segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CARTA ABERTA À PRESIDENTA REELEITA, DILMA VANA ROUSSEFF

“Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (Geraldo Vandré).

Prezada Presidenta Dilma,

            Com esta Carta Aberta quero cumprimentá-la por sua feliz reeleição para a presidência de nosso país. Fiquei muito feliz com sua vitória sobre o candidato Aécio Neves, do PSDB. Quero que saiba que, particularmente, além de torcer pela sua reeleição, desde o primeiro turno estive empenhado na militância, mesmo não sendo filiado ao Partido dos Trabalhadores.  

Como professor e estudante, sem me deixar levar pela mídia golpista de nosso país (Globo, Veja, Istoé, Folha de São Paulo etc.) ousei remar contra a maré e fui muito incompreendido por isso. Juntamente com meus conterrâneos nordestinos, fui taxado como ignorante, mal informado e alienado. Tais acusações não me atingem porque vieram de pessoas mal intencionadas, desprovidas de argumentos plausíveis e preconceituosas.

            Gostei muito de seu primeiro discurso como Presidenta reeleita. Quero aqui externar três pontos fundamentais que, a meu ver, precisam ser considerados em seu novo governo. Antes disso, faço questão de dizer que a grande maioria dos meus conterrâneos continua acreditando que seu governo é o melhor para o nosso país, não porque os mais pobres dos nordestinos recebem o Bolsa Família, mas porque não aceitamos mais sermos governados por quem ignora a realidade sofredora dos pobres.  

Pelos números do resultado das eleições, a senhora deve ter percebido que a sua vitória se deve, principalmente, à expressiva votação dos nordestinos, e é com grande alegria que nós assumimos nossa responsabilidade neste resultado, assim como nas demais vezes que elegemos e reelegemos o ex-presidente Lula.

            Querida Presidenta, peço-lhe que considere estes três pontos fundamentais que são como que três grandes emergências para que nosso país continue caminhando na direção do autêntico desenvolvimento.

1 – Priorize a educação, transformando-a na mola propulsora do desenvolvimento do Brasil. Sabemos de seu empenho, desde o governo do ex-presidente Lula, ao viabilizar, por meio do PROUNI e outros mecanismos, o acesso à educação de nível superior. Pois bem, efetive, o mais breve possível, a reforma do ensino básico (fundamental e médio) através de uma política educacional inclusiva que contemple a valorização dos professores (salário, capacitação etc.), a construção de novas escolas e universidades, os investimentos no transporte escolar, nas pesquisas e na extensão, o aumento das oportunidades de estudos no estrangeiro etc. Convide os órgãos de representação dos corpos docente e discente para discutir e repensar a educação em nosso país e reserve bons investimentos para esta área. O nosso povo carece disso.

2 – Realize, o mais breve possível, a Reforma Política de que o país precisa. Esta Reforma, senhora Presidenta, não pode ignorar a participação do povo. Convoque o plebiscito, assim como todas as organizações populares para que esta Reforma dê um basta nos desmandos políticos da classe política descomprometida com as reais e necessárias mudanças. O povo quer participar e deseja uma Constituinte exclusiva para a realização desta importante Reforma, pois sabemos que a maioria de nossos congressistas, interessada somente na promoção de seus interesses, não pode fazer uma Reforma que atenda ao clamor por justiça que emerge das classes desfavorecidas.

3 – Promova uma política efetiva de respeito, diálogo e preservação das terras dos povos indígenas, assim como reveja os megaprojetos que afetam, negativamente, nossas riquezas naturais. Senhora Presidenta, os nossos irmãos e irmãs indígenas estão sendo brutalmente expulsos de suas terras e assassinados. O Estado brasileiro precisa, urgentemente, defendê-los de seus predadores. A senhora sabe que eles são os primeiros habitantes e os donos legítimos de suas terras. Assim como todos os demais brasileiros, nossos povos indígenas precisam ser respeitados, e o Estado não pode ser mais um na lista daqueles que os perseguem e matam.

A situação deles é gravíssima, senhora Presidenta. Por isso, reveja o mais breve possível a forma como seu governo os trata. Procure escutá-los e faça um ajuste em sua política de desenvolvimento, no que se refere à construção das usinas hidroelétricas (a de Tucuruí, principalmente). Concordo que nossa matriz energética precisa ser reforçada, pois precisamos de energia para nossas cidades e indústrias, mas para manter-se, o desenvolvimento precisa respeitar nossa Mãe Terra e os que nela vivem.

A preservação de nossas riquezas naturais nos garante um futuro promissor e a exploração da terra deve ser a mais respeitosa possível. Não podemos explorar sem limites, nem permitir que empresas brasileiras e estrangeiras invadam nossas riquezas, explorando-as, impunemente. Neste sentido, senhora Presidenta, procure escutar os especialistas de nossas universidades e ONGs, assim como os ambientalistas e, no caso das comunidades indígenas, os índios e seus legítimos representantes (Fundação Nacional do Índio, Conselho Indigenista Missionário etc.).

            Por fim, senhora Presidenta, quero, ainda, pedir uma última coisa. Trata-se de uma questão política importante. A senhora sabe que o PT nasceu nas bases de nossas comunidades. O PT nasceu nas periferias do Brasil. Foi o resultado da união de inúmeras pessoas e organizações populares que desejavam e continuam desejando um país mais justo e fraterno. A senhora sabe também que, desde a chegada do ex-presidente Lula ao poder, os dirigentes do PT se distanciaram dos movimentos sociais. 

Isto é muito perigoso porque o poder, senhora Presidenta, corrompe as pessoas. O resultado desse afastamento do povo e de suas organizações é conhecido por todos: a corrupção envolvendo pessoas que participaram da origem histórica do PT. Para que isto não se repita, procure fazer com que o PT e seu governo se mantenham abertos ao diálogo com o MST, com a Via Campesina, com os sindicatos, com o movimento de mulheres, enfim, com todos os movimentos sociais que contam com pessoas que realmente desejam a construção de um país melhor.

Sem escutar a voz dos pobres e dos que os representam não é possível um governo que atenda, efetivamente, seus anseios; do contrário, seu governo continuará com os vergonhosos traços dos governos tucanos, que sempre se recusaram a dialogar com os movimentos sociais, tratando-os com desprezo, discriminação e com a força policial. Senhora presidenta, o nosso povo não aceita mais governantes distantes, que somente aparecem em tempos de eleições. Por isso, se a senhora quiser ter bom êxito nos próximos quatro anos, mantenha-se aberta e disponível para escutar os mais pobres do povo brasileiro.

No que se refere às alianças políticas e o diálogo com a oposição, a senhora já sabe o que fazer. Seja mais prudente nas nomeações de importantes cargos no seu governo. A experiência mostra que muitos se aproveitaram de sua confiança e quase tornaram impossível a sua reeleição. Procure estar atenta não somente à capacidade técnica de seus colaboradores, mas, sobretudo, ao histórico de cada um. Investigue a conduta e evite a mera negociação política dos cargos públicos. Nós estamos cansados com a mídia golpista jogando na nossa cara, repetidamente, escândalos como o da Petrobrás, entre outros.

            Por fim, desejo um excelente segundo mandato. Antes de toda e qualquer decisão, lembre-se: a senhora representa todos os brasileiros e a maioria destes acredita na sua capacidade para continuar governando este imenso país, marcado por contrastes históricos. Como cristão de confissão católica, peço ao bom Deus que derrame suas bênçãos sobre sua pessoa, a fim de que seu governo permaneça atento às necessidades e urgências de nosso povo.

            Com estima e votos de saúde e paz,
Tiago de França da Silva
Professor, estudante e nordestino com muito orgulho! 

sábado, 25 de outubro de 2014

Mensagem por ocasião do Mês missionário 2014

Tema: “A missão a serviço do Reino de Deus”

Amigos e amigas, irmãos e irmãs no Cristo Jesus,

Graça e paz!

  1. A modo de introdução
Mais uma vez, dirijo-me a vocês neste mês de outubro, para partilhar uma reflexão breve sobre um tema importantíssimo para o cristianismo: A missão a serviço do Reino de Deus. Trata-se de um tema que exige muito espaço para reflexão, dada a sua amplitude e importância. Por isso, em linhas breves iremos discorrer a respeito daquilo que julgamos ser o seu núcleo fundamental: a íntima e necessária ligação entre missão e Reino de Deus. Partimos do princípio de que a missão perde o seu sentido quando é desvinculada do Reino de Deus. A missão existe em função do Reino. Após breves afirmações sobre o tema da missão, concluiremos nossa reflexão com uma palavra sobre o segundo turno das eleições para presidente da República, com data marcada para o dia 26 do corrente mês.

  1. Jesus de Nazaré, o enviado do Pai
Jesus é o missionário do Pai, que na força do Espírito inaugurou o Reino. É o missionário por excelência, modelo para ser seguido. Dentre outros, podemos destacar três aspectos fundamentais da sua missão: primeiro, a sua liberdade; segundo, a sua opção pelos pobres; terceiro, a sua fidelidade ao Pai. Não há missão no cristianismo sem a vivência desses três aspectos da missão de Jesus, o Filho de Deus.

A liberdade de Jesus estava vinculada a sua obediência à vontade do Pai. No evangelho podemos constatar com clareza o seu fiel cumprimento da vontade divina. Deus o enviou para anunciar a Boa Nova da libertação no meio dos pobres e esta missão foi cumprida até as últimas consequências. Tendo nascido no meio dos pobres e anunciado a Boa Nova do Reino a eles, Jesus conquistou a liberdade. Passou pelo mundo fazendo o bem, sem se deixar prender por nada, nem por ninguém. Anunciava a Boa Nova com liberdade porque não estava subordinado a nenhuma forma de poder humano. Além disso, o próprio Jesus viveu despojadamente entre os pobres, não tendo onde reclinar a cabeça, como consta no evangelho.

A opção pelos pobres vivida por Jesus estava em plena sintonia com a opção do Pai, que desde a libertação do povo da casa da escravidão, conforme nos conta o livro do Êxodo, no Antigo Testamento das Escrituras. Desde sempre, Deus optou pelos pequenos e oprimidos, ajudando o seu povo a se libertar do julgo da escravidão, das garras dos poderosos deste mundo. Do Gênesis ao Apocalipse, esta opção aparece com clareza e objetividade. Para cumprir a vontade do Pai, Jesus precisou conhecer e observar a fidelidade do Pai em relação a seu povo. Portanto, Jesus é o Libertador do povo de Deus em peregrinação à casa do Pai.

A fidelidade de Jesus à vontade do Pai está explicitada no seu espírito de obediência. Conforme a carta aos Filipenses, Jesus foi obediente até à morte e morte de cruz. Jamais cedeu à tentação do poder, do prestígio e da riqueza, mas manteve-se fiel e, assim, deu a sua vida pela salvação de todos. Esta experiência transmitiu a seus discípulos, a fim de que fizessem o mesmo. Por meio da escuta do Pai através dos encontros no deserto, participando da intimidade divina, Jesus manteve-se humilde, simples e suavemente inquebrantável. Era, é e será eternamente a rocha que os construtores rejeitaram e que se tornou a pedra angular. A fidelidade de Jesus ao Pai no Espírito fortalece os peregrinos de Deus nas estradas deste mundo rumo à plenitude do Reino.

  1. A missão nos primeiros séculos do cristianismo, durante os períodos medieval e moderno
Após a ressurreição de Jesus dentre os mortos, seus discípulos se tornaram apóstolos, ou seja, enviados para evangelização dos pobres. Jesus já os tinha enviado em missão, mas somente após sua ressurreição e “retorno” ao seio do Pai é que seus discípulos deram início à missão propriamente dita. O testemunho das Escrituras é belíssimo ao falar da missão dos primeiros missionários da obra missionária de Jesus. Com a força do Espírito, enviado pelo Pai e pelo Filho, mulheres e homens pregavam a Boa Nova do Reino com coragem e ousadia profética. A maioria recebeu a coroa do martírio, pois lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro, como nos ensina solenemente o Apocalipse de são João.

As autoridades dos judeus e do império romano não cessavam de perseguir e torturar os apóstolos e apóstolas de Jesus: eram presos, interrogados, torturados e mortos. O primeiro século da era cristã é banhado pelo sangue dos mártires. Graças a estes, o anúncio do evangelho permanece vivo até nossos dias. Eles participaram, com coragem e ousadia, da sorte de Jesus, entregando a própria vida, sem medo e sem reservas. Colocaram a mensagem do evangelho no centro de sua vida e missão e assumiram com o testemunho da própria vida a missão deixada por Jesus. Os mártires renunciaram seus próprios interesses em vista do anúncio do Reino e ganharam a vida plena.

Após este período fértil de genuína profecia, a Igreja, uma vez instituída, coloca-se a serviço dos reinos deste mundo, abandonando o evangelho de Jesus. Quando o império romano adota o cristianismo como religião oficial, então se iniciam os problemas, os entraves ao Reino de Deus. A Igreja começou a ceder às três tentações que sempre assolaram a humanidade: as tentações do poder, do prestígio e da riqueza. O período medieval é um dos períodos mais sombrios da história da Igreja, mesmo contando com a presença profética de grandes mulheres e homens como São Francisco de Assis e tantos outros. Foi naquele período que a Igreja acumulou muitas riquezas: terras, templos, mosteiros, conventos, construções, fortunas.

Durante toda a idade medieval, a missão consistia na missão divina, a do Pai, do Filho e do Espírito Santo, portanto, a missão trinitária. A Igreja estava ensimesmada, centrada em si mesma. Interessava-lhe conquistar e manter o poder, a influência sobre os reinos deste mundo. Foi estabelecida a cristandade na qual todos deveriam, sem exceção, se submeter à doutrina e às leis da Igreja. Ninguém ousava questionar o seu poder, e quem o fizesse era rigorosamente punido e, em muitos casos, morto. O clero ocupava o topo da pirâmide social. A hierarquia da Igreja era poderosa e ocupava o centro da vida eclesial. Padres, bispos, cardeais e papas eram considerados homens perfeitos, inquestionáveis, apesar dos graves pecados que cometiam. É verdade que neste período apareceram grandes santas e santos, mas tais testemunhas da ressurreição de Jesus não foram escutadas pela Igreja, que seguiu insistindo em sua busca incansável pela manutenção do poder.

Como o início do período moderno, no séc. XVI, a Igreja teve que enfrentar as denúncias feitas pelo monge agostiniano, teólogo e professor, Martinho Lutero. A resposta veio com a realização do Concílio de Trento, que enrijeceu a Igreja, tornando-a cada vez mais fechada ao mundo. Neste concílio, a Igreja estabeleceu a formação do clero, a disciplina dos sacramentos, aprimorou a doutrina e organizou mais sistematicamente a hierarquia. A obediência à hierarquia passou a ser considerada a grande virtude dos fieis católicos. Obedecia-se sem nenhuma forma de esclarecimento e questionamento. Pedir a bênção, beijar a mão e obedecer sem compreender a ordem dada constituíam a obediência na Igreja. O sistema religioso era tão autoritário e persuasivo que ninguém ousava pensar diferente da maneira como pensava o clero. A palavra deste era como que a palavra de Deus.

Quando os países europeus resolveram se aventurar nas grandes navegações à procura de riquezas em mundos desconhecidos, a Igreja resolveu acompanhá-los em suas viagens. Assim, a missão passou a ser entendida como as missões junto aos colonizados. Grandes ordens religiosas se sobressaíram, sendo os jesuítas e os franciscanos as que mais se destacaram. Eles vieram implantar a fé. Isto mesmo, a ideia era implantar, converter via imposição. Nas Américas, índios e negros eram, forçadamente, convertidos. Havia algumas exceções, dentre as quais podemos destacar a experiência do dominicano Bartolomé de Las Casas, grande defensor dos povos indígenas, contrário à exploração dos mesmos e à evangelização via imposição. Sua experiência missionária vale a pena ser conhecida, pois se trata de um grande profeta, que denunciou os abusos que se cometiam na época da colonização.

Durante o período moderno, até a realização do Concílio Vaticano II, no início da segunda metade do século passado, a Igreja desenvolveu a missão através da ação missionária dos jesuítas, franciscanos, dominicanos, lazaristas etc. Compreendia-se a missão da seguinte forma: 1) combater o crescimento dos protestantes; a pregação deveria está centrado nos temas do céu, inferno e purgatório; ênfase na recepção disciplinada dos sacramentos, principalmente o da confissão (Reconciliação) e da Eucaristia; realização das santas missões populares, com apelos fervorosos à conversão por meio da imposição do medo em relação ao inferno e ao domínio do demônio; 2) reforço da estrutura administrativa (paróquias e dioceses) e 3) combate às ideias iluministas e ao relativismo, visando o fortalecimento da influência da Igreja junto aos estados modernos.

Tudo isso vigorou até o Vaticano II. Os cristãos católicos, salvo aqueles que eram considerados subversivos e hereges, obedeceram fielmente o modelo de Igreja aperfeiçoado no Concílio de Trento. Atendendo aos apelos que surgiam em vários lugares do mundo, o papa João XXIII, canonizado recentemente, providencialmente, convocou e deu abertura ao Concílio Ecumênico Vaticano II, com o objetivo de atualizar a Igreja, propondo a necessária abertura ao mundo e, assim, deixando de lado as condenações veementes dos importantes avanços oferecidos pela modernidade. Os Padres conciliares estavam praticamente convictos das urgentes necessidades da Igreja, dentre as quais destacamos três: 1) descer do pedestal de sua arrogância para dialogar em pé de igualdade com o mundo; 2) colocar o evangelho no centro de sua vida e missão e 3) fazer a opção pelos pobres e oprimidos, despojando-se das suas alianças com os poderosos deste mundo.

  1. A missão na Igreja pós-Vaticano II e a feliz eleição do papa Francisco
Com o Vaticano II, a missiologia se tornou disciplina nos currículos dos cursos de Teologia. É verdade que continua sendo uma disciplina um tanto marginalizada. Os estudantes, especialmente os seminaristas, não dão o devido valor ao estudo da missão na Teologia, mas esta é uma questão a ser discutida em outra oportunidade. Aqui nos interessa afirmar que, apesar do Vaticano II ter reconhecido a essencial dimensão missionária da Igreja, a missão desta no mundo continua deixando a desejar.

O pontificado de João Paulo II, também recentemente canonizado, ao contrário do que muitos pensam, não representou um avanço no incremento da dimensão missionária da Igreja. É verdade que o papa polonês deu sua contribuição com reflexões pontuais sobre o tema da missão. Exemplo disso é a sua carta encíclica Redemptoris missio, sobre a validade permanente do mandato missionário, publicada em 07 de dezembro de 1990; mas, uma coisa é a produção de documentos oficiais, outra é a prática cotidiana da Igreja. Há pouca harmonia entre ambos. O papa João Paulo II reforçou um modelo triunfalista de Igreja, contrário ao concebido pelo Vaticano II. Foi o papa que mais soube trabalhar a identidade católica perante o mundo, em detrimento da genuína evangelização do povo de Deus.

Após a corajosa renúncia do papa Bento XVI, eis que o colégio cardinalício elege, ousadamente, pela primeira vez na história da Igreja, um latino-americano para o pontificado. Francisco, como o próprio nome indica, é um dos sinais de Deus para toda a Igreja. Seu projeto de restauração da Casa do Senhor é profeticamente necessário, oportuno, admirável e louvável. Com Francisco, espera-se que a Igreja se torne, efetivamente, missionária, pois até o momento, só assumiu a missão no papel, salvo as exceções de clérigos e leigos, que abraçaram heroicamente a missão.

