sábado, 7 de junho de 2014

Pentecostes: celebração da manifestação do Espírito Santo

“A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1 Cor 12, 7).

            A solenidade de Pentecostes é um convite à festa e à reflexão sobre a ação do Espírito Santo no mundo. Muito se pode dizer a respeito, mas o espaço de uma breve reflexão somente nos permite falar do essencial.  

Algumas afirmações talvez possam escandalizar, mas elas serão ditas em vista do bem comum e de uma compreensão mais lúcida da ação amorosa de Deus por meio do Espírito. Partimos daquilo que já sabemos e que não nos custa repetir: o Espírito procede do Pai e do Filho, e permanece conosco até o fim dos tempos.

O Espírito em Jesus de Nazaré

            Por meio da experiência missionária de Jesus conhecemos o Espírito, pois este o levou ao deserto e o preparou para a missão. A fidelidade de Jesus à missão dada pelo Pai é graça do Espírito. Este o assistiu durante toda a sua vida e, gradativamente, foi revelando-lhe a vontade de Deus.  

Portanto, em Jesus, a missão do Espírito foi a de mantê-lo unido ao Pai no amor, na obediência e na fidelidade ao anúncio do Reino de Deus. Jesus teve consigo a força divina para cumprir a vontade do Pai, tornando-se o Libertador de toda a humanidade, ultrapassando todas as fronteiras e limites criados pelo ser humano. Graças ao Espírito, a salvação é universal, pois, misteriosamente, esta salvação chega a todos, indistintamente.

O Espírito na Igreja primitiva

            Logo após a morte de Jesus na cruz, os discípulos se perguntavam como iriam cumprir a missão que Jesus lhes deixou: anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus. Estavam tomados de medo e confusão. Não sabiam para onde ir nem o que fazer. Jesus não estava mais pessoalmente com eles, tinha ressuscitado e ganhado uma nova dimensão. Não era mais visto como antes.  

E agora, como continuar a missão de Jesus? Não demorou muito e, de repente, veio sobre eles o Espírito de Deus, o Paráclito, prometido por Jesus. A partir daí, eles saíram do cenáculo, livraram-se do medo e se transformaram em grandes missionários da Palavra de Deus, do Verbo divino que se fez carne. O medo deu lugar à alegria do anúncio e à ousadia profética da denúncia. Eles passaram a fazer a mesma coisa que Jesus fazia: pregavam a Palavra, curavam os doentes, libertavam as pessoas de suas prisões físicas e espirituais.

            O Espírito do Senhor permaneceu com eles, fortalecendo-os e iluminando-os na missão. Eles ficavam admirados com os sinais que realizavam em nome de Jesus e com a força do Espírito. Este os mantinha no amor e na fidelidade até as últimas consequências. E o povo se alegrava e por meio dos apóstolos sentiam a presença de Jesus nas comunidades.

Era bonito de ver, mulheres e homens, pessoas simples do povo, despertando a esperança nos corações dos aflitos e atribulados, libertando-os da mentira, da ilusão e de tudo aquilo que tira a beleza da vida humana. Os apóstolos ensinavam o mandamento de Jesus: o amor que se manifesta no perdão, na acolhida, na solidariedade, na partilha, na alegria, no encontro e nos gestos transformadores da vida dos pobres.

O Espírito os guiava na empreitada e os encorajava diante dos opositores da missão. O número dos discípulos de Jesus aumentava diuturnamente e a fidelidade os levava ao martírio. Assim, alcançavam a vida plena porque lavavam suas vestes no sangue do Cordeiro.  

O Espírito na Igreja medieval e moderna

            Após um período intenso de muita perseguição, a proposta de Jesus foi se institucionalizando e tomou um rosto religioso. Jesus abriu o caminho e inaugurou o Reino de Deus, e com o passar do tempo, especialmente no período medieval, posterior à experiência eremítica dos Padres do deserto, a Igreja foi se transformando em uma instituição muito poderosa: conquistou um patrimônio material incalculável e durante séculos praticamente dominava o mundo, juntamente com os reis e imperadores.

Durante séculos, o Espírito foi totalmente esquecido e excluído da centralidade da vida da Igreja. Esta preferiu o poder, o prestígio e a riqueza, que até os dias atuais são motivos de escândalo e confusão.  

            No séc. XIII apareceu um sinal do Espírito para a conversão da Igreja, mas esta não lhe deu ouvidos. Apareceu São Francisco, em Assis, Itália. Francisco lembrou que a Igreja deve ser pobre, entre os pobres e para os pobres. Seu testemunho foi reconhecido e ele foi canonizado, mas a Igreja se recusou a praticar o mandamento de Jesus tão eloquentemente lembrado pelo pobre de Assis.  

No séc. XVI apareceu outro sinal: Lutero se insurgiu contra os abusos da Igreja e a partir daí surgiram outras experiências religiosas, que obrigaram a Igreja a reconhecer a diversidade religiosa e a fazer uma reforma em suas posturas. Após o Concílio de Trento, no séc. XVI até o séc. XX, a Igreja teve que enfrentar as novidades oriundas de um novo tempo da história: os desafios propostos pela modernidade.

