“A
cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum”
(1 Cor 12, 7).
A solenidade de Pentecostes é um convite à festa e à
reflexão sobre a ação do Espírito Santo no mundo. Muito se pode dizer a
respeito, mas o espaço de uma breve reflexão somente nos permite falar do
essencial.
Algumas
afirmações talvez possam escandalizar, mas elas serão ditas em vista do bem
comum e de uma compreensão mais lúcida da ação amorosa de Deus por meio do
Espírito. Partimos daquilo que já sabemos e que não nos custa repetir: o
Espírito procede do Pai e do Filho, e permanece conosco até o fim dos tempos.
O
Espírito em Jesus de Nazaré
Por meio da
experiência missionária de Jesus conhecemos o Espírito, pois este o levou ao
deserto e o preparou para a missão. A fidelidade de Jesus à missão dada pelo
Pai é graça do Espírito. Este o assistiu durante toda a sua vida e,
gradativamente, foi revelando-lhe a vontade de Deus.
Portanto,
em Jesus, a missão do Espírito foi a de mantê-lo unido ao Pai no amor, na
obediência e na fidelidade ao anúncio do Reino de Deus. Jesus teve consigo a
força divina para cumprir a vontade do Pai, tornando-se o Libertador de toda a
humanidade, ultrapassando todas as fronteiras e limites criados pelo ser
humano. Graças ao Espírito, a salvação é universal, pois, misteriosamente, esta
salvação chega a todos, indistintamente.
O
Espírito na Igreja primitiva
Logo após a
morte de Jesus na cruz, os discípulos se perguntavam como iriam cumprir a
missão que Jesus lhes deixou: anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus. Estavam
tomados de medo e confusão. Não sabiam para onde ir nem o que fazer. Jesus não
estava mais pessoalmente com eles, tinha ressuscitado e ganhado uma nova
dimensão. Não era mais visto como antes.
E
agora, como continuar a missão de Jesus? Não demorou muito e, de repente, veio
sobre eles o Espírito de Deus, o Paráclito, prometido por Jesus. A partir daí,
eles saíram do cenáculo, livraram-se do medo e se transformaram em grandes missionários
da Palavra de Deus, do Verbo divino que se fez carne. O medo deu lugar à
alegria do anúncio e à ousadia profética da denúncia. Eles passaram a fazer a
mesma coisa que Jesus fazia: pregavam a Palavra, curavam os doentes, libertavam
as pessoas de suas prisões físicas e espirituais.
O Espírito do Senhor permaneceu com eles, fortalecendo-os
e iluminando-os na missão. Eles ficavam admirados com os sinais que realizavam
em nome de Jesus e com a força do Espírito. Este os mantinha no amor e na
fidelidade até as últimas consequências. E o povo se alegrava e por meio dos
apóstolos sentiam a presença de Jesus nas comunidades.
Era
bonito de ver, mulheres e homens, pessoas simples do povo, despertando a
esperança nos corações dos aflitos e atribulados, libertando-os da mentira, da
ilusão e de tudo aquilo que tira a beleza da vida humana. Os apóstolos
ensinavam o mandamento de Jesus: o amor que se manifesta no perdão, na
acolhida, na solidariedade, na partilha, na alegria, no encontro e nos gestos
transformadores da vida dos pobres.
O
Espírito os guiava na empreitada e os encorajava diante dos opositores da
missão. O número dos discípulos de Jesus aumentava diuturnamente e a fidelidade
os levava ao martírio. Assim, alcançavam a vida plena porque lavavam suas
vestes no sangue do Cordeiro.
O
Espírito na Igreja medieval e moderna
Após um período
intenso de muita perseguição, a proposta de Jesus foi se institucionalizando e
tomou um rosto religioso. Jesus abriu o caminho e inaugurou o Reino de Deus, e
com o passar do tempo, especialmente no período medieval, posterior à
experiência eremítica dos Padres do deserto, a Igreja foi se transformando em
uma instituição muito poderosa: conquistou um patrimônio material incalculável
e durante séculos praticamente dominava o mundo, juntamente com os reis e
imperadores.
Durante
séculos, o Espírito foi totalmente esquecido e excluído da centralidade da vida
da Igreja. Esta preferiu o poder, o prestígio e a riqueza, que até os dias
atuais são motivos de escândalo e confusão.
No séc. XIII apareceu um sinal do Espírito para a
conversão da Igreja, mas esta não lhe deu ouvidos. Apareceu São Francisco, em
Assis, Itália. Francisco lembrou que a Igreja deve ser pobre, entre os pobres e
para os pobres. Seu testemunho foi reconhecido e ele foi canonizado, mas a
Igreja se recusou a praticar o mandamento de Jesus tão eloquentemente lembrado
pelo pobre de Assis.
No
séc. XVI apareceu outro sinal: Lutero se insurgiu contra os abusos da Igreja e
a partir daí surgiram outras experiências religiosas, que obrigaram a Igreja a
reconhecer a diversidade religiosa e a fazer uma reforma em suas posturas. Após
o Concílio de Trento, no séc. XVI até o séc. XX, a Igreja teve que enfrentar as
novidades oriundas de um novo tempo da história: os desafios propostos pela
modernidade.
