domingo, 31 de agosto de 2014

O seguimento de Jesus e a religião cristã (por ocasião do mês vocacional)

“Eu vos dou um mandamento novo: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13, 34 – 35).

Amigos e amigas, irmãs e irmãos em Jesus de Nazaré, o Cristo,

Graça e paz!

            Anualmente, no mês de agosto, a Igreja católica faz uma reflexão sobre o tema da vocação. Reflete-se sobre a vocação dos leigos, dos presbíteros e dos/as religiosos/as. Aproveitando a ocasião, costumo enviar às comunidades e amigos com os quais tenho contato algumas reflexões com o objetivo de ajudar a aprofundar o tema. Não iremos refletir sobre as chamadas vocações específicas (vocação do padre e dos/as religiosos/as). 

Uma indagação norteará nossa reflexão, a saber: Por que caímos na tentação de separar fé e vida? Nosso objetivo é, a partir do tema proposto, “O seguimento de Jesus e a religião cristã”, inspirados na citação joanina acima descrita, convidar cada um para responder pessoalmente, para si mesmo, com sinceridade e verdade, esta indagação norteadora de nossa reflexão.

            Qual a motivação para nossa escolha do tema? Quando paramos para observar com atenção a realidade religiosa do Brasil, a partir da realidade em que vivemos – nossas dioceses, paróquias e comunidades – , logo enxergamos um abismo crescente entre a fé que as pessoas afirmam possuir e a realidade social que as rodeia. Simultaneamente, cresce o número das denominações religiosas e a corrupção nas relações interpessoais e nas instituições.

Há uma profunda e escandalosa contradição entre a fé professada nos templos religiosos e o cotidiano da vida das pessoas. Não estamos defendendo uma fé utilitarista, mas queremos explicitar a fé autêntica, que se revela na vida prática. Qual o efeito da fé professada nas Igrejas? Esta pergunta não é enfrentada pela maioria dos cristãos porque sua resposta envergonha os cristãos perante o mundo. 

            Qual a utilidade de práticas religiosas que não tem incidência no cotidiano da vida das pessoas? O que tem levado a maioria dos cristãos a procurar as Igrejas é a pura satisfação de suas necessidades e desejos: procuram curas, dinheiro, trabalho, tranquilidade, paz interior, prosperidade etc. Deus é considerado a solução para os problemas humanos. Outros, ainda, procuram o culto por tradição: a frequência ao culto passa de geração em geração. A participação é mecânica, ou seja, as pessoas saem dos templos praticamente da mesma forma que entraram: sem ter compreendido nada!

Tomaríamos um susto se perguntássemos às pessoas os motivos que as levam ao templo. Poucas ofereceriam uma resposta convincente e digna de um cristão adulto na fé. Alguém poderia perguntar: Qual sentido de se saber das razões da fé? Podemos responder perguntando: Qual o sentido duma fé que não tem razão de ser? Isto explica o fenômeno curioso que assola o cristianismo atual: há uma multidão de pessoas que não sabe o que fazer com a fé que julgam ter. Na verdade, afirmam ter fé e desconhecem seu conteúdo.

            Apesar da confusão e da dispersão, o Espírito do Senhor nos assiste em nossa falta de fé. O que salva o cristão é o fato de Deus ser infinitamente misericordioso e fiel: Ele jamais abandona seus filhos e filhas. Estamos vivendo numa época carente de profetas. O cristianismo não passa bem sem os profetas. Estes recebem de Deus a missão de apontar o caminho que conduz a Deus, de recordar à Igreja de sua missão no mundo, de gritar a necessidade da fidelidade ao amor de Deus. Vivemos a escassez de profetas. É verdade que existem, mas não são escutados. Isto não é nenhuma novidade. A tradição cristã ensina que a profecia sempre é resistida. Há muitas resistências na escuta dos profetas.  

Apesar disso, eles não param de anunciar o Reino e denunciar as forças do anti-Reino. Estas forças estão presentes nas Igrejas e no mundo: são forças de destruição e morte do ser humano e da natureza. Inúmeras pessoas e instituições encarnam na história estas forças. Elas ceifam a vida, impiedosamente. Os profetas as denunciam e até eles mesmos não escapam das suas consequências mortíferas.

A morte do profeta não é um sacrifício pessoal a Deus, mas é consequência da sua ação no mundo, de sua fidelidade à missão recebida até as últimas consequências. Neste sentido, é urgente que a Igreja assuma, definitivamente, sua missão profética no mundo. E o caminho é perigoso e conhecido: entrar na fileira dos excluídos para ser força na sua libertação integral.

            Agora observe o lugar em que você se encontra. Olhe as pessoas que convivem com você. Observe sua cidade, seu bairro, sua casa. Procure por Jesus. Ele está presente na pessoa do outro. Se você vai ao templo rezar, receber a Eucaristia, louvar e bendizer a Deus, isto é bom. Se ao sair do templo você julga e condena as pessoas, desprezando-as, sentindo-se melhor e mais santo que elas, cuidado! Sua religião é falsa e mentirosa. Suas preces não chegam ao coração de Deus. Ele as rejeita porque é verdadeiro e está sendo rejeitado no outro que você trata com indiferença.  

A conversão da Igreja a qual você faz parte pelo batismo depende de você. Você é Igreja. Com suas palavras e gestos, de amor e acolhida do outro, ajude a convertê-la. Abra a sua boca e denuncie as injustiças, começando pelas que acontecem na sua família. Anuncie o amor, amando o próximo, especialmente aquele que lhe causa repugnância. Liberte-se do egoísmo, abra-se às pessoas, não espere que elas venham ao seu encontro.

Olhe para o outro com ternura e misericórdia. O outro pecou contra você? E você, pecou contra quem? Diante de Deus você é igual à pessoa que você julga. Deus quer acolher vocês na mesa do Reino, indistintamente. Seja você mesmo, transpareça-se. Fale a verdade e elimine a mentira. Procure a paz e vá com ela em seu caminho. Assim, você estará, de fato, conhecendo e seguindo Jesus.

            Os três parágrafos anteriores constituem um convite a uma séria revisão de vida. O mundo precisa mais de cristãos do que de pessoas que vivam defendendo identidade religiosa. Ninguém será salvo por pertencer à religião, mas o será porque se tornou discípulo de Jesus em meio às trevas deste mundo. Isto é vocação: ser chamado por Deus e responder a seu apelo com alegria, disposição e generosidade. O amor é a marca do cristão, é seu distintivo. Somente se tivermos amor uns pelos outros é que somos, de fato, seguidores de Jesus. Fora do amor não há seguimento, mas aparência, ilusão e mentira. Rogo a Deus que continue nos assistindo com sua graça, a fim de que nossa resposta ao seu apelo de amor seja, afetiva e efetivamente, uma realidade constante e transformadora.

