“Maria
partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da
Judeia” (Lc 1, 39).
O início do relato bíblico da visita de Maria, mãe de
Jesus, à sua prima Isabel, mãe do profeta João, merece nossa atenção. Aparecem
dois verbos que nos fazem pensar o sentido da fé cristã. O primeiro é o verbo partir, que indica ação, movimento,
saída, deslocamento. Na vida humana temos várias partidas até a partida
definitiva deste mundo. A dinâmica da vida está marcada essencialmente por este
partir. A vida obriga a sair. Mesmo assim, há aqueles que se recusam a sair,
preferindo viver amarrados, arraigados, parados, estagnados.
Partir, mas para onde e para quê? Jesus, o Nazareno,
viveu sua missão praticando a ação indicada pelo verbo partir. Teve que sair de
sua terra, do seio de sua família, para ir ao encontro das pessoas, para lhes
anunciar o Reino de Deus. Os que se tornam seus discípulos recebem dele o
convite para fazerem a mesma coisa: “Ide
e anunciai!”
Não
existe anúncio sem o partir. Este, felizmente, provoca o encontro, o feliz
encontro com Deus no outro. Numa sociedade marcada pela promoção do
conforto gerado pelas inúmeras tecnologias, somos tentados a viver parados,
encontrando-nos virtualmente. Só que a vida não é mera virtualidade.
Partir para quê? Para enganar, tirar proveito, humilhar,
dominar o outro? Esta não é a missão cristã. Hoje, geralmente, as pessoas saem
de si mesmas para fazer estas coisas. Na verdade, elas continuam ensimesmadas, pensando
que estão saindo de si. Estas coisas constituem egoísmo.
Observemos
as guerras e os conflitos de forma geral, não encontramos outra verdade senão
esta: instituições, grupos e pessoas buscando a satisfação dos próprios
interesses. Para isto, enganam, tiram proveito, humilham, dominam o outro. Tudo
ocorre em nome de uma pseudodemocracia, de um falso amor. Israel afirma que
está se defendendo dos ataques palestinos matando milhares de pessoas. Há uma
fria e diabólica reciprocidade na sede sangrenta pelo poder.
O segundo verbo se torna completo pela pressa: Maria dirigiu-se, apressadamente. Trata-se de
um verbo que revela certa convicção da pessoa que está envolvida na sua ação. Ninguém
se dirige apressadamente para algum lugar à toa. Algo está instigando,
chamando, provocando a ação.
Isabel,
grávida, esperava por Maria. Esta foi servi-la, fraternalmente. Desse modo, o
verbo dirigir-se revela algo belo, profundamente humano e espiritual: o amor
fraterno. O serviço mútuo vivido por quem realmente ama é gerador de
fraternidade. Quem necessita da ação amorosa tem pressa, e Maria sabia disso.
Quem está nos esperando, hoje? Não precisamos ir morar na
África para estarmos com os pobres. Se o fizermos, os pobres de lá também
precisam e Deus se alegrará com nossa disponibilidade; mas ao nosso redor há
quem nos esperar: nossos pais, filhos, amigos, os vizinhos, ou o desconhecido
que nos surpreende com seu rosto desconcertante.
Dirigir-se,
apressadamente, é um desafio. Primeiro, porque há uma força que nos fala,
interiormente: Não, vou ficar aqui mesmo,
curtindo o meu egoísmo! Quem quiser, que venha até mim! Não é pequeno o
número dos que se deixam convencer e dominar por esta força de morte.
Por outro lado, há uma vontade, que parece ser da
natureza mesma do ser humano, que interpela, empurra, desinstala,
convencendo-nos de que, de fato, só crescemos, humana e espiritualmente, quando
vivemos a verdadeira comunhão. O amor é comunhão de pessoas.
Tomemos
cuidado somente com uma coisa: a comunhão não é exclusiva, mas inclusiva do
outro, do diferente, daquilo que, especialmente, nos incomoda. Comunhão não é
formação de guetos, mas encontro de pessoas que se querem bem no amor, de
pessoas que comungam sem a anulação de suas individualidades e/ou
particularidades. Comunhão não é uniformidade, mas encontro alegre e respeitoso
das diferenças.
No relato bíblico completo (cf. Lc 1, 39 – 56), utilizado
pelas comunidades cristãs católicas neste fim de semana, durante a celebração
litúrgica da assunção de Maria, aparece um cântico que o evangelista Lucas põe
na boca da mãe de Jesus. Este cântico relata o que estamos afirmando desde o
início de nossa reflexão.
Maria
age conforme a sua fé. Ela crê em um Deus que desceu para visitar e libertar o
seu povo e com este permaneceu (cf. o início do livro do Êxodo). A experiência
divina é exodal. Quem quiser fazê-la, terá que partir, dirigir-se,
apressadamente. Hoje, as Igrejas cristãs são chamadas a fazerem a mesma coisa
que Maria fez: partir e se dirigir, às pressas, ao encontro daquelas pessoas
grávidas, prestes a dar à luz a outro mundo possível. É dessa forma que Maria
participa, antecipadamente, da glória de Deus; participação que não a
transformou em um ser superior aos demais crentes, mas nos convida à mesma
participação.
Tiago de França
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