sábado, 3 de maio de 2014

Dom Tomás Balduíno: profeta da esperança dos pobres

           
           Nesta sexta-feira, 02 de maio, às 23h30, em Goiânia – GO, em decorrência de uma tromboembolia pulmonar, faleceu Dom Tomás Balduíno, bispo emérito da cidade de Goiás. Tinha 91 anos de idade. Morreu profeticamente lúcido. Foi um dos maiores bispos da Igreja no Brasil, dominicano comprometido com a justiça do Reino de Deus.

Muito se pode dizer a respeito de sua longa e fecunda caminhada. Certamente, muitos escreverão sobre sua trajetória. Nossa reflexão não tem cunho biográfico, portanto, o leitor poderá acessar as informações bibliográficas em outros momentos e/ou oportunidades. Queremos fazer a memória da páscoa de dom Tomás Balduíno oferecendo algumas reflexões sobre a missão do bispo na Igreja, que também é a missão de todo cristão no mundo.

O bispo, pastor dos pobres

            A biografia de dom Tomás revela que se tratava de um bispo dos pobres e para os pobres, especialmente os pobres das comunidades indígenas e camponesas. Os índios e camponeses que conviveram com ele jamais o esquecerão. Era um defensor e promotor dos direitos dos povos indígenas e do povo rural. Sua luta foi reconhecida nacional e internacionalmente, tanto na Igreja quanto na sociedade.

Os poderosos sabiam de sua coragem, de sua inteligência, do seu comprometimento e da sua ousadia. Era homem de profunda capacidade de análise e de síntese, versado na filosofia, na teologia, na antropologia e na linguística. Foi professor e autor de reflexões pertinentes. Sua teologia era essencialmente política. Entendia que a fé se manifesta na vida e que esta é o lugar da manifestação do Deus da vida e da liberdade.  

            Dom Tomás, com palavras e gestos, testemunhou o Cristo crucificado e ressuscitado junto aos pobres. Com ele, aprendemos que o lugar do pastor é no meio do rebanho. Na Igreja, o bispo é um homem do povo de Deus, faz parte deste povo e é chamado a conduzi-lo com ternura e misericórdia.

O bispo jamais poderia ser encontrado nos banquetes dos poderosos, mas nos banquetes dos pobres. Onde se encontram os banquetes dos poderosos? No centro, nos palácios, no conforto e no luxo, nos lugares reservados, nos quais somente aparecem os convidados, os semelhantemente poderosos. Onde se encontram os banquetes dos pobres? Na periferia, nas casas simples e despojadas, nos locais de difícil acesso, no desconforto da pobreza.  

            Em qual destes banquetes podemos encontrar Jesus de Nazaré? O Filho amado de Deus e Irmão dos pobres não poderia deixar de participar da alegria do banquete dos pobres para se fazer presente na superficialidade dos banquetes dos poderosos. Em Jesus, Deus fez clara opção pelos pequenos e fracos, empobrecidos e oprimidos. Toda a Escritura narra com fidelidade esta opção.  

Os bispos da corte, aqueles que se identificam com os palácios, que vivem instalados junto aos poderosos deste mundo, são chamados a fazer a opção de Jesus. Caso não façam, considerando o evangelho, podemos afirmar sem medo de nos equivocarmos: sem fazer a opção pelos pobres, que é opção fundamentalmente divina, o bispo se encontra em uma profunda contradição, vivendo longe de Jesus.

            Nenhuma teologia é capaz de nos convencer do contrário. A lógica do Reino é entendida e vivida pelos pobres. Não adiantam ideologias que tentam nos convencer de que o contrário é que é verdadeiro. Estas nada conseguem. Diante do evangelho, que não é ideologia, todas se esvaem como a fumaça carregada pelo vento.

Contra as teologias legitimadoras do poder, o evangelho é a Boa Notícia que desmascara toda mentira e toda ideologia. O bispo não deveria ser um homem do poder, contaminado pela “psicologia dos príncipes” (expressão do papa Francisco), mas são chamados a serem homens pobres entre os pobres e para os pobres. O poder episcopal só existe no serviço aos desfavorecidos. Fora disso, somente há infidelidade. Qual religioso consegue ser fiel a Jesus fora do serviço?...

A Igreja e as lutas dos pobres

            Durante os anos da ditadura militar no Brasil, juntamente com outros bispos, dom Tomás fez parte do movimento de resistência à ditadura. Os dominicanos se destacaram nas lutas pelos direitos humanos. Viveram a teologia política que ensinavam nas faculdades dominicanas. Entenderam que a vocação da Igreja é evangelizar e isto significa assumir os desafios da missão evangelizadora.