            Recomendo-me às vossas preces, na certeza de que as faço por vocês.

            Fraternalmente, no Senhor ressuscitado,

Tiago de França 

sábado, 30 de agosto de 2014

Seguir Jesus hoje

“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la” (Mt 16, 24 – 25).

            Estas palavras de Jesus são fortes. Feliz a pessoa que as observar, pois encontrará a verdadeira vida! Jesus está falando das exigências do seguimento. Muitas pessoas desejam segui-lo, mas poucas conseguem. Algumas pensam que estão seguindo Jesus sendo fieis aos preceitos religiosos. Estes não conduzem, necessariamente, ao caminho de Jesus. Não deveria haver confusão entre este caminho e a religião. São duas realidades distintas. Os textos evangélicos mostram Jesus falando de um caminho, não de uma religião. Quando esta aparece, ele a critica duramente.

Se alguém quer me seguir...

            É um convite universal. Ninguém está excluído do chamado ao seguimento de Jesus. Seu caminho é aberto, estreito e pedregoso. Nele não há ilusão nem falsas promessas. As pessoas se decidem, livremente. Ninguém é forçado a nada. Há um profundo respeito ao ritmo e ao jeito de cada pessoa. O importante é permanecer firme, perseverar. A perseverança é dom de Deus e virtude dos peregrinos que se colocam no caminho de Jesus. Há tantos que desanimam, que se perdem, que se desviam, que não suportam...

Não se trata de “se alguém quiser me adorar”. Adorar é fácil, basta professar com a boca, como a maioria faz. Há uma exposição gigantesca de Jesus nas Igrejas. Há gritos e louvores e preces, incenso e vestes solenes, música e teatro. Tudo parece muito belo e causa arrepios. Isto não é seguimento, mas adoração de Jesus. Há muita religião pra pouco seguimento. Isto parece que não agrada a Deus.

...renuncie a si mesmo...

            Renunciar não é maquiar, nem fazer-se de conta. Isto se chama mentira, falsidade. O caminho de Jesus exige decisão. Não se pode ser morno. Este acomoda, dá sono, cega e ensurdece. Ficar em cima do muro é pecado. Com Jesus não existe neutralidade. Para ele, neutralidade é covardia, coisa de gente frouxa, medrosa. Renunciar a si mesmo é atitude de poucos. Não significa autoaniquilamento! Isto seria masoquismo. Crítica barata de gente que se diz ateia. 

Renunciar a si mesmo é assumir a condição de ser humano, é procurar ser plenamente humano. É renunciar ao egoísmo e à indiferença e entregar-se ao amor. Pessoas egoístas e indiferentes passam toda a sua vida procurando satisfazer seus desejos, vontades e interesses. Quem assim procede está longe, mas muito longe do caminho de Jesus. Infelizmente, é grande o número dos que procuram o culto religioso para somente reforçar este espírito de egoísmo e indiferença. Isto não é cristianismo, mas coisa de satanás! O que as pessoas procuram? Desejam, ardentemente, e procuram, incansavelmente, o poder, o sucesso e o dinheiro; ao mesmo tempo em que procuram, também, legitimidade na religião, aparentando piedade, zelo e amor ao próximo. Coisa de satanás!

...tome sua cruz...

            Há dois extremos a serem evitados quando se fala da cruz no seguimento a Jesus: o primeiro significa transformá-la em prática masoquista. Neste sentido, seguir Jesus é tão somente sofrimento e morte. É o que escutamos nas pregações nas quais aparece um Cristo sem ressurreição. Há somente a sexta-feira da paixão e nunca a páscoa. Segundo, os neopentecostais, em todas as Igrejas, inclusive na Igreja católica, distorcem a teologia da cruz.

Basta escutar a pregação da Comunidade Canção Nova e logo se entenderá o que estamos afirmando. Prega-se uma cruz sem causa, um Cristo sem o Reino de Deus. Para eles, Jesus morreu porque estava escrito que devia morrer. Deus Pai planejou e executou tudo. Tal teologia, que remonta à idade medieval, continua vigorando. Como crer neste Cristo? É simples. Basta olhar para sua imagem na cruz e chorar amargamente o peso dos próprios pecados. Dar graças a Deus pelo sangue preciosíssimo de Jesus, que tem poder para lavar o pecado das almas.  

Assusta-nos ver a conivência da maioria em relação a este tipo de coisa, que não tem nada que ver com o evangelho. Tomar a cruz é entrar no caminho de Jesus. Ao ingressar no caminho logo se sente o peso da cruz: incompreensões, perseguições, calúnias, difamação, torturas, morte. Não se trata de mero sofrimento, nem de morte gratuita, mas de sofrimento e morte que acontecem na adesão ao Reino de Deus. É participação na mesma sorte de Jesus. Não é sofrer por causa do apego ao dinheiro, ao sucesso e ao poder.  

...quem quiser salvar sua vida vai perdê-la...

            Quem são os que querem salvar suas vidas? Geralmente, são aquelas pessoas que almejam o que chamam de felicidade. Procuram conforto. Tal procura é pecaminosa? Deus não nos quer ver bem? O evangelho é sinônimo de derrotismo, fracasso, miséria? Estas perguntas são queridas por aqueles que procuram justificar seus apegos e procuras. De fato, Deus quer que sejamos felizes e vivamos bem, mas ser feliz e viver bem não são sinônimos de apegos e procuras pelo que é supérfluo.  

Quanto mais apegada for uma pessoa, mais está procurando cada vez mais. Sua sede é insaciável. E o pior é que a vida do outro e, consequentemente, a fraternidade são totalmente ignoradas. Há uma busca desesperada pelo “ser alguém na vida”. Em outras palavras, as pessoas querem grandeza, prestígio, querem dominar as mais frágeis. Ninguém quer perder, e/ou ser pequeno. A lógica do mundo está em ganhar, crescer, brilhar, aparecer, gozar infinitamente. Tudo em nome do que chamam de felicidade, que por si mesma é falsa. Há até um dito popular que tenta legitimar esta triste situação: “Cada um por si e Deus por todos!” É assim que as pessoas procuram salvar sua vida. Na verdade, estão perdendo-a.

... e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la.

