“Eu vos dou um
mandamento novo: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns
aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor
uns pelos outros” (Jo
13, 34 – 35).
Amigos e amigas, irmãs
e irmãos em Jesus de Nazaré, o Cristo,
Graça e paz!
Anualmente, no mês de agosto, a Igreja católica faz uma
reflexão sobre o tema da vocação. Reflete-se sobre a vocação dos leigos, dos
presbíteros e dos/as religiosos/as. Aproveitando a ocasião, costumo enviar às
comunidades e amigos com os quais tenho contato algumas reflexões com o
objetivo de ajudar a aprofundar o tema. Não iremos refletir sobre as chamadas vocações específicas (vocação do padre e
dos/as religiosos/as).
Uma
indagação norteará nossa reflexão, a saber: Por que caímos na tentação de
separar fé e vida? Nosso objetivo é, a partir do tema proposto, “O
seguimento de Jesus e a religião cristã”, inspirados na citação joanina acima
descrita, convidar cada um para responder pessoalmente, para si mesmo, com sinceridade e verdade, esta
indagação norteadora de nossa reflexão.
Qual a motivação para nossa escolha do tema? Quando
paramos para observar com atenção a
realidade religiosa do Brasil, a partir da realidade em que vivemos – nossas
dioceses, paróquias e comunidades – , logo enxergamos um abismo crescente entre
a fé que as pessoas afirmam possuir e a realidade social que as rodeia. Simultaneamente,
cresce o número das denominações religiosas e a corrupção nas relações
interpessoais e nas instituições.
Há
uma profunda e escandalosa contradição entre a fé professada nos templos
religiosos e o cotidiano da vida das pessoas. Não estamos defendendo uma fé
utilitarista, mas queremos explicitar a fé autêntica, que se revela na vida
prática. Qual o efeito da fé professada
nas Igrejas? Esta pergunta não é enfrentada pela maioria dos cristãos
porque sua resposta envergonha os cristãos perante o mundo.
Qual a utilidade de
práticas religiosas que não tem incidência no cotidiano da vida das pessoas?
O que tem levado a maioria dos cristãos a procurar as Igrejas é a pura
satisfação de suas necessidades e desejos: procuram curas, dinheiro, trabalho,
tranquilidade, paz interior, prosperidade etc. Deus é considerado a solução
para os problemas humanos. Outros, ainda, procuram o culto por tradição: a
frequência ao culto passa de geração em geração. A participação é mecânica, ou
seja, as pessoas saem dos templos praticamente da mesma forma que entraram: sem
ter compreendido nada!
Tomaríamos
um susto se perguntássemos às pessoas os motivos que as levam ao templo. Poucas
ofereceriam uma resposta convincente e digna de um cristão adulto na fé. Alguém
poderia perguntar: Qual sentido de se saber das razões da fé? Podemos responder
perguntando: Qual o sentido duma fé que não tem razão de ser? Isto explica o
fenômeno curioso que assola o cristianismo atual: há uma multidão de pessoas
que não sabe o que fazer com a fé que julgam ter. Na verdade, afirmam ter fé e
desconhecem seu conteúdo.
Apesar da confusão e da dispersão, o Espírito do Senhor
nos assiste em nossa falta de fé. O que salva o cristão é o fato de Deus ser
infinitamente misericordioso e fiel: Ele jamais abandona seus filhos e filhas.
Estamos vivendo numa época carente de profetas. O cristianismo não passa bem
sem os profetas. Estes recebem de Deus a missão de apontar o caminho que conduz
a Deus, de recordar à Igreja de sua missão no mundo, de gritar a necessidade da
fidelidade ao amor de Deus. Vivemos a escassez de profetas. É verdade que
existem, mas não são escutados. Isto não é nenhuma novidade. A tradição cristã
ensina que a profecia sempre é resistida. Há muitas resistências na escuta dos
profetas.
Apesar
disso, eles não param de anunciar o Reino e denunciar as forças do anti-Reino. Estas
forças estão presentes nas Igrejas e no mundo: são forças de destruição e morte
do ser humano e da natureza. Inúmeras pessoas e instituições encarnam na
história estas forças. Elas ceifam a vida, impiedosamente. Os profetas as
denunciam e até eles mesmos não escapam das suas consequências mortíferas.
A
morte do profeta não é um sacrifício pessoal a Deus, mas é consequência da sua
ação no mundo, de sua fidelidade à missão recebida até as últimas
consequências. Neste sentido, é urgente que a Igreja assuma, definitivamente,
sua missão profética no mundo. E o caminho é perigoso e conhecido: entrar na
fileira dos excluídos para ser força na sua libertação integral.
Agora observe o lugar em que você se encontra. Olhe as
pessoas que convivem com você. Observe sua cidade, seu bairro, sua casa. Procure
por Jesus. Ele está presente na pessoa do outro. Se você vai ao templo rezar,
receber a Eucaristia, louvar e bendizer a Deus, isto é bom. Se ao sair do
templo você julga e condena as pessoas, desprezando-as, sentindo-se melhor e
mais santo que elas, cuidado! Sua religião é falsa e mentirosa. Suas preces não
chegam ao coração de Deus. Ele as rejeita porque é verdadeiro e está sendo
rejeitado no outro que você trata com indiferença.
A
conversão da Igreja a qual você faz parte pelo batismo depende de você. Você é
Igreja. Com suas palavras e gestos, de amor e acolhida do outro, ajude a
convertê-la. Abra a sua boca e denuncie as injustiças, começando pelas que
acontecem na sua família. Anuncie o amor, amando o próximo, especialmente
aquele que lhe causa repugnância. Liberte-se do egoísmo, abra-se às pessoas,
não espere que elas venham ao seu encontro.
Olhe
para o outro com ternura e misericórdia. O outro pecou contra você? E você,
pecou contra quem? Diante de Deus você é igual à pessoa que você julga. Deus
quer acolher vocês na mesa do Reino, indistintamente. Seja você mesmo,
transpareça-se. Fale a verdade e elimine a mentira. Procure a paz e vá com ela
em seu caminho. Assim, você estará, de fato, conhecendo e seguindo Jesus.
Os três parágrafos anteriores constituem um convite a uma
séria revisão de vida. O mundo precisa mais de cristãos do que de pessoas que
vivam defendendo identidade religiosa. Ninguém será salvo por pertencer à
religião, mas o será porque se tornou discípulo de Jesus em meio às trevas
deste mundo. Isto é vocação: ser chamado por Deus e responder a seu apelo com
alegria, disposição e generosidade. O amor é a marca do cristão, é seu
distintivo. Somente se tivermos amor uns pelos outros é que somos, de fato,
seguidores de Jesus. Fora do amor não há seguimento, mas aparência, ilusão e
mentira. Rogo a Deus que continue nos assistindo com sua graça, a fim de que
nossa resposta ao seu apelo de amor seja, afetiva e efetivamente, uma realidade
constante e transformadora.
Recomendo-me às vossas preces, na certeza de que as faço
por vocês.
Fraternalmente, no Senhor ressuscitado,
Tiago de França