Nesta sexta-feira, 02
de maio, às 23h30, em Goiânia – GO, em decorrência de uma tromboembolia
pulmonar, faleceu Dom Tomás Balduíno, bispo emérito da cidade de Goiás. Tinha
91 anos de idade. Morreu profeticamente lúcido. Foi um dos maiores bispos da
Igreja no Brasil, dominicano comprometido com a justiça do Reino de Deus.
Muito
se pode dizer a respeito de sua longa e fecunda caminhada. Certamente, muitos
escreverão sobre sua trajetória. Nossa reflexão não tem cunho biográfico,
portanto, o leitor poderá acessar as informações bibliográficas em outros
momentos e/ou oportunidades. Queremos fazer a memória da páscoa de dom Tomás
Balduíno oferecendo algumas reflexões sobre a missão do bispo na Igreja, que
também é a missão de todo cristão no mundo.
O
bispo, pastor dos pobres
A biografia de
dom Tomás revela que se tratava de um bispo dos pobres e para os pobres,
especialmente os pobres das comunidades indígenas e camponesas. Os índios e
camponeses que conviveram com ele jamais o esquecerão. Era um defensor e
promotor dos direitos dos povos indígenas e do povo rural. Sua luta foi
reconhecida nacional e internacionalmente, tanto na Igreja quanto na sociedade.
Os
poderosos sabiam de sua coragem, de sua inteligência, do seu comprometimento e
da sua ousadia. Era homem de profunda capacidade de análise e de síntese,
versado na filosofia, na teologia, na antropologia e na linguística. Foi
professor e autor de reflexões pertinentes. Sua teologia era essencialmente
política. Entendia que a fé se manifesta na vida e que esta é o lugar da
manifestação do Deus da vida e da liberdade.
Dom Tomás, com palavras e gestos, testemunhou o Cristo
crucificado e ressuscitado junto aos pobres. Com ele, aprendemos que o lugar do
pastor é no meio do rebanho. Na Igreja, o bispo é um homem do povo de Deus, faz
parte deste povo e é chamado a conduzi-lo com ternura e misericórdia.
O
bispo jamais poderia ser encontrado nos banquetes dos poderosos, mas nos
banquetes dos pobres. Onde se encontram os banquetes dos poderosos? No centro,
nos palácios, no conforto e no luxo, nos lugares reservados, nos quais somente
aparecem os convidados, os semelhantemente poderosos. Onde se encontram os
banquetes dos pobres? Na periferia, nas casas simples e despojadas, nos locais
de difícil acesso, no desconforto da pobreza.
Em qual destes banquetes podemos encontrar Jesus de
Nazaré? O Filho amado de Deus e Irmão dos pobres não poderia deixar de
participar da alegria do banquete dos pobres para se fazer presente na
superficialidade dos banquetes dos poderosos. Em Jesus, Deus fez clara opção
pelos pequenos e fracos, empobrecidos e oprimidos. Toda a Escritura narra com
fidelidade esta opção.
Os
bispos da corte, aqueles que se identificam com os palácios, que vivem
instalados junto aos poderosos deste mundo, são chamados a fazer a opção de
Jesus. Caso não façam, considerando o evangelho, podemos afirmar sem medo de
nos equivocarmos: sem fazer a opção pelos pobres, que é opção fundamentalmente
divina, o bispo se encontra em uma profunda contradição, vivendo longe de
Jesus.
Nenhuma teologia é capaz de nos convencer do contrário. A
lógica do Reino é entendida e vivida pelos pobres. Não adiantam ideologias que
tentam nos convencer de que o contrário é que é verdadeiro. Estas nada
conseguem. Diante do evangelho, que não é ideologia, todas se esvaem como a
fumaça carregada pelo vento.
Contra
as teologias legitimadoras do poder, o evangelho é a Boa Notícia que desmascara
toda mentira e toda ideologia. O bispo não deveria ser um homem do poder,
contaminado pela “psicologia dos príncipes” (expressão do papa Francisco), mas
são chamados a serem homens pobres entre os pobres e para os pobres. O poder episcopal
só existe no serviço aos desfavorecidos. Fora disso, somente há infidelidade. Qual
religioso consegue ser fiel a Jesus fora do serviço?...
A
Igreja e as lutas dos pobres
Durante os anos
da ditadura militar no Brasil, juntamente com outros bispos, dom Tomás fez
parte do movimento de resistência à ditadura. Os dominicanos se destacaram nas
lutas pelos direitos humanos. Viveram a teologia política que ensinavam nas
faculdades dominicanas. Entenderam que a vocação da Igreja é evangelizar e isto
significa assumir os desafios da missão evangelizadora.