            Perder a vida por causa de Jesus é doá-la a favor do outro. No mundo do “salve-se quem puder!”, Jesus ensina o dom da fraternidade. Ser fraterno é renunciar aos próprios interesses e buscar o bem comum. Ser fraterno é deixar de preocupar-se consigo mesmo e abrir-se ao encontro com o outro. É ser como Jesus, não o imitando, mas agindo como ele agiu, amando como ele amou, na gratuidade e na liberdade. Somente assim, somos felizes e salvos. A salvação oferecida por Deus em Jesus e no Espírito acontece na fraternidade. Sejamos, pois fraternos. Aprendamos com Jesus a viver como irmãos, sendo verdadeiramente humanos. E a religião tem este papel: ajudar as pessoas a serem fraternas e humanas, libertando-se do egoísmo e da indiferença; do contrário, não exerce fielmente a sua missão no mundo, transformando-se em um desserviço à humanidade.

Tiago de França 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Aécio Neves do PSDB

             Com este artigo iniciamos uma série de reflexões a respeito das eleições deste ano. Discorreremos, inicialmente, sobre alguns aspectos que chamam a atenção na maneira dos três principais candidatos à presidência da República fazerem política. Posteriormente, desejamos, ainda, oferecer algumas pistas de reflexão sobre a importância do voto para a consolidação democrática do país.

Interessa-nos, igualmente, falar sobre alguns tipos de eleitores, assim como uma possível análise da conjuntura política nacional. Nosso objetivo não é apontar um candidato para a escolha do leitor/eleitor, mas ajudar, na medida do possível, a esclarecer algumas questões que são escondidas pelo sensacionalismo midiático.

            Analisando o programa de governo, a forma de falar e de se comportar diante das pessoas, a propaganda partidária e a realidade do Estado de Minas Gerais, queremos dar ênfase a alguns aspectos que julgamos relevantes sobre o candidato do PSDB, Aécio Neves. Reservamo-nos a não falar a respeito de algumas acusações graves que circulam nas conversas informais entre inúmeros mineiros. Tais acusações precisam ser melhor apreciadas pelo poder judiciário, que é o órgão competente para isto.

Portanto, não ouso, aqui, mencionar nem reforçar questões ligadas às alianças espúrias que o mencionado candidato tem em Minas. Para isto, o leitor pode pesquisar na internet, ou vir a Minas Gerais, especialmente a Belo Horizonte, para escutar os comentários nas conversas informais de inúmeros mineiros e, entre outras formas, informar-se melhor.

            A análise atenta e apurada dos candidatos à presidência é um direito e um dever do eleitor. A desinformação é uma das piores desgraças da política brasileira. Políticos corruptos e mal intencionados se identificam e são promovidos por eleitores desinformados e alienados. Infelizmente, a escola pública não ensina o brasileiro a pensar e analisar questões políticas. Tais questões não fazem parte da grade curricular. 

No Ensino Médio, a sociologia e a filosofia são odiadas pela maioria dos estudantes. Com muito sacrifício, tais disciplinas permanecem na escola brasileira. Geralmente, os estudantes não veem utilidade na sociologia e na filosofia. O resultado é a cegueira política de uma juventude desorientada, que só sabe consumir, vivendo mergulhada nos modismos e na repetição irracional daquilo que os norteamericanos produzem para o mundo.

            Aécio Neves representa com legitimidade os interesses daqueles que sempre dominaram o país: uma classe burguesa que deseja ter assegurados os seus privilégios. Aqui em Minas, o governo do PSDB governa em plena sintonia com os mais ricos dos mineiros. Os pobres, tanto da capital quanto do interior, especialmente os da região mais pobre de Minas, no Vale do Jequitinhonha e Norte do estado, são esquecidos. Somente são lembrados nos repasses dos programas sociais do governo federal e em algumas circunstâncias acidentais. 

Não há um projeto político de inclusão dos pobres. Há uma dificuldade imensa de aproximação dos pobres em relação ao governo. Encontrar-se com os pobres e escutá-los em suas necessidades básicas e em seus direitos fundamentais, nunca foi a marca do candidato Aécio Neves, nem de seu partido. Ambos não tem origem na política popular, mas identificam-se com o poder pelo poder. Por isso, desconhecem o sentido do que vem a ser participação popular.

            O jeito de fazer política do candidato Aécio Neves corresponde aos anseios da alta classe econômica do país. Isto ele não esconde em seus discursos. Até tenta camuflar, mas não consegue. Percebe-se claramente este esforço em tentar mostrar que dialoga com os humildes e pobres, dos recantos mais afastados do país, mas tudo não passa de visitas esporádicas e eleitoreiras.  

Política corporativista não oferece espaço para nenhuma forma de participação popular. Toda iniciativa popular é considerada suspeita. O maior medo dos políticos desta linha é a aproximação do povo pobre. Este precisa ser domesticado e mantido na sua pobreza. Isto explica o desinteresse pela educação, pois um povo sem educação é ferramenta eficaz para a manutenção deste tipo de político no poder.

            A apresentação de propostas concretas por parte do candidato é quase inexistente. O mesmo se acostumou a fazer a velha política, pautada no ataque direto ao PT. Este partido era o de oposição. Hoje, está no poder. O PSDB não consegue fazer oposição ao governo petista e o motivo é simples: durante toda a sua história, até a posse do presidente Lula, os políticos do PSDB não sabiam o que era ser oposição porque sempre estiveram no poder.  

E o pior é que não admitem ficar muito tempo fora da situação principal. Diferentemente do PMDB, que apoia todo mundo, o PSDB se mostra como o partido capaz de manter-se, indefinidamente, no poder. É verdade que este é um mal de praticamente todos os políticos, mas com o PSDB parece ser mais evidente, consequentemente, mais visivelmente violento. Como nenhum outro partido, assimilou com astúcia e ousadia a infeliz e trágica política neoliberal que domina o país desde a era FHC.

            Promessas genéricas acompanhadas por ataques diretos, não ao jeito do adversário governar, mas à pessoa do adversário, é sinal claro de desespero. O que isso significa? Qualquer cidadão pode fazer uma promessa genérica porque o faz sem saber como vai realizar. A promessa genérica é mentirosa porque não está essencialmente ligada ao contexto social existente. Por exemplo, um candidato promete que vai acabar com a corrupção no Brasil. Este é o anseio de todos os brasileiros de bom senso.  

Diante disso, pergunta-se: como acabar com a corrupção política? Uma saída é a reforma política. Como fazer essa reforma? Quem vai fazer essa reforma? Quando será efetivada? A quem interessa? Qual o espaço de participação efetiva do cidadão no projeto de reforma? Que tipo de político pode efetivá-la? Aécio Neves e o PSDB não almejam reforma política no país. Seria uma contradição considerar tal reforma parte do seu plano de governo. Aécio Neves é mineiro, tradicional, não foi educado para lidar com reforma política. Esta só é verdadeira quando parte do povo e se remete ao povo, e este sempre esteve distante do candidato psdebista.