Os
papas deste período não se cansaram de amaldiçoar a modernidade e seus
inventos. No séc. XX, após a morte do grande Pio XII, apareceu outro sinal do
Espírito: chegou à cadeira petrina, em Roma, o “Papa bom”, São João XXIII. Humilde
e discretamente, convocou a maior reforma da história da Igreja: o Concílio
Ecumênico Vaticano II.
Cardeais
e outros grandes na Igreja se perguntavam: de onde ele tirou essa ideia maluca?
Um concílio para quê? Como vamos fazer isso? Qual será o resultado dessa
maluquice?... São João XXIII convocou, no concílio tomou parte, deu as
diretrizes, abençoou a todos e se foi!... Corajosamente, veio o papa Paulo VI e
o concluiu, festivamente.
E agora, no início do séc. XXI apareceu outro sinal, que tem
se manifestado diante de todos: um latino-americano chega à cadeira petrina. Seu
nome é, corajosa e profeticamente, Francisco! Um pobre argentino em meio a
lobos ferozes, que lutam dia e noite para desmoralizá-lo e impedir a missão que
ele terá que cumprir antes de partir.
O
Espírito está se manifestando, falando às Igrejas; está mostrando o caminho,
apontando para o essencial: o Reino de Deus. As mentes e os corações mais
sensíveis, que também contam com a mesma iluminação, logo percebem que,
verdadeiramente, o Espírito não abandonou a Igreja Povo de Deus.
Ao
Espírito não interessa a salvação das estruturas criadas pela sede de poder,
mas interessa a salvação das pessoas, especialmente daquelas mais sofridas e
vulneráveis, que constituem a carne de Cristo. O que ocorrerá após a partida de
Francisco? Ninguém sabe, somente o Espírito do Senhor que, amorosamente, não
abandona o povo de Deus em sua peregrinação rumo à plenitude do Reino.
O
Espírito nos pobres e sua relação com a religião
Durante toda a história,
os pobres só tem a Deus como refúgio. À luz do evangelho de Jesus são os filhos
prediletos de Deus. O Espírito é a força dos pobres em suas lutas por
libertação. É aquele que os ajuda, cotidianamente, a permanecerem firmes na
caminhada. O poder opressor cada vez mais forte e refinado não lhes dar
sossego, mas Deus, em sua infinita sabedoria e bondade, não se cansa de amar e
conceder forças aos seus filhos e filhas.
A
vida dos pobres e sua persistência são testemunhos vivos da graça de Deus. Por
meio da fé em Jesus, os pobres não se deixam levar pelo desespero, mas o
Espírito lhes concede o dom da esperança, que se manifesta na espera ativa. Quer
aceitemos, quer não, na dinâmica divina, o Reino acontece a partir dos pobres
porque esta foi a escolha divina. Deus quis se manifestar a partir dos pequenos
e pobres e no Reino estes ocuparão o primeiro lugar.
Isto deixa claro o sentido da opção que a Igreja é
chamada a fazer pelos pobres. O Espírito aponta para os pobres. Se quiser se
colocar no caminho de Jesus, a Igreja precisa obedecer ao Espírito. E o que
este mandar fazer é: Ide aos pobres!
As
ladainhas, as orações, as invocações, as festas e tudo o que a Igreja faz com
relação ao reconhecimento da presença do Espírito somente são atos válidos se promovem
o encontro com os pobres. Os dons do Espírito existem em função do serviço.
Fora deste, todas as liturgias perdem seu sentido, transformando-se em teatro
para a satisfação do ego de seus celebrantes.
O
Espírito promove o encontro com a face sofrida do outro. Se este é evitado e
excluído, então não há presença do Espírito, mas apenas aparência de presença. O
Espírito se revela plenamente presente quando acontece o encontro solidário
entre as pessoas que procuram viver no amor.
Consideremos, finalmente, o agir do Espírito na pessoa do
crente. Ele é livre e libertador, não está preso a nada, nem a ninguém. É dom e
não é comprado nem conquistado. Encontra-se no mundo, recriando todas as
coisas. Acompanha a marcha da história, revelando e fazendo acontecer o Reino.
Inspira e faz surgir mulheres e homens cheios do amor de Deus e da perfeita
alegria.
O
Espírito não é religioso, não é propriedade de nenhuma religião. Batiza aquelas
pessoas abertas e disponíveis para a missão. Age com discrição e no silêncio.
Não satisfaz os desejos de ninguém. Ilumina gratuitamente o pecador e repudia o
puritanismo. É Deus agindo a partir de dentro de cada pessoa, fazendo-a
conhecer-se cada vez mais, levando-a a entregar-se ao amor, salvando-a por todo
o sempre. Pentecostes é a celebração deste Espírito libertador, invisível aos
olhos da carne, visível aos olhos da fé e à linguagem do amor. É nossa vida e
nosso tudo. É reconciliação e paz.
Tiago de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário