sábado, 20 de setembro de 2014

A liberdade e a bondade de Deus

“Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55, 8).

            São extraordinárias a beleza e a profundidade expressas nos textos bíblicos a serem lidos e meditados nas celebrações da Igreja católica, neste fim de semana (cf. Isaías 55, 6 – 9; Filipenses 1, 20 – 24.27; Mateus 20, 1 – 16). Como seria bom se todos os cristãos de nossas Igrejas e os que não se encontram em nenhuma delas, pudessem compreender a liberdade e a bondade de Deus. Nossa interpretação aponta para a liberdade divina e sua bondade insondável e infinita.

            No evangelho, Jesus compara o Reino de Deus a um patrão que saiu de madrugada, às nove horas da manhã, ao meio dia, às três horas da tarde e às cinco horas da tarde para contratar trabalhadores para a sua vinha. Vejam que o patrão passou o dia inteiro contratando pessoas para a sua vinha. Isso demonstra sua preocupação com as pessoas. Ele as quer na vinha, trabalhando. 

No Reino de Deus as pessoas são chamadas à ação, não ao mero trabalho. Não se visa à produtividade, mas o agir constante e perseverante. No fim do dia, na hora do pagamento dos contratados, o patrão age causando murmurações naqueles que trabalharam desde as primeiras horas do dia. Ele deu a todos, indistintamente, o mesmo valor: uma diária a todos! Uma moeda de prata, conforme o combinado.

            E Jesus finaliza com as seguintes palavras: “Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”. O que dizer desta belíssima parábola? Este patrão é o Deus e Pai de Jesus. Diferentemente da imagem divina que aparece no Antigo Testamento das Escrituras, o Pai é bom. Em outra ocasião, Jesus não quis ser chamado de bom mestre, porque ensinava que somente Deus é bom.  

Este bom Pai recebe e acolhe, em primeiro lugar, os que neste mundo são colocados em último lugar. Em nossas Igrejas cristãs, qual o lugar que estes últimos ocupam? Há lugar para eles? Há lugar para os mendigos, os viciados, as prostitutas, enfim, para as “minorias abraâmicas” (expressão do santo bispo, Helder Câmara)?...

            Somente compreende o Pai de Jesus aquele que levar em conta o que disse o profeta Isaías nos versículos acima transcritos: Deus não pensa como os homens pensam, e os caminhos humanos não são os seus. O que isto significa? Significa que Deus é livre e libertador. Ninguém conhece os pensamentos de Deus, exceto Jesus e o Espírito porque formam com o Pai a divina comunidade, o Amor.  

Mesmo desconhecendo os insondáveis desígnios divinos, foi do querer deste mesmo Deus se revelar na pessoa de Jesus. Temos acesso ao Pai em Jesus de Nazaré. Assim, Deus deixou de ser o Altíssimo, o Senhor dos Exércitos, o Terrível, para se tornar o Pai que acolhe com bondade, ternura e misericórdia suas filhas e filhos pecadores. Seus critérios são outros e sua lógica contradiz a lógica humana.

            Neste sentido, não adianta querermos compreendê-lo a partir dos critérios da lógica deste mundo. Deus não é um Pai carrasco, que vigia seus filhos e filhas, querendo castigá-los. Os salmos ensinam que Ele não nos trata como exigem nossas faltas, mas “é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura” (Sl 144 [145]). Infelizmente, nas Igrejas cristãs e fora delas, a imagem divina é demasiadamente distorcida.  

Na maioria das vezes, prega-se e acredita-se num Deus com péssimos atributos humanos: rancoroso, invejoso, cruel, sanguinário, vingativo, enfim, a imagem de um Deus que trata o ser humano nos moldes humanos de tratamento. Logo se vê que se trata de idolatria, fundamentada na mentira e na ilusão. O Pai de Jesus não é nada disso. Precisamos nos libertar desta perversa idolatria, pois quando levada ao extremo, chega-se a matar em nome deste falso deus.

            Então, o que significa acreditar no verdadeiro Deus e Pai de Jesus? Significa assumir a postura de irmão/ã. Ser fraterno é abrir-se para o encontro com o outro. Neste encontro o amor de Deus acontece, o Pai se torna presente. Nas comunidades cristãs deve existir a fraternidade. Se esta não existir, então não temos comunidade, mas somente aparência de comunidade.  

É na comunidade que encontramos o amor fraterno. No isolamento não existe amor, mas egoísmo. Para conhecermos a liberdade e a bondade divinas precisamos viver a experiência do amor. Trata-se da via única para tal conhecimento.

            A renúncia à mania de grandeza é essencial para tomar parte no Reino de Deus. A violenta vontade de ser grande, importante, brilhante, esplendoroso; aquele desejo de querer abarcar o mundo; o desejo oculto e explícito de ter vantagem em tudo; a procura pelos elogios e aplausos; o viver segundo a lógica do sistema dominante; enfim, tudo isso deve ser renunciado em função da participação do Reino de Deus.  

Este Reino não acontece a partir destas coisas. Todas passam e tornam inútil a vida humana. Tudo não passa de vaidade das vaidades! Nas Igrejas, os líderes religiosos precisam renunciar aquilo que o papa Francisco chamou de “psicologia de príncipes”, que consiste no servir-se da Igreja para promover-se, para viver em função do poder, do prestígio e da riqueza.

            Deus é livre e quer a liberdade do ser humano, não manipula nem é manipulado por ninguém. Não somente quer ver o homem livre, mas trabalha, diuturnamente, para que isto acontece. Na força e na graça do Espírito, trabalha, incansavelmente, nos corações das mulheres e homens de boa vontade.

Acolhendo-o em nossos corações, temos a graça de nos libertarmos de nós mesmos, de nossos interesses mesquinhos, de nossa visão míope da realidade, de nossas ambições desmedidas, de nossa religiosidade mentirosa e hipócrita, de nossa fé ingênua e carente de confiança, de nosso comodismo diante das injustiças que assolam a sociedade, enfim, de nossa covardia diante das necessidades de nossos irmãos e irmãs que sofrem.

            Por isso, acolhamos o convite do profeta Isaías: Busquemos a Deus e o invoquemos; abandonemos nosso mau proceder e nossas vergonhosas maquinações contra o próximo; voltemos para o Senhor, pois, afinal de contas, como nos ensina Paulo: “Só uma coisa importa: vivei à altura do evangelho de Cristo”. Este viver à altura do evangelho de Cristo passa, necessariamente, pelo caminho de Jesus. Quem desconhece este caminho jamais conseguirá viver conforme o evangelho.

Que evangelho é este? É o evangelho da vida, da liberdade e do amor. Se nossas palavras e ações provocam a morte, a escravidão e a falta de amor, então estamos fora do caminho de Jesus. Não há meio termo. Não existe mais ou menos. Ou somos quentes, ou frios, porque o morno é vomitável! O mundo carece de mulheres e homens maduros e decididos, transparentes e corajosos, que se coloquem no caminho de Jesus, voltando-se para o Senhor. Isto significa fazer parte do número dos últimos, que serão os primeiros no Reino de Deus.  

Se nos deixamos dominar pelo medo e pela covardia, então sejamos, pelo menos, sinceros, evitando certa aparência de piedade e religiosidade, que não passa de mentira e ilusão. Que o Espírito nos fortaleça e nos mantenha de pé, livres e acordados, na contemplação e na ação, em vista de um mundo melhor para todos e de uma religião mais humana e fraterna.


Tiago de França

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