            O povo brasileiro conhece muito bem o estilo psdebista de governar. Se observamos com atenção todas os estados da federação que são governados pelo PSDB, não teremos nenhuma dificuldade em observar a falta de planejamento, os altos investimentos em propaganda governamental (aqui em Minas se gastou 1 bilhão de reais nos últimos anos!), as estranhas alianças com grandes empresários, a total abertura à iniciativa privada em detrimento da coisa pública, a ausência de canais efetivos de participação popular, a dificuldade de gerenciamento do patrimônio e das verbas públicas e a ineficácia de certos projetos. Muitos outros aspectos negativos poderiam ser apontados, mas estes parecem ser os mais graves, não nos esquecendo, é claro, do desvio de recursos públicos, que a justiça não dar conta de apurar e que fica por isso mesmo.

            Desse modo, está mais que evidente, que Aécio Neves não representa um novo jeito de governar. Ele é uma versão moderna do governo FHC. Moderna em que sentido? No sentido neoliberal de ser e de agir. Neste sentido, o progresso não passa pelo politicamente sustentável, mas pelo politicamente sufocável. O politicamente sustentável é coisa do plano de governo da candidata Marina Silva, que será considerada no próximo artigo de nossa série.

Aécio Neves adota o estilo de governar dos norteamericanos, pautado no neoliberalismo (consumo desenfreado, pseudodemocracia, visão criminosamente exploradora da natureza, enriquecimento em detrimento de uma vida saudável, arrogância e intolerância na relação com o diferente, legitimação da mídia oficial etc.). Quem deseja a renovação da política brasileira não encontra um motivo sequer para votar no candidato Aécio Neves. Se eleito, irá continuar aquilo que FHC fez durante anos: recolocar os pobres no lugar que ele considera devido, o lugar da servidão aos mais poderosos do país. Quando os pobres são relegados à servidão o futuro do país torna-se, inegavelmente, incerto e sombrio.

            O leitor/eleitor deve está se perguntando: qual a diferença entre Aécio Neves e os demais candidatos? Aguarde os próximos artigos, caso queira saber de nossa visão. Os eleitores do candidato psdebista que leram este artigo, certamente, não devem ter gostado. A estes, pedimos, cordialmente, que considerem com humildade e abertura estas nossas críticas. Leia-as com os olhos abertos diante da realidade. Talvez não estejamos equivocados. A liberdade de expressão do pensamento é essencialmente necessária para o imprescindível discernimento político, tão urgentemente necessário para construirmos um país melhor.


Tiago de França

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Dom Helder Câmara e Dom Luciano Mendes: Santos Padres da Igreja na América Latina

“Mais que comum dos dias, olhei o mais que pude os rostos dos pobres, gastos pela fome, esmagados pelas humilhações, e neles descobri teu rosto, Cristo Ressuscitado!” (Dom Helder Câmara).

            O dia 27 de agosto é o dia de fazer a memória de dois grandes pastores da Igreja católica: dom Helder Câmara e dom Luciano Mendes. O primeiro morreu no dia 27 de agosto de 1999, e o segundo, no mesmo dia e mês do ano de 2006. Ambos foram bispos. Dom Luciano, nascido no Rio de Janeiro, foi jesuíta. Dom Helder, nascido no Ceará, diocesano. Ambos exerceram funções importantes em seus ministérios e morreram com fama de santidade. Foram incompreendidos e perseguidos, inclusive pela própria Igreja.  

O presente artigo não quer oferecer detalhes de ambas as personalidades. Há excelentes obras biográficas que podem ser consultadas. A partir das características que eram comuns a estes bispos, queremos discorrer não somente a respeito da importância deles para a Igreja, como também acentuar a necessidade de continuarmos sonhando com uma Igreja mais humana e fraterna.

O encontro com Cristo no outro, preferencialmente nos pobres

            Dom Helder e dom Luciano fizeram a experiência do encontro com Cristo nos pobres. Este encontro transformou suas vidas, convertendo-os ao evangelho de Jesus. Tornaram-se amigos dos pobres. Isto chamava a atenção de todos que tomavam conhecimento de seus gestos e palavras. Justamente por isso, eram considerados homens evangélicos. De fato, viveram a opção pelos pobres, em plena sintonia com Jesus. Sabiam que estavam no caminho do divino Mestre. Viveram com convicção, maturidade, liberdade, generosidade, disponibilidade, humildade, desapego e alegria o chamado que receberam de Deus.

            Ninguém consegue encontrar um sinal sequer de alianças com os poderosos em benefício próprio. Não se aproveitavam do título de bispo para se promoverem, para serem aplaudidos, bajulados. Eram queridos e admirados, e até aplaudidos, mas jamais perderam a humildade. Também foram incompreendidos e perseguidos, vítimas do ódio e do ostracismo de muitos, mas não se deixaram abater. Tinham os olhos fixos em Jesus. O Mestre que os chamou estava com eles na contemplação e na ação, confirmando-os na fé. Todos quantos se aproximavam deles sentiam que eram assistidos pelo Espírito do Senhor, Espírito de sabedoria e de fidelidade à missão.

            Suas palavras e gestos constituem um grito que ecoa em toda a Igreja, um grito que não se cansa de dizer: Lembrai-vos, irmãos, dos pobres! Em Cristo, eles são nossos mestres e senhores! Renunciai ao poder, ao prestígio e à riqueza, e convertei-vos ao Servo Sofredor, que se fez pobre entre os pobres para confundir os poderosos deste mundo. Convertei-vos, irmãos, para o bem do povo de Deus! Os pobres que foram alcançados pelos cuidados e preocupações destes bispos sentem muita saudade deles. Há saudade até em muitos que não tiveram a graça de conhecê-los pessoalmente. Diante deles, afirmavam os pobres: Bendito seja Deus, que não nos abandona! Os poderosos, pelo contrário, procuravam uma maneira eficaz de lhes calar a voz, tramando-lhes a morte.

Contemplativos na ação

            Os escritos de Dom Helder e de dom Luciano demonstram com clareza a riqueza de homens mergulhados em Deus. Não davam tanta importância ao poder que o título lhes conferia, mas estavam habitados pelo Espírito do Senhor, que liberta de todo apego e ilusão. Apesar do cansaço físico provocado pelo cumprimento fiel dos compromissos, não se esqueciam da oração. No silêncio do deserto, como Jesus, escutavam a voz de Deus para fazer Sua vontade. São considerados místicos na missão episcopal porque eram contemplativos na ação. Não se permitiam dominar pelo ativismo nem pela ociosidade. Não estavam preocupados em produzir nem serem eficazes, mas simplesmente eram em Deus.

            Suas homilias, palestras, conferências, entrevistas e as inúmeras intervenções em diversos lugares eram escutadas com respeito e veneração. Não brincavam com coisa séria. O Espírito do Senhor lhes concedeu o dom da palavra certa na ocasião certa. Eram autênticos no falar e coerentes no viver. Falavam do que viviam no cotidiano. Proclamavam a palavra de Deus com coragem e alegria. Estavam conectados à realidade do mundo, denunciavam as injustiças e sonhavam com outro mundo possível. Eram esperançosos e despertavam a esperança, uma esperança ativa. Praticaram o amor amando as pessoas e ensinavam com o testemunho da própria vida que o amor é a via única capaz de salvar toda a humanidade do caos em que se encontra.

            A espiritualidade que cultivavam era pautada neste amor que se faz doação. Não viviam nas nuvens, aéreos, em êxtases. Aprenderam com Jesus que ser contemplativo significa olhar, misericordiosamente, para o rosto das pessoas, indo ao seu encontro. A contemplação acontece no encontro. Sabiam se encontrar com Deus, afetiva e efetivamente. Não o levavam a ninguém, pois compreendiam que Deus já encontrava nas pessoas. Dom Helder e dom Luciano viveram uma espiritualidade profundamente encarnada porque, para eles, o evangelho não estava somente no ambão (mesa da palavra), mas estava também na vida do povo de Deus. O evangelho traduz a vida do povo de Deus e promove sua unidade. 

Profetas para a ressurreição da Igreja

            Insistentemente, antes de morrer, o teólogo José Comblin denunciava a letargia na qual estava mergulhada a Igreja. Os mais conservadores certamente consideram o termo letargia demasiadamente pessimista. Isto ocorre porque pensam que a cristandade ainda vigora. Na verdade, ainda há resquícios dela. Seu espírito paira em alguns segmentos da Igreja. O papa Francisco está tentando convencer a todos que a cristandade não existe mais, que é hora de sair da vida cômoda e partir para a missão. A maioria dos que compõem o clero não quer sair, preferem continuar vivendo comodamente, fazendo-se de conta que seguem Jesus. Até admiram os pronunciamentos e a coragem do bispo de Roma, mas se recusam, terminantemente, a aderir o espírito missionário proclamado pelo Concílio Vaticano II.

            Esta é a situação atual: uma Igreja consciente de sua missão no mundo, mas que tem medo de sair de si mesma. Continua ensimesmada. O papa Francisco publicou a Evangelii Gaudium, mas na base da Igreja, seus efeitos são praticamente inexistentes. Há muito euforia, entusiasmo, despertar da esperança, mas quase ninguém sai do lugar. Os poucos que saem somente contam com o auxílio da graça porque no conjunto não há adesão ao projeto renovador da Igreja, proposto corajosamente pelo bispo de Roma. Aos que acham que esta visão é pessimista, propomos a seguinte indagação: Onde estão ocorrendo, efetivamente, as mudanças estruturais? Não as vejo em lugar nenhum. Os que defendem que tais mudanças são desnecessárias, na verdade, estão ocultando o medo de perderem seus privilégios, que lhes assegura uma vida segura e tranquila. Segurança e tranquilidade é o lema da maioria do clero.

            Dom Helder e dom Luciano não levavam uma vida segura e tranquila, apesar de serem bispos. Não se consideravam nem se comportavam como príncipes da Igreja. Não sofriam com o mal da “psicologia de príncipes”. Uma boa parcela dos bispos, atualmente, continua do mesmo jeito que antes do Vaticano II: gozam de todos os privilégios e prerrogativas do título de bispo. Neste caso, ser bispo é sinônimo de homem do poder, aliançado com os poderosos. Quando era criança, o pároco da minha paróquia de origem, em Alagoas, dizia: Veja bem, o poder do padre equivale ao de um prefeito, e o poder do bispo equivale ao de um governador de estado. Aqui sou amigo do prefeito e não pode ser de outra forma, e em Maceió, o arcebispo é amigo do governador do estado.

 Esse esquema está na cabeça do povo até hoje. Sempre foi assim, desde a institucionalização do ministério ordenado na Igreja. Assim como o governador mora no palácio do governo, o arcebispo mora no palácio episcopal. E a justificativa dos bispos que se recusam a deixar o conforto e a segurança do palácio não convence ninguém. Ousam dizer: Para servir ao povo não preciso deixar o palácio! O que vale é a minha disponibilidade em servi-lo! É verdade que não basta sair do palácio e continuar com a mentalidade de um palaciano, mas tal deslocamento é um belo sinal.

A celebração da memória destes Santos Padres da Igreja latino-americana é ocasião oportuna para uma séria reflexão não somente do modelo de bispo para uma Igreja renovada segundo o espírito do Vaticano II, mas também para uma leitura comprometida dos sinais dos tempos atuais. A Igreja está vivendo um momento de graça com a profecia do papa Francisco. Será que continuará insensível aos apelos do Espírito do Senhor?... Até quando vai sobreviver a terrível insistência de muitos em ressuscitar práticas obsoletas que não conseguem dizer absolutamente nada à mulher e ao homem pós-moderno?... Quando é que o evangelho de Jesus ocupará o centro da vida eclesial?... Até quando os pobres serão tratados como meros destinatários da evangelização?... O Espírito do Senhor está soprando, mas sua ação respeita a liberdade do ser humano. Que dom Helder e dom Luciano intercedam a Deus por nós!

Tiago de França 

sábado, 23 de agosto de 2014

Quem é Jesus?

           
             Esta é uma pergunta fundamental na vida do cristão. A resposta anima alguns e desanima outros. Na verdade, não há uma resposta exata. Os textos evangélicos falam das palavras e gestos de Jesus, mas ninguém sabe realmente quem ele é. No evangelho, é o Messias prometido, o Filho de Deus, o Verbo que se fez carne e habitou entre nós. É o profeta por excelência, homem de Nazaré.  

Para os cristãos, Jesus é a encarnação do próprio Deus. Tudo isto, de fato, é verdadeiro e constitui a profissão de fé cristã. Nossa reflexão quer levantar outras três perguntas fundamentais: Por que precisamos conhecer Jesus? O que significa conhecer Jesus? Como conhecer Jesus? Cremos que todo cristão, em algum momento de sua vida, precisa fazer e responder, com sinceridade e verdade, estas perguntas.

Por que precisamos conhecer Jesus?