Francisco, com suas palavras e gestos, está pronunciando três palavras que sempre causaram pavor na hierarquia eclesiástica: liberdade, pobreza e evangelho. Somente uma Igreja livre, pobre e fiel ao evangelho é capaz de evangelizar. Sem esta conversão estrutural, a evangelização não acontece, efetivamente. Caso a Igreja venha a se comportar como se comportou diante do testemunho profético de São Francisco de Assis, infelizmente, quando o papa Francisco partir, poderá até ser venerado como santo, mas sua mensagem será marginalizada na Igreja. Tudo continuar como antes dele, do mesmo jeito, como se ele nunca tivesse existido. Exalta-se a santidade pessoal e se esquece da mensagem.

  1. A dimensão política da missão cristã e o 2º turno das eleições presidenciais
É preciso considerar que o autêntico cristão não pode se recusar a participar da vida pública. Esta é marcada pela política. O ser humano vive em sociedade e, portanto, é chamado a tomar decisões políticas. Podemos dizer que é impossível sermos apolíticos porque vivemos em sociedade. À luz do evangelho, a neutralidade e a recusa à participação na política são pecados graves, que conhecemos bem o resultado destes pecados. Assim, participar, conscientemente, é urgentemente necessário. Quando a situação piora, quem não participa conscientemente perde o direito de criticar. A crítica sem participação perde sua legitimidade.

Neste ano, estamos diante do 2º turno das eleições. Teremos a eleição de treze governadores e do presidente da República. Neste segundo caso, de um lado, temos o candidato Aécio Neves do PSDB e, do outro lado, Dilma Rousseff do PT. São duas propostas: a primeira, conhecida em Minas Gerais, pois o candidato atuou neste estado; a segunda, já conhecida nacionalmente, pois a candidata procura ser reeleita. Particularmente, recomendo que votem em Dilma Rousseff do PT e lhes apresento três motivos: 1) apesar dos escândalos de corrupção, esta foi combatida mais do que em qualquer outro governo; 2) apesar da concentração de renda que ainda vigora no país, os pobres passaram a viver melhor e 3) apesar do neoliberalismo ainda reinante, os governos de Lula e Dilma reduziram, significativamente, as desigualdades sociais no país. Os indicadores sociais demonstram claramente a mudança.

Outras razões podem ser conferidas em outros artigos de minha autoria, disponíveis em meu blogue na internet (cf.www.tiagodefranca.blogspot.com). O voto é livre e deve ser consciente, e faço questão de lhes falar da minha preferência e de recomenda-lhes o voto em Dilma Rousseff. Não acredito em Aécio Neves por vários motivos, dentre os quais destaco seu estilo elitista de governar, em detrimento dos mais pobres. Não creio nem apoio candidato com passado e presente comprometido com os mais ricos e poderosos, que visam somente o lucro através da explorados dos pobres e fracos.

Por fim, quero vos fazer um pedido: muitos de vocês recebem, periodicamente, meus escritos pelos correios (por ocasião da páscoa, do natal e ano novo, assim como nos meses de agosto [das vocações], setembro [da Bíblia] e outubro [mês missionário] e também por ocasião de algum acontecimento ou data importante). Pois bem, a fim de que eu saiba que vocês estão realmente recebendo e se identificando com os escritos, peço-lhes, por favor, que respondam a presente mensagem. Caso não respondam, entenderei que não desejam mais recebê-las e, assim, não mais lhes enviarei.

Recomendo-me às suas preces, na certeza de que as faço por cada um de vocês. Que o Espírito de Deus nos mantenha acordados e firmes no caminho de Jesus de Nazaré, rumo à plenitude do Reino.

Fraternalmente, no Cristo ressuscitado,

Tiago de França 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A mudança desejada por Aécio Neves do PSDB

             
               Na vida, a gente passa por mudanças. Há quem mude para melhor, há quem mude para pior. Isoladamente, a palavra mudança não significa praticamente nada. Toda mudança é orientada pelas condições de possibilidades. Se estas inexistem, todo desejo de mudança é frustrado. A experiência pessoal, institucional e social mostra com clareza que a mudança é não somente necessária, mas possível.

Para ajudar no discernimento rumo à mudança, quatro perguntas são necessárias, a saber