Iniciamos o mês de
julho falando da liberdade no mundo atual. O problema da liberdade na
pós-modernidade na perspectiva cristã (cf. o artigo “A liberdade em tempos pós-modernos”, em nosso blogue COM JESUS NA
CONTRAMÃO na Internet) constitui tema complexo a respeito do qual há uma
literatura muito vasta, com muitos acertos e equívocos a serem considerados.
Achamos por bem continuar aprofundando o tema da liberdade, referindo-o com
algumas experiências humanas. A liberdade não é pura abstração, mas experiência
que acontece no mundo, em meio às forças que o dominam.
Antes
da presente reflexão, já discorremos sobre a liberdade na vida mística, no
artigo “A liberdade dos místicos”,
que também pode ser lido em nosso blogue acima mencionado. Agora vamos falar,
em linhas gerais, mas tentando atingir o núcleo de sentido do tema, sobre a
liberdade na experiência afetiva do namoro. Nossa reflexão será dividida em
três momentos: um possível conceito de namoro nos dias atuais, os obstáculos à
liberdade no namoro e como experimentar a liberdade no namoro. Tentaremos ser o
mais breve possível e, neste sentido, nos utilizaremos de expressões
afirmativas claras, concisas e objetivas. Nossa reflexão quer ser uma palavra
de apoio e incentivo aos jovens, a fim de que possam se abrir cada vez mais à
experiência do namoro, necessária no processo de crescimento humano das
pessoas.
Um
possível conceito de namoro nos dias atuais
No passado, o
namoro era visto como caminho para o casamento. Era uma experiência orientada
pelo compromisso. Estabeleceu-se,
tradicionalmente, a ideia de que os casais devem namorar, noivar e casar. Além
disso, a religião confirmava estas experiências com duas orientações
consideradas quase como “dogmáticas”: considerando a Bíblia, o homem deve
procurar uma mulher para, unindo-se a ela, formarem uma só carne. É o que
ensina o relato bíblico do Gênesis.
Assim,
a doutrina cristã não aceita que pessoas do mesmo sexo façam a experiência do
namoro, do noivado e do casamento. A respeito da questão de namoros, noivados e
casamentos homoafetivos discorreremos em outro momento, para não perdermos o foco
de nossa reflexão, mas esta também se dirige aos casais homoafetivos. Uma segunda orientação tradicional é a
seguinte: sexo somente depois do casamento! Ambas as orientações são duramente
questionadas desde algumas décadas, principalmente após a revolução sexual de
maio de 1968, ocorrida na Europa.
As condutas afetivas que não se orientam pelos preceitos
da moral sexual tradicional são consideradas condutas desviadas. Apesar das resistências, católicos e
protestantes se mantém firmes: não ao sexo antes do casamento, não ao uso de
preservativos, não às relações homoafetivas! E a realidade presente dentro e
fora das denominações religiosas, o que diz? A realidade que muitos se recusam
a enxergar é oposta ao que ensina a moral sexual tradicional: dentro e fora das
Igrejas cristãs, as pessoas experimentam o sexo antes do casamento, usam os
métodos anticoncepcionais e vivem experiências homoafetivas.
Então,
o que dizer? O que fazer? Como sustentar uma moral que já não corresponde aos
tempos pós-modernos? Pode esta moral ser revista, atualizada, relativizada,
abandonada de uma vez por todas? São questões que afetam a todos, mas
principalmente aos jovens. Noutra ocasião iremos discorrer a respeito da moral
sexual tradicional, tema complexo que exige a nossa atenção. Retornemos ao que
nos propusemos fazer neste tópico: um possível conceito de namoro em nossos
dias.
Não é nenhuma novidade a afirmação de que hoje não se
namora mais como antigamente. Pais e mães ficam preocupados e escandalizados
com a forma dos jovens namorarem nos dias atuais. Alguns reagem energicamente,
adotando a superproteção, impedindo o que consideram situações excessivas. Outros
liberam e permitem até certo ponto, para ver até onde chegam os próprios
filhos. Outros, ainda, desconhecem totalmente o namoro dos filhos, não sabendo
o que se passa. O fato é que há um conflito ideológico e vivencial entre
gerações diferentes. Daí surge diversos tipos de violências e repressões, assim
como, na maioria dos casos, muita permissividade que acarretam graves
consequências para os casais de namorados, suas famílias e para a sociedade.