As lutas dos pobres são o lugar da Igreja no mundo. Sem participação nestas lutas, a Igreja cai, inevitavelmente, na infidelidade. As lutas dos pobres constituem o lugar no qual se encontra a presença de Deus. Isto não é nenhuma novidade para a Igreja. Esta vocação foi redescoberta no Concílio Vaticano II. Na Igreja latino-americana, tal vocação ficou explícita na Conferência de Medellín, em 1968. A novidade está em assumir este desafio: inserir-se no meio dos pobres. 

            É mais confortável viver longe dos pobres. No meio deles enxergamos as diversas formas de violência que os agride e os mata, cotidianamente. Para VER é preciso DESLOCAR-SE, atender o convite de Jesus: “Vinde e vede!” Trata-se de uma experiência exodal. Ver a partir dos diagnósticos oferecidos pelas ciências humanas nos bancos da universidade é uma coisa, ver a partir da presença cotidiana entre os pobres, outra totalmente diferente.

Nada substitui a experiência, explicitada no encontro, na escuta, na atenção, no abraço, no sorriso e na solidariedade. Esta foi a experiência de Jesus, prologada no tempo através do agir amoroso, afetivo e efetivo, de seus discípulos entre os pobres. O bispo deve assumir, com coerência e responsabilidade, a missão que lhe foi confiada: conduzir, em nome de Deus, o povo de Deus em marcha na história. Conduzir significa caminhar junto com o povo, participando de suas alegrias e tristezas, angústias e esperanças. Durante décadas, esta foi a experiência de dom Tomás, atuando no Conselho Indigenista Missionário, na Comissão Pastoral da Terra e em outros organismos eclesiais e sociais.  

O apelo dos pobres por libertação

            Em toda parte, escuta-se o clamor dos pobres. O povo sofre tribulações, perseguições e muitos morrem sem nenhuma assistência. As injustiças são inúmeras e a covardia por parte dos poderosos é visível. Estes, salvo raríssimas exceções, se aproveitam da dor dos pobres para aumentarem o seu poder, o seu prestígio e a sua riqueza. Estas injustiças precisam ser denunciadas em nome do Deus da vida e da liberdade.

Cabe à Igreja, chamada a ser missionária e servidora da humanidade, o compromisso evangélico do anúncio e da denúncia. O silêncio diante das injustiças é sinônimo de covardia e omissão. Deve-se ensinar o povo a pensar, a agir, a se organizar e a viver a mística libertadora do evangelho de Jesus. Isto fez dom Tomás junto aos pobres, pois estava convicto de sua missão de pastor do povo de Deus.  

            Portanto, se quiser se converter, não resta alternativa para a Igreja senão a de escutar o clamor dos pobres. Escutá-los significa colocar-se a seu serviço até as últimas consequências. Sem isso, de nada valem as belíssimas celebrações litúrgicas, as festas solenes dos santos e padroeiros, o cumprimento rigoroso dos rituais, os belos discursos sobre a pobreza, as campanhas arrecadadoras de alimentos e agasalhos etc. Tudo isto é belo e serve para manter certa aparência de caridade, mas a justiça do Reino é outra coisa.

A justiça do Reino acontece na luta dos povos indígenas, enfrentando os poderosos latifundiários e o governo, contra a construção da usina hidroelétrica de Belo Monte; na luta das mulheres por igualdade de direitos; dos sem-teto por moradia digna; dos sem-terra por terra e trabalho; do educador que visa conscientizar seus educandos; enfim, dos movimentos que visam à construção de outro mundo possível, no qual todos possam viver dignamente.  

            Em Roma, o papa anda falando dessas coisas. Na qualidade de papa e idoso, não pode fazer muita coisa, a não ser pequenos gestos e palavras exortativas. Sua missão é a de animar as comunidades cristãs para a vivência da justiça do Reino de Deus e confirmá-las na fé. Em Roma e nas bases há vozes discordantes, proferidas por pessoas que comungam com a ideologia do poder que oprime; vozes que acham que o papa já está falando demais, está excedendo-se.

Isto é normal, considerando que os poderosos são inimigos da autêntica fé cristã, inimigos da cruz de Jesus e amigos da corte de Herodes. Em todo tempo e lugar, cabe aos profetas permanecerem firmes na fé, na certeza de que Deus jamais os abandona, amando-os incondicionalmente.  

            Resta-nos pedir a Deus que faça surgir nas Igrejas e no mundo sempre e cada vez mais mulheres e homens capazes do anúncio e da denúncia, profetas e mártires, pessoas despojadamente doadas, livres do egoísmo, dedicadas ao serviço da libertação integral do ser humano. Bendito seja Deus, Pai de Jesus, pelo testemunho profético de dom Tomás Balduíno! Que seu testemunho seja semente para o nascimento de tantos outros, para o bem da Igreja e da humanidade.


Tiago de França 

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