As
lutas dos pobres são o lugar da Igreja no mundo. Sem participação nestas lutas,
a Igreja cai, inevitavelmente, na infidelidade. As lutas dos pobres constituem
o lugar no qual se encontra a presença de Deus. Isto não é nenhuma novidade
para a Igreja. Esta vocação foi redescoberta no Concílio Vaticano II. Na Igreja
latino-americana, tal vocação ficou explícita na Conferência de Medellín, em
1968. A novidade está em assumir este desafio: inserir-se no meio dos pobres.
É mais confortável viver longe dos pobres. No meio deles
enxergamos as diversas formas de violência que os agride e os mata,
cotidianamente. Para VER é preciso DESLOCAR-SE, atender o convite de
Jesus: “Vinde e vede!” Trata-se de uma experiência exodal. Ver a partir dos
diagnósticos oferecidos pelas ciências humanas nos bancos da universidade é uma
coisa, ver a partir da presença cotidiana entre os pobres, outra totalmente
diferente.
Nada
substitui a experiência, explicitada no encontro, na escuta, na atenção, no
abraço, no sorriso e na solidariedade. Esta foi a experiência de Jesus, prologada
no tempo através do agir amoroso, afetivo e efetivo, de seus discípulos entre
os pobres. O bispo deve assumir, com coerência e responsabilidade, a missão que
lhe foi confiada: conduzir, em nome de Deus, o povo de Deus em marcha na
história. Conduzir significa caminhar junto com o povo, participando de suas
alegrias e tristezas, angústias e esperanças. Durante décadas, esta foi a
experiência de dom Tomás, atuando no Conselho Indigenista Missionário, na
Comissão Pastoral da Terra e em outros organismos eclesiais e sociais.
O
apelo dos pobres por libertação
Em toda parte,
escuta-se o clamor dos pobres. O povo sofre tribulações, perseguições e muitos
morrem sem nenhuma assistência. As injustiças são inúmeras e a covardia por parte
dos poderosos é visível. Estes, salvo raríssimas exceções, se aproveitam da dor
dos pobres para aumentarem o seu poder, o seu prestígio e a sua riqueza. Estas
injustiças precisam ser denunciadas em nome do Deus da vida e da liberdade.
Cabe
à Igreja, chamada a ser missionária e servidora da humanidade, o compromisso
evangélico do anúncio e da denúncia. O silêncio diante das injustiças é
sinônimo de covardia e omissão. Deve-se ensinar o povo a pensar, a agir, a se
organizar e a viver a mística libertadora do evangelho de Jesus. Isto fez dom
Tomás junto aos pobres, pois estava convicto de sua missão de pastor do povo de
Deus.
Portanto, se quiser se converter, não resta alternativa
para a Igreja senão a de escutar o clamor dos pobres. Escutá-los
significa colocar-se a seu serviço até as últimas consequências. Sem isso, de
nada valem as belíssimas celebrações litúrgicas, as festas solenes dos santos e
padroeiros, o cumprimento rigoroso dos rituais, os belos discursos sobre a
pobreza, as campanhas arrecadadoras de alimentos e agasalhos etc. Tudo isto é
belo e serve para manter certa aparência de caridade, mas a justiça do Reino é
outra coisa.
A
justiça do Reino acontece na luta dos povos indígenas, enfrentando os poderosos
latifundiários e o governo, contra a construção da usina hidroelétrica de Belo
Monte; na luta das mulheres por igualdade de direitos; dos sem-teto por moradia
digna; dos sem-terra por terra e trabalho; do educador que visa conscientizar
seus educandos; enfim, dos movimentos que visam à construção de outro mundo
possível, no qual todos possam viver dignamente.
Em Roma, o papa anda falando dessas coisas. Na qualidade
de papa e idoso, não pode fazer muita coisa, a não ser pequenos gestos e
palavras exortativas. Sua missão é a de animar as comunidades cristãs para a
vivência da justiça do Reino de Deus e confirmá-las na fé. Em Roma e nas bases
há vozes discordantes, proferidas por pessoas que comungam com a ideologia do
poder que oprime; vozes que acham que o papa já está falando demais, está
excedendo-se.
Isto
é normal, considerando que os poderosos são inimigos da autêntica fé cristã,
inimigos da cruz de Jesus e amigos da corte de Herodes. Em todo tempo e lugar,
cabe aos profetas permanecerem firmes na fé, na certeza de que Deus jamais os
abandona, amando-os incondicionalmente.
Resta-nos pedir a Deus que faça surgir nas Igrejas e no
mundo sempre e cada vez mais mulheres e homens capazes do anúncio e da
denúncia, profetas e mártires, pessoas despojadamente doadas, livres do
egoísmo, dedicadas ao serviço da libertação integral do ser humano. Bendito
seja Deus, Pai de Jesus, pelo testemunho profético de dom Tomás Balduíno! Que
seu testemunho seja semente para o nascimento de tantos outros, para o bem da
Igreja e da humanidade.
Tiago de França
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