Os papas deste período não se cansaram de amaldiçoar a modernidade e seus inventos. No séc. XX, após a morte do grande Pio XII, apareceu outro sinal do Espírito: chegou à cadeira petrina, em Roma, o “Papa bom”, São João XXIII. Humilde e discretamente, convocou a maior reforma da história da Igreja: o Concílio Ecumênico Vaticano II.  

Cardeais e outros grandes na Igreja se perguntavam: de onde ele tirou essa ideia maluca? Um concílio para quê? Como vamos fazer isso? Qual será o resultado dessa maluquice?... São João XXIII convocou, no concílio tomou parte, deu as diretrizes, abençoou a todos e se foi!... Corajosamente, veio o papa Paulo VI e o concluiu, festivamente.

            E agora, no início do séc. XXI apareceu outro sinal, que tem se manifestado diante de todos: um latino-americano chega à cadeira petrina. Seu nome é, corajosa e profeticamente, Francisco! Um pobre argentino em meio a lobos ferozes, que lutam dia e noite para desmoralizá-lo e impedir a missão que ele terá que cumprir antes de partir.

O Espírito está se manifestando, falando às Igrejas; está mostrando o caminho, apontando para o essencial: o Reino de Deus. As mentes e os corações mais sensíveis, que também contam com a mesma iluminação, logo percebem que, verdadeiramente, o Espírito não abandonou a Igreja Povo de Deus.

Ao Espírito não interessa a salvação das estruturas criadas pela sede de poder, mas interessa a salvação das pessoas, especialmente daquelas mais sofridas e vulneráveis, que constituem a carne de Cristo. O que ocorrerá após a partida de Francisco? Ninguém sabe, somente o Espírito do Senhor que, amorosamente, não abandona o povo de Deus em sua peregrinação rumo à plenitude do Reino.

O Espírito nos pobres e sua relação com a religião

            Durante toda a história, os pobres só tem a Deus como refúgio. À luz do evangelho de Jesus são os filhos prediletos de Deus. O Espírito é a força dos pobres em suas lutas por libertação. É aquele que os ajuda, cotidianamente, a permanecerem firmes na caminhada. O poder opressor cada vez mais forte e refinado não lhes dar sossego, mas Deus, em sua infinita sabedoria e bondade, não se cansa de amar e conceder forças aos seus filhos e filhas.  

A vida dos pobres e sua persistência são testemunhos vivos da graça de Deus. Por meio da fé em Jesus, os pobres não se deixam levar pelo desespero, mas o Espírito lhes concede o dom da esperança, que se manifesta na espera ativa. Quer aceitemos, quer não, na dinâmica divina, o Reino acontece a partir dos pobres porque esta foi a escolha divina. Deus quis se manifestar a partir dos pequenos e pobres e no Reino estes ocuparão o primeiro lugar.

            Isto deixa claro o sentido da opção que a Igreja é chamada a fazer pelos pobres. O Espírito aponta para os pobres. Se quiser se colocar no caminho de Jesus, a Igreja precisa obedecer ao Espírito. E o que este mandar fazer é: Ide aos pobres!  

As ladainhas, as orações, as invocações, as festas e tudo o que a Igreja faz com relação ao reconhecimento da presença do Espírito somente são atos válidos se promovem o encontro com os pobres. Os dons do Espírito existem em função do serviço. Fora deste, todas as liturgias perdem seu sentido, transformando-se em teatro para a satisfação do ego de seus celebrantes.

O Espírito promove o encontro com a face sofrida do outro. Se este é evitado e excluído, então não há presença do Espírito, mas apenas aparência de presença. O Espírito se revela plenamente presente quando acontece o encontro solidário entre as pessoas que procuram viver no amor.

            Consideremos, finalmente, o agir do Espírito na pessoa do crente. Ele é livre e libertador, não está preso a nada, nem a ninguém. É dom e não é comprado nem conquistado. Encontra-se no mundo, recriando todas as coisas. Acompanha a marcha da história, revelando e fazendo acontecer o Reino. Inspira e faz surgir mulheres e homens cheios do amor de Deus e da perfeita alegria.

O Espírito não é religioso, não é propriedade de nenhuma religião. Batiza aquelas pessoas abertas e disponíveis para a missão. Age com discrição e no silêncio. Não satisfaz os desejos de ninguém. Ilumina gratuitamente o pecador e repudia o puritanismo. É Deus agindo a partir de dentro de cada pessoa, fazendo-a conhecer-se cada vez mais, levando-a a entregar-se ao amor, salvando-a por todo o sempre. Pentecostes é a celebração deste Espírito libertador, invisível aos olhos da carne, visível aos olhos da fé e à linguagem do amor. É nossa vida e nosso tudo. É reconciliação e paz.  


Tiago de França

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