            Muito tempo depois de sua morte e ressurreição, os evangelistas tentaram escrever sobre Jesus, o Nazareno. Portanto, os evangelhos constituem a fonte segura para o conhecimento de Jesus, mas não uma biografia. O texto do evangelista Marcos parece ser o mais fidedigno, por ser o mais antigo, o primeiro a ser escrito com a intenção de responder a pergunta “Quem é Jesus?” A resposta é simples e desconcertante: Jesus de Nazaré é o Messias. Esta parece ser a razão maior que nos faz conhecê-lo.

            Jesus não era simplesmente um homem justo, amável e atento às necessidades de seus irmãos mais pobres. Era, escandalosamente, o Messias anunciado pelos profetas. É fácil afirmar que ele é o Messias. Não é difícil de compreender tal verdade histórica. O desafio está na assimilação existencial do conteúdo da afirmação. A mera declaração de que ele é o Messias é possível a qualquer pessoa, inclusive ao diabo que também reconheceu isso (partindo da letra do texto evangélico!). Assimilar, existencialmente, significa aderir com a própria vida o testemunho salvífico de Jesus, ou seja, crer com a vida.

            O cristão precisa conhecer Jesus para saber como ele realmente agiu no mundo, inaugurando o Reino do Pai. Não estamos falando da imitação de Cristo. Quem poderia imitá-lo? Na verdade, Jesus nunca pediu para ser imitado, mas para ser seguido. Cada cristão é chamado a segui-lo a seu modo, a partir da realidade da própria vida.  

Também não estamos falando de adoração de Cristo. Para quê adorá-lo? Jesus nunca pediu para ser adorado. A adoração a Jesus se transformou, com o passar do tempo, numa forma eficaz de se afastar dele. Em nenhum momento Jesus permitiu que seus discípulos o adorassem. A adoração veio depois, é coisa da religião. Estamos falando do evangelho, não de doutrina religiosa. O evangelho não é uma doutrina religiosa.

            Agir como Jesus agiu é difícil, mas não é impossível. Não é mera repetição de seus gestos e palavras. Isto é falsa imitação. A vocação cristã consiste na atualização da mensagem de Jesus. E qual foi a mensagem de Jesus? O amor. Esta é a mensagem que nos salva. E como isto ocorre? Na relação com o próximo. Sem este não há amor. Fora da relação com o próximo há egoísmo, não amor.

Considerando as palavras e gestos de Jesus na sua relação com as pessoas de seu tempo, descobrimos, facilmente, como seus seguidores devem proceder. Deve-se proceder ao modo de Jesus. Precisamos conhecê-lo porque há um chamado, um apelo ao amor.  

O que significa conhecer Jesus?

            O conhecimento de Jesus passa pela aproximação e pela intimidade. A mera relação cultual com Jesus não leva a lugar nenhum. Geralmente, as pessoas prestam um culto a Jesus e nada mais. Alguns se prostram diante dele nas espécies eucarísticas do pão consagrado no culto e ficam olhando aquele pão, desejando-o, parecendo-se com os discípulos presentes na transfiguração, com aquela vontade de morrer olhando para Jesus.  

Trata-se de um olhar desprovido da misericórdia. Essas pessoas são especialistas em adoração eucarística, mas padecem de um grande mal: são indiferentes ao que ocorre no mundo. Para elas, o mundo é Jesus eucarístico. Diante dele, acabou o mundo. Isto não significa conhecer Jesus.

            No extremo oposto, encontramos outras pessoas. Estas se concentram na criação e propagação das ideologias de classe. Há um ativismo exacerbado. Desejam transformar o mundo por meio da revolução, que muitas vezes chega a ser sangrenta. Essas pessoas se transformam em representantes oficiais do conflito ideológico destruidor. São capazes de tudo. Não conseguem ser pacíficas.  

Creem que a transformação do mundo passa pela destruição de grupos e de pessoas. No Oriente Médio, os radicais islâmicos matam em nome de Deus. No Ocidente, os cristãos se odeiam, reciprocamente. Há um forte espírito de competição e desrespeito camuflado pelas ideologias religiosas, constituídas tão somente de boas intenções. Isto não significa conhecer Jesus.

            No cristianismo, as pessoas se empenham na perfeição cultual. Estudam e incrementam as liturgias, aperfeiçoam as leis religiosas, perseguem e punem os dissidentes, fortalecem as estruturas legitimadoras da religião, comportam-se e se apresentam como íntegras e fieis aos princípios religiosos; carregam este fardo pesado durante toda a vida.  

As de virtudes heroicas morrem e são canonizadas, transformando-se em modelos de fidelidade à religião, a serem cultuadas e imitadas por outros. Em meio a todas estas coisas, o evangelho foi esquecido porque não cria religiosos, mas fazer crescer o seguimento de Jesus. Se o cristianismo cresce, não nos iludamos. Que tipo de cristianismo está crescendo? Sem o evangelho há um cristianismo sem Jesus, há uma forte e perigosa idolatria, capaz de destruir o mundo inteiro. Isto não significa conhecer Jesus.

Como conhecer Jesus?

            Alguns podem, a esta altura de nossa reflexão, perguntar: Então, tudo está perdido na religião? Não há nada que possa ser aproveitado? Estando na religião não conseguimos seguir Jesus? Precisamos eliminar a religião? Os estudiosos em antropologia afirmam que o homem é essencialmente religioso e parece ser verdade. Desde sempre a religião esteve presente na humanidade. Religar o homem a Deus é a sua missão. De fato, é uma necessidade humana. Opor-se a esta necessidade é como querer esvaziar o oceano.  

As religiões precisam ser repensadas. As pessoas diretamente envolvidas com a religião, principalmente seus líderes precisam aprender a atualizar os ensinamentos que foram e são as razões da existência religiosa. Como praticar o que Jesus, o Buda, Maomé e tantos outros ensinaram? Como praticar sem cair no fundamentalismo. Se um crente, praticando a religião, faz mal a seu próximo, então algo está errado. Se o cristão crê em Jesus, mas não ama seu próximo, então há uma gravíssima contradição. Sua fé não é verdadeira.  

            A partir do evangelho podemos afirmar, categoricamente: O amor é o meio fundamental pelo qual o cristão é chamado a conhecer Jesus. Na verdade, o amor está no início, no meio e no fim. Ama-se para se chegar, para acreditar e para conhecer o amor. Sem o amor a vida cristã perde seu sentido. Não há prática religiosa que possa substituir o amor. Aquela precisa estar em função deste.  

O amor é o princípio e o fim da vida cristã, mas como amar o próximo? Somos chamados a amar como Jesus amou. São características do amor de Jesus: gratuidade (não esperava nada em troca), liberdade (não prendia nem se deixava prender a ninguém), doação (no encontro com o outro, ao ponto de entregar a própria vida), compaixão (colocava-se no lugar do outro, compartilhando de seus sofrimentos), esperança (despertava ânimo e disposição na vida das pessoas) e fé (tudo fazia na perspectiva da missão confiada pelo Pai, na direção do Reino).

