem vida, vazio...

            O leitor conseguiu entender que precisamos, de fato, ser o que realmente somos, na humildade e simplicidade? Percebeu que o caminho da pequenez é capaz de criar um homem novo em vista de um mundo novo? Vislumbrou a criação de um novo céu e uma nova terra, a partir da vivência do essencial? Para quem professa a fé em Jesus, o amor é o essencial na vida.

Não há vida nem salvação fora do amor. Se as invenções humanas tornam inviável o amor, então precisam ser repensadas e/ou redimensionadas. Quando o homem atual vai acordar para esta necessidade vital? Uma andorinha só não faz verão, diz o ditado; mas é verdade também que se cada um fizer a sua parte, outro mundo é possível. É preciso crer, assumir a pequenez como vocação essencial e permanecer acordado diante das próprias limitações, considerando que a vida é bela e vale a pena, pois assim como o rio corre para o mar, cada um caminha para o encontro com a origem, a fonte e o fim de toda a vida, infinito indizível e insondável, plenitude.  


Tiago de França

sábado, 10 de maio de 2014

Jesus de Nazaré: Porta das ovelhas

“Em verdade, em verdade vos digo, eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10, 7).

            Neste domingo do Dia das Mães, a Igreja Católica também celebra o domingo do Bom Pastor e o texto evangélico proposto pela liturgia é o de Jo 10, 1 – 10. Nele, Jesus aparece como a porta das ovelhas. Vamos meditar o texto à luz da fé no Cristo Ressuscitado e com os pés firmes no chão da vida.

Nossa reflexão quer oferecer algumas provocações a respeito da espiritualidade do Cristo Bom Pastor. Inevitavelmente, iremos nos dirigir não somente às ovelhas como também aos pastores de nossas Igrejas. A celebração do domingo do Bom Pastor é a celebração da vocação de todos aqueles e aquelas que atualizam na própria vida os gestos e palavras de Jesus, o Senhor e Cristo.

Entrar pela porta

            Pastor é aquele que entra pela porta, que chama as ovelhas pelo nome e as conduz e que caminha à sua frente. Estas são as atitudes do pastor ensinadas por Jesus. O que significa entrar pela porta? Quem é a porta? Jesus é a porta das ovelhas. Assim como estas, o pastor também é chamado a entrar pela porta. Passar por Jesus para chegar ao Pai.

Nas Igrejas cristãs, os líderes religiosos apresentam-se como pastores. Na Igreja Católica, no momento da ordenação presbiteral, o bispo afirma que o padre é chamado a seguir o Bom Pastor, tornando-se pastor, sendo como Jesus. Portanto, o padre é membro do povo de Deus e juntamente com o povo deve passar pela porta. Não há uma porta para os pastores e outra para as ovelhas, mas somente uma: a porta das ovelhas, e todos são chamados a passar por ela.  

            Entrar pela porta significa se tornar íntimo da pessoa de Jesus, fazendo a experiência da ovelha que é conhecida pelo seu pastor. Os líderes religiosos são ovelhas de Jesus e são chamados a escutar a sua voz. Líderes que não escutam a voz do Pastor não conseguem ser bons pastores à imagem do Bom Pastor. Facilmente, transformam-se em ladrões e assaltantes.

Nas Igrejas, os pastores não possuem rebanho, pois este é de Jesus. Assim, se não fazem a experiência de entrar pela porta acabam roubando, matando e destruindo o rebanho de Jesus. Quando forem chamados à “prestação de contas”, o que responderão ao Bom Pastor?... Os pastores não são donos das ovelhas, mas apenas cuidadores de cada uma delas, especialmente aquelas mais frágeis e as que estão dispersas. Pastores que não passam por Jesus são vazios, superficiais, vaidosos, mentirosos, portanto, ladrões e assaltantes.  

            Jesus não deu a ninguém a sua missão de ser porta. Desse modo, somente Ele é a porta. O papa, os bispos, os padres, os diáconos, os demais líderes do povo de Deus não são a porta, mas devem conduzir à porta. Neste sentido, estes líderes e os demais membros do povo de Deus são iguais, foram igualados pelo Bom Pastor: todos devem passar pela porta das ovelhas. Nenhum líder religioso deve se sentir mais importante do que os demais membros do povo de Deus. É pura ilusão, engano e pecado.  

Quando dirige o seu olhar para a grande Assembleia do povo de Deus, Jesus enxerga as ovelhas porque somente Ele é o Pastor. Não adianta o líder fazer sacrifícios, evitando o pecado e mostrando-se piedoso: aos olhos de Jesus este líder é igual às demais ovelhas do rebanho. No encontro definitivo com o Bom Pastor, não receberá tratamento especial, pois é e sempre será uma simples ovelha do Senhor.

Chamar as ovelhas pelo nome e as conduzir

            Para chamar pelo nome é preciso conhecer e para conhecer é preciso se aproximar, e para aproximar-se é preciso deslocar-se. Este é o itinerário da pastoral. Nas comunidades cristãs, geralmente, os pastores só se interessam em saber de alguns nomes e somente estes são chamados.