“Antigamente, a
gente namorava só se olhando, nem podia se tocar. Hoje em dia está essa falta
de vergonha! Se a gente deixar, transam na nossa frente!” Esta é a queixa
geral de muitos pais tradicionais, preocupados e escandalizados. Pais e mães
mais reciclados adotam posturas bastante avançadas, preferindo que os filhos
namorem dentro de casa, junto deles. Sabendo que os filhos experimentam o sexo
no namoro, então permitem que o façam em casa mesmo. Estes casos ainda podem
ser considerados raros. A grande maioria dos casais de namorados vive a
seguinte experiência: transam, mas não falam para os pais e estes sabem que
isto acontece, mas preferem não perguntar. Pais e filhos conseguem, desse modo,
viver sem grandes conflitos, pois já se encontram na etapa da aceitação da
realidade.
Falar em namoro significa falar de compromisso. Esta não
é uma ideia tradicional. O compromisso é inerente ao namoro, pois através dele
os casais adquirem a virtude da fidelidade.
Sem compromisso não há fidelidade. Esta é uma verdade inquestionável. A
experiência mostra que somente os que se sentem realmente comprometidos
conseguem ser fiéis. Com o passar do tempo, apareceu aquilo que podemos
considerar como o oposto do namoro: o famoso “ficar”. É um ficar que não permanece!
Na
linguagem dos adolescentes e jovens atuais, há dois tipos de “ficar”: no
primeiro, as pessoas somente se encontram para conversar e podem existir
abraços e beijos; no segundo, acrescenta-se o ato sexual. Geralmente, transa-se
com desconhecidos! Muitas vezes, as pessoas nem se recordam do nome com as
quais transaram! Os métodos anticoncepcionais facilitam estas experiências
momentâneas de prazer. Muitas vezes, não são utilizados! E há toda uma
ideologia que induz as pessoas a pensarem e afirmarem a normalidade e a
naturalidade deste tipo de experiência.
Como
não há compromisso, então o número de relações sexuais e de parceiros, às
vezes, chega a ser assustador! Numa linguagem simples e direta podemos afirmar
categoricamente: os que procuram somente “ficar” estão à procura somente de
sexo sem sentimento algum, procuram pela “carne” e não pelo coração!
O namoro é outra coisa. Namoro é experiência a dois, é
convivência e caminho de crescimento, de autoconhecimento e de conhecimento do
outro. É sentir-se atraído pelo outro e abrir-se à experiência do encontro. Não
se trata de mero encontro, mas daquele encontro que preza pela valorização do
outro. No namoro, os casais experimentam o amor, que se desdobra na acolhida e
na compreensão recíprocas, no companheirismo e na doação.
No
“ficar” não existe nada disso. No namoro há a descoberta progressiva dos
sentimentos, do modo de ser outro, de suas reais intenções, de suas
perspectivas para o futuro e do estabelecimento da confiança. É no namoro que
os casais aprendem a virtude da confiança.
Querer o bem do outro para viver a felicidade: eis o sentido da doação. Esta exige dedicação e harmonia,
respeito e liberdade. Tudo isto vivenciado na reciprocidade corresponde ao autêntico namoro.
Os
obstáculos à liberdade no namoro
Uma só palavra
resume com clareza e objetividade todos os obstáculos à liberdade no namoro: apego. Não me canso de afirmar algo que
continua escandalizando muita gente: de modo geral, as pessoas não se amam, mas
apegam-se, reciprocamente. Se pararmos para observar com atenção a
situação de inúmeros casais, é isto que acontece: apegam-se de forma violenta e
doentia, pensando que estão experimentando o amor. Então, qual a diferença
entre o apego e o amor? A diferença é simples, o problema é que as pessoas não
aceitam.
No apego, as pessoas são possessivas e egoístas. Apoderam-se umas das outras e se sufocam.
Este apoderar-se dar à luz ao ciúme. Querer o outro somente para si, como se
fosse um objeto de desejo e de mera satisfação. Há certa coisificação do outro.
Ter o outro na palma da mão como um objeto qualquer. Nas rodas de conversa das
mulheres possessivas e egoístas a conversa gira em torno da ideia de que o
homem tem que se controlado. Os homens possessivos e egoístas pensam e agem do
mesmo modo.