            O mundo atual exige que surjam cristãos renovados no amor de Deus, mas esta renovação passa pela doação, pela solidariedade. Não precisamos da edição de mais leis religiosas, de mais perfeição litúrgica, de mais complexidade doutrinal. A vida não padece pela falta ou abundância dessas coisas, mas padece quando o amor desaparece, dando lugar ao egoísmo e à indiferença. Assim, a pergunta “Quem é Jesus?” aponta para outra que nos desafia a responder na escuta sincera de nossa consciência diante de Deus: Que tipo de cristão eu sou?... Aos que ousarem responder, podem contar com o auxílio do Espírito do Senhor, que nos socorre em nossas fraquezas com gemidos inefáveis (cf. Rm 8, 26).


Tiago de França

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Marina Silva e a providência divina

           
              Algumas declarações de fé chamam a atenção e não podem passar despercebidas. A morte do ex-governador e candidato à presidência da República, Eduardo Campos, causou comoção nacional. Quando o lado emocional aflora sem limites, geralmente, as pessoas perdem a capacidade de raciocinar os fatos. As redes sociais estão cheias de mensagens. A fantasia humana é fértil e não conhece limites. As pessoas aproveitam o momento para extravasar seus sentimentos, seu patriotismo, sua escolha partidária e, sobretudo, seus preconceitos e seus desejos de vingança em relação ao outro. Em matéria política, isto é extremamente perigoso.

Este artigo quer contemplar, considerando este contexto comocional, uma declaração feita por Marina Silva, provável candidata à presidência da República. Durante sua viagem a Recife, disse ela a uma repórter do jornal O Globo: “Existe uma providência formada em relação a mim, à Renata e ao Miguel [filho de E. Campos], mistérios que nós não compreendemos, nem em relação aos que ficaram e nem em relação aos que se foram. São mistérios”. O que estas palavras significam? O que podemos entender por providência divina? É o que queremos pensar, brevemente.

A candidata Marina é cristã de confissão não católica e congrega na Igreja Assembleia de Deus. O fervor religioso e o conservadorismo doutrinal caracterizam esta denominação religiosa, assim como a maioria das Igrejas consideradas “evangélicas”. Na doutrina cristã, independentemente da denominação religiosa, acredita-se na existência da providência divina.

De fato, Jesus de Nazaré ensinou que Deus Pai é providente. Isto significa que Deus é um bom Pai, atento às necessidades de seus filhos e filhas; um Pai que cuida, amorosa e providencialmente. Deus jamais abandona seus filhos e filhas. Em Jesus, Deus se manifestou no mundo porque é o Criador de todas as coisas e fim último no qual se encontra todo bem e toda graça. Ele é o próprio Bem e a Graça que socorre o ser humano em suas fraquezas. Esta é a confissão da fé cristã.  

Nenhum crente, católico ou não católico, duvida desta confissão de fé. Esta ultrapassa os limites e fronteiras religiosas. Deus não é religioso, ou seja, não criou a religião nem está preso a ela, mas acolhe a todos, indistintamente. Aqui se encontra o equívoco do entendimento que muitas pessoas fazem da providência divina.

Antes de expressá-lo, consideremos um conceito do que entendemos ser a providência divina: A providência divina é Deus mesmo presente na vida das pessoas. É o amor transformando-as, salvando-as, cotidianamente. Um amor capaz de libertar do egoísmo e da indiferença, que alcança a todos, que age na liberdade e para a liberdade, única realidade que garante a verdadeira felicidade humana. Portanto, a providência divina é universal, permanentemente disponível e aberta a toda mulher e homem de boa vontade.

            Qual é o equívoco de inúmeros crentes em relação à providência divina? Primeiro, que pensam que Deus faz acepção de pessoas, ou seja, escolhe alguns em detrimento de outros. São muitos os textos bíblicos que falam da maneira como Deus acolhe a todos. Citemos dois textos que são lidos por todos os cristãos: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz discriminação entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença”, disse o apóstolo Pedro aos membros da família de Cornélio, um centurião da Cesaréia (cf. Atos dos Apóstolos 10, 34 – 35).

Falando do juízo universal de Deus, ensina-nos o apóstolo Paulo, entre outras palavras: “[...] glória, honra e paz para todo aquele que pratica o bem, primeiro para o judeu, mas também para o grego, pois Deus não faz acepção de pessoas” (cf. Epístola aos Romanos 2, 10 – 11). Assim, precisamos combater a falsa crença de que Deus acolhe alguns e despreza outros, glorifica uns e faz outros perecerem.

            Outra falsa crença decorrente desta é a de que há pessoas que merecem os favores divinos e, portanto, são salvas, enquanto as demais são condenadas. Na mesma Epístola aos Romanos, fala o apóstolo Paulo: “Com efeito, quando éramos ainda fracos, foi então, no devido tempo, que Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores” (5, 6 – 8).  

Diante de Deus não existe ser humano que mereça os favores divinos. Deus age com plena gratuidade e misericórdia, vindo ao encontro da fraqueza humana. Somente Ele é o Santo e toda a humanidade é pecadora. A salvação acontece por pura graça e misericórdia. Nenhum crente e/ou cristão está autorizado a eleger-se e a afirmar que existe um grupo seleto de merecedores em detrimento de tantos outros que não merecem.  

Desde Adão e Eva, biblicamente falando, até os dias de hoje, a humanidade errante é uma constante negação de Deus e, apesar disso, a revelação cristã demonstra que Deus é o Amor que jamais desiste de sua criação corrompida pelo pecado. Esta mesma revelação, contida no testemunho autêntico das Sagradas Escrituras, afirma que Deus tem predileção pelos fracos e esquecidos, especialmente aqueles que são julgados e condenados pela religião. Nesta, há muitos cristãos fariseus, que se julgando melhor do que os demais se consideram merecedores da graça divina e únicos intérpretes da mesma revelação. É um grave farisaísmo que precisa ser combatido com a verdade revelada e reconhecida pela genuína tradição cristã.

            Neste sentido, considerando essas premissas teológicas, afirmar que há uma providência divina “formada” em favor de alguns poucos é um absurdo, algo inaceitável. A candidata Marina Silva induz as pessoas a se equivocarem em um ponto que, consequentemente, anula o verdadeiro sentido da providência divina, a saber: induz a pensar que Deus a poupou da morte, não poupando o Eduardo Campos e demais vítimas do trágico acidente. 