Os demais nomes desconhecidos, nunca são chamados. São os esquecidos da comunidade, os que são excluídos do convívio fraterno. A isto chamamos acepção de pessoas: a escolha de umas em detrimento de outras. Há um tratamento desigual. Geralmente, os nomes das pessoas financeiramente ricas são mais lembrados. Trata-se de uma mistura de acepção de pessoas com hipocrisia.

            Conduzir significa cuidar e não tornar-se o guia da comunidade. Somente um é o mestre e o guia: Jesus de Nazaré. O pastor cuida das pessoas, dando-lhes atenção. A atenção é uma forma sublime de cuidado. Enxergar o outro e tornar-se próximo. Aqui começa o exercício da misericórdia.

Pastores que somente julgam, condenam, repreendem, tratam com gritos e ameaças, na verdade, não são pastores, mas ladrões e assaltantes. Os pastores que passam por Jesus são dóceis, acolhedores, compreensivos, mansos, humildes, cheios de ternura e alegria. Os que passam por Jesus aprendem com Ele a serem misericordiosos.

Nenhum líder religioso recebeu de Jesus a missão de julgar e condenar as pessoas. Se assim procedem, agem por conta própria, desviando-se da missão recebida. No encontro definitivo com o Bom Pastor, como vão se justificar?... Certamente, haverá choro e ranger de dentes!

Caminhar à frente das ovelhas

            Significa caminhar junto com as pessoas, de mãos dadas a caminho do Pai. Junto com implica solidariedade constante, jamais aparência de caridade. Jesus, a porta das ovelhas, caminhava com as pessoas, experimentando suas alegrias e tristezas, angústias e esperanças.  

Os pastores de nossas Igrejas precisam fazer a mesma experiência: caminhar com as pessoas. Geralmente, o que ocorre é o seguinte: grande parte dos pastores se encontra com as ovelhas no culto. Alguns nem as cumprimentam, simplesmente presidem o culto e, posteriormente, desaparecem. Ninguém os vê mais! São fugitivos que evitam as pessoas, negando-se à escuta e à atenção.

Presidem o culto e retornam para a vida cômoda de suas residências. São funcionários do altar, que depois de cumprida a obrigação, retornam ao conforto de seus aposentos. Estes pastores são capazes de ir à frente das ovelhas, conduzindo-as?... Dificilmente!

A vocação de pastor nas Igrejas

            Nos seminários, onde se encontram os que se preparam para o exercício do ministério presbiteral, há muitos que não se identificam com o Cristo Bom Pastor e o motivo é claro: não querem servir, mas desejam se utilizar do ministério para serem servidos.

Vale recordar o que disse o papa Francisco, durante a homilia em uma missa na capela da Casa Santa Marta, em Roma: “Na Igreja, há pessoas que seguem Jesus por vaidade, sede de poder ou dinheiro; que o Senhor nos dê a graça de segui-lo apenas por amor”. E fazendo a todos rir, completou: “Se queres escalar o poder na Igreja, vá fazer alpinismo, é mais sadio!”

Infelizmente, não é pequeno o número dos que escalam e dos que desejam escalar o poder na Igreja. Não precisamos apresentar nenhum argumento para convencer o leitor de que estes não são pastores do povo de Deus, mas são ladrões e assaltantes, pois não entraram pela porta das ovelhas.  

            Seminaristas que almejam escalar o poder na Igreja poderiam fazer um grande favor ao povo de Deus: regressar para suas casas e procurar fazer outra coisa na vida. Basta de mercenários e mentirosos! O ministério ordenado não deveria ser lugar para homens frustrados e medrosos, que vivem fugindo do mundo e da vida.

A Igreja não precisa de funcionários do altar, mas de pastores capazes de fazer a experiência de Jesus: fazer com que todos tenham vida e a tenham em abundância! Fora disso, jamais teremos uma Igreja pobre para os pobres. Na escalada do poder não há lugar nem tempo para os pobres.

Enfim, neste domingo dedicado à oração e reflexão sobre a vocação presbiteral e consagrada, é preciso afirmar com clareza e objetividade: a Igreja precisa de pastores com coração de carne, mansos, humildes e misericordiosos, capazes de doar a própria vida no serviço ao Reino de Deus. Isto é o que Deus quer. Este é o sentido do seguimento a Jesus de Nazaré, a porta por onde todos somos chamados a passar e pela qual teremos acesso à vida plena.

E sem nos esquecermos das mães, neste dia que também lhes é dedicado, é preciso lembrar, em comunhão com Jesus, que todas são chamadas a ser, na família, na Igreja e na sociedade, pastoras do povo de Deus, geradoras da vida e da liberdade, do amor e da solidariedade. A maternidade é dom de Deus, é vocação e missão. É o próprio Deus gerando a vida no mundo. Assim, ao assumir com responsabilidade e coragem a maternidade, todas as mães participam da maternidade divina, vocação sublime e gesto concreto e permanente de amor.


Tiago de França