Mulheres
e homens egoístas vivem uma relação a dois, mas pensando somente em si mesmos e
nos próprios interesses. Usam do outro para o próprio benefício. São namoros de
aparência, que visam somente à satisfação mesquinha dos interesses pessoais e
dos próprios desejos. Usar do outro para alcançar os próprios objetivos é o
segredo dos egoístas. Assim sendo, há amor nos relacionamentos marcados pelo
espírito de posse do outro e pelo egoísmo? Jamais! Onde há posse e egoísmo não
há amor, mas apego violento e doentio. Neste tipo de relacionamento as pessoas
vivem uma violência recíproca, alicerçada num desrespeito à dignidade do outro.
No apego há muita insegurança,
um medo de perder o outro. Por que medo de perder? Porque o outro é objeto.
Pessoas apegadas sentem medo de perder suas posses. Neste sentido, a perda do
outro é sinônimo de desespero e de frustração, não por causa do amor, mas
porque o outro não poderá ser mais objeto de satisfação e de desejo.
Libertou-se!
Na
relação de casais apegados, somente há sofrimento acompanhado de algumas doses
de prazeres momentâneos. Ao invés de alegria, há muita tristeza e angústia. Somente
os que experimentam o amor são capazes de sentir a alegria e a felicidade. O
egoísmo, a posse e os interesses tiram a alegria das pessoas. Se há sorrisos e
belas fotografias, tudo não passa de aparência de felicidade. Esta continua
sendo desconhecida por muitos.
Casais inseguros vivem numa vigilância recíproca e doentia. Onde o outro está? O que anda
fazendo? Será que estou sendo traído/a? A confiança morre sufocada. A
expectativa da traição atormenta a mente dos casais inseguros. Não há
estabilidade emotiva, mas tensão e desgaste. As trocas de acusações e o
descontrole tomam conta.
Não
há meios para reencontrar a unidade e a paz porque a base fundamental, aquilo
que sustenta a relação não é o amor, mas o egoísmo. Quando há amor, até a morte
é superada. O amor ultrapassa as fronteiras demarcadas pela morte. O amor vence
a morte. Somente o amor é capaz de superar os limites de tempo e espaço. As
pessoas que amam de verdade vivem no espaço e no tempo, mas os ultrapassam.
Isto explica porque os relacionamentos duram tão pouco.
Não há amor para superar os limites da personalidade. O namoro é uma experiência amorosa que acontece entre seres humanos,
marcados pelas virtudes e pelas imperfeições. Somente através do amor os
casais aprendem a lidar com as imperfeições e as dificuldades que surgem com o
passar do tempo. Quem não aprende a superar as dificuldades jamais saberá o que
significa a felicidade. Esta não é estado de perfeição, mas experiência humana.
O
que faz a maioria dos casais de namorados diante das dificuldades? Simplesmente,
fracassam. São frágeis, não tem consistência, nem constância, nem perseverança.
Não há esforço, recusam-se à compreensão. Na verdade, não levam a sério o
sentimento do outro. Em muitos casos, este é descartado friamente. Quando há
amor, o outro é pessoa e nenhuma pessoa pode ser descartada. Pessoa é projeto
de vida, possui dignidade. Quando há apego, o outro é passível de manipulação.
Não há sentimentos profundos. Assim, pode ser descartado, passando para as
memórias amargas da existência particular.
Quem ama nunca perde tempo na vida. Não há tempo perdido
no amor. Perde o tempo e as energias aqueles que se apegam. Estes se desgastam
e são infelizes. A vida é única e irrepetível, portanto, quem ama está ganhando
a vida, está crescendo, está descobrindo-se, tornando-se cada vez mais pessoa. Os
que se entregam ao apego tornam a vida amarga, pesada, tediosa, fria, sem
sentido, vazia.
A
cegueira que toma conta de suas vidas é tão violenta que são incapazes de
enxergar o abismo em que estão submetidas. Desconhecem a alegria, a leveza da
vida e a felicidade. Até desejam ser felizes, mas não tem coragem. Preferem a
mesquinhez, o isolamento no mundinho da ilusão e da mentira. E a liberdade?
Está longe, é coisa de outro mundo. Pessoas egoístas tem medo da liberdade,
pois preferem sobreviver no apego de si mesmas e dos outros. Experimentam a
egolatria (autoadoração) e a idolatria (criam ídolos para si mesmos, a fim de
sobreviverem à infelicidade).
Como
experimentar a liberdade no namoro
O tópico
anterior revela o caminho da liberdade: o
desapego. Este último tópico é o mais simples de todos porque a liberdade é
simples de se viver. É um desafio possível. Sem desapego não há liberdade.