Deus a escolheu para continuar vivendo em detrimento da morte dos demais? Deus salva uns e deixa outros entregues ao poder da morte? Marina Silva não afirmou isto, mas induziu muita gente a pensar assim. Certamente, no calor da comoção, ela não pensou nos desdobramentos de suas afirmações. Considerando a interpretação fundamentalista que muitos cristãos fazem da Bíblia, mesmo sem o calor da comoção, tais afirmações são, infelizmente, feitas no seio das Igrejas cristãs.

            Recusando-nos a nos debruçarmos sobre o desrespeito por parte de inúmeras pessoas nas redes sociais, vítimas da falta de bom senso e caridade, é preciso, por fim, considerar que toda pessoa que nasce neste mundo está sujeita a toda espécie de mal, independentemente de sua fé. Na esfera dos desígnios de Deus, não há inteligência humana capaz de desvendar o sentido que se esconde por trás de determinadas fatalidades. A teodiceia e a teologia mística não apresentam respostas matematicamente calculáveis.  

No plano divino tudo é mistério. Neste ponto, acertou Marina Silva. O momento da ação da divina providência cabe ao próprio Deus saber, mas a revelação bíblica desmente qualquer pretensão que aponte para a absurda afirmação de que Deus poupa alguns e despreza a outros. Não se trata de mera análise nem de raciocínios teológicos, mas questão de fé Naquele que em Jesus se revelou na história. Quer crente, quer ateu, sem exceção, somos peregrinos nas vias transitórias da vida. Esta é, essencialmente, transitória; quer aceitemos, quer não.

Tiago de França 

sábado, 16 de agosto de 2014

Assunção de Maria e seu canto de alegria

“Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia” (Lc 1, 39).

            O início do relato bíblico da visita de Maria, mãe de Jesus, à sua prima Isabel, mãe do profeta João, merece nossa atenção. Aparecem dois verbos que nos fazem pensar o sentido da fé cristã. O primeiro é o verbo partir, que indica ação, movimento, saída, deslocamento. Na vida humana temos várias partidas até a partida definitiva deste mundo. A dinâmica da vida está marcada essencialmente por este partir. A vida obriga a sair. Mesmo assim, há aqueles que se recusam a sair, preferindo viver amarrados, arraigados, parados, estagnados.

            Partir, mas para onde e para quê? Jesus, o Nazareno, viveu sua missão praticando a ação indicada pelo verbo partir. Teve que sair de sua terra, do seio de sua família, para ir ao encontro das pessoas, para lhes anunciar o Reino de Deus. Os que se tornam seus discípulos recebem dele o convite para fazerem a mesma coisa: “Ide e anunciai!”  

Não existe anúncio sem o partir. Este, felizmente, provoca o encontro, o feliz encontro com Deus no outro. Numa sociedade marcada pela promoção do conforto gerado pelas inúmeras tecnologias, somos tentados a viver parados, encontrando-nos virtualmente. Só que a vida não é mera virtualidade.

            Partir para quê? Para enganar, tirar proveito, humilhar, dominar o outro? Esta não é a missão cristã. Hoje, geralmente, as pessoas saem de si mesmas para fazer estas coisas. Na verdade, elas continuam ensimesmadas, pensando que estão saindo de si. Estas coisas constituem egoísmo.  

Observemos as guerras e os conflitos de forma geral, não encontramos outra verdade senão esta: instituições, grupos e pessoas buscando a satisfação dos próprios interesses. Para isto, enganam, tiram proveito, humilham, dominam o outro. Tudo ocorre em nome de uma pseudodemocracia, de um falso amor. Israel afirma que está se defendendo dos ataques palestinos matando milhares de pessoas. Há uma fria e diabólica reciprocidade na sede sangrenta pelo poder.

            O segundo verbo se torna completo pela pressa: Maria dirigiu-se, apressadamente. Trata-se de um verbo que revela certa convicção da pessoa que está envolvida na sua ação. Ninguém se dirige apressadamente para algum lugar à toa. Algo está instigando, chamando, provocando a ação.  

Isabel, grávida, esperava por Maria. Esta foi servi-la, fraternalmente. Desse modo, o verbo dirigir-se revela algo belo, profundamente humano e espiritual: o amor fraterno. O serviço mútuo vivido por quem realmente ama é gerador de fraternidade. Quem necessita da ação amorosa tem pressa, e Maria sabia disso.

            Quem está nos esperando, hoje? Não precisamos ir morar na África para estarmos com os pobres. Se o fizermos, os pobres de lá também precisam e Deus se alegrará com nossa disponibilidade; mas ao nosso redor há quem nos esperar: nossos pais, filhos, amigos, os vizinhos, ou o desconhecido que nos surpreende com seu rosto desconcertante.  

Dirigir-se, apressadamente, é um desafio. Primeiro, porque há uma força que nos fala, interiormente: Não, vou ficar aqui mesmo, curtindo o meu egoísmo! Quem quiser, que venha até mim! Não é pequeno o número dos que se deixam convencer e dominar por esta força de morte.

            Por outro lado, há uma vontade, que parece ser da natureza mesma do ser humano, que interpela, empurra, desinstala, convencendo-nos de que, de fato, só crescemos, humana e espiritualmente, quando vivemos a verdadeira comunhão. O amor é comunhão de pessoas.  

Tomemos cuidado somente com uma coisa: a comunhão não é exclusiva, mas inclusiva do outro, do diferente, daquilo que, especialmente, nos incomoda. Comunhão não é formação de guetos, mas encontro de pessoas que se querem bem no amor, de pessoas que comungam sem a anulação de suas individualidades e/ou particularidades. Comunhão não é uniformidade, mas encontro alegre e respeitoso das diferenças.

            No relato bíblico completo (cf. Lc 1, 39 – 56), utilizado pelas comunidades cristãs católicas neste fim de semana, durante a celebração litúrgica da assunção de Maria, aparece um cântico que o evangelista Lucas põe na boca da mãe de Jesus. Este cântico relata o que estamos afirmando desde o início de nossa reflexão.  

Maria age conforme a sua fé. Ela crê em um Deus que desceu para visitar e libertar o seu povo e com este permaneceu (cf. o início do livro do Êxodo). A experiência divina é exodal. Quem quiser fazê-la, terá que partir, dirigir-se, apressadamente. Hoje, as Igrejas cristãs são chamadas a fazerem a mesma coisa que Maria fez: partir e se dirigir, às pressas, ao encontro daquelas pessoas grávidas, prestes a dar à luz a outro mundo possível. É dessa forma que Maria participa, antecipadamente, da glória de Deus; participação que não a transformou em um ser superior aos demais crentes, mas nos convida à mesma participação.


Tiago de França