Os casais de namorados são chamados à liberdade, e esta só lhes será possível
se abraçarem o caminho do desapego. Como isto acontece? É simples, basta
querer. Despojar-se de ambições desmedidas, de interesses mesquinhos, da
pretensão de transformar o outro em objeto de desejo e satisfação. Este é o
caminho. Caso seja abraçado pelos casais, muitos conflitos deixarão de existir.
Não
haverá necessidade da mentira, da falsidade nem da ilusão. O apego gera
desilusão porque os casais apegados vivem na ilusão e não no amor. O amor não
ilude ninguém, pois é verdadeiro e libertador. Desapegar-se de si próprio, das
manias de grandeza (achar-se e querer ser mais importante demais em relação aos
outros) e das próprias imagens para viver a autenticidade. Geralmente, as
pessoas fazem uma imagem de si mesmas e procuram vendê-la nos mercados da vida.
Quem
se apaixona por tais imagens encontrará a desilusão e a frustração porque a
verdade da pessoa vai se revelando aos poucos. Ser verdadeiro é isto: buscar
ser aquilo que se é, sem máscaras, na verdade e na liberdade. Infelizmente, o
que ocorre na realidade atual é que as pessoas falsas e mentirosas são mais bem
aceitas do que as que procuram ser autênticas. A mentira anda tomando espaços
assustadores na vida dos seres humanos e estes se acostumam à mentira;
facilmente transformam mentiras em verdades. Para não ser mentira, a verdade precisa corresponder à realidade. O
grande desafio é enxergar a realidade. Quem não enxerga a realidade não conhece
a verdade. Como se vê, tudo é muito simples.
Por fim, consideremos uma última questão pertinente à
vida dos casais de namorados: E o sexo, pode antes do casamento? Certamente, os
católicos mais tradicionais não concordarão com nosso posicionamento, mas cada
um é livre para concordar ou não. Vale a liberdade de pensamento e de expressão
a respeito desta e de todas as questões.
Considerando
a realidade na qual vivem os casais de namorados em nossos dias, somos
contrários à insistência das Igrejas. O mais importante na vida amorosa dos
casais não é a relação sexual. A Igreja católica, mais do que as demais Igrejas,
tende a dar ênfase excessiva à proibição da relação sexual, deixando de lado
outros aspectos importantes na vida destes casais. A relação sexual não é o
absoluto do relacionamento, apesar da tendência de muitos casais jovens caírem
nesta perigosa tentação de absolutização do sexo.
Desse modo, quando um casal de namorados vive uma relação
estável, pautada no amor, no respeito, na amizade e na liberdade, a relação
sexual não é nenhum problema, ou pecado. Este casal não está namorando em vista
da relação sexual, mas esta ocorre naturalmente, sem pressões, sem violência,
com respeito e liberdade. Quando as relações sexuais se transformam no objetivo
do namoro, o casal logo desiste da relação porque cai num vazio inevitável. O
ser humano vive somente de sexo!
O
ato sexual, criado por Deus, está
para a felicidade das pessoas. Nas relações estáveis e sadias, não é ato imoral
porque não se trata do ato pelo ato, mas da entrega harmoniosa e fecunda de
corpos envolvidos por um sentimento que é pura vida e liberdade. Aí, sim, a
relação sexual é legítima e em muitos casos necessária. Nas Igrejas, muitos
jovens preferem adiar a relação sexual para depois da cerimônia nupcial.
Trata-se de uma escolha. Quando não é escolha, é imposição. Adiar a relação
sexual, reprimindo violentamente os desejos somente em função da obediência à orientação
da moral sexual estabelecida pelas Igrejas não é liberdade, e não faz bem a
ninguém. Não sendo liberdade, não é castidade, mas escravidão.
A
radical proibição gera efeitos opostos ao ensinamento central da moral sexual.
As Igrejas dizem não e os jovens dizem sim! O caminho é o da moderação e do
diálogo, pois o ser humano não dar conta de proibições radicais, principalmente
em matéria sexual. E quando estudamos a moral sexual das Igrejas e observamos o
testemunho de muitos de seus membros, tudo resulta em moralismo. A contradição
entre doutrina e prática causa descrédito e os jovens enxergam muito bem tal
contradição. O moralismo é imoral (na maioria dos casos esconde práticas
imorais) e causa imoralidade! É o que vemos acontecer no seio das Igrejas e da
sociedade hodierna. A religião deve ser um instrumento de libertação integral da
juventude e não de repressão de seus desejos e sonhos.
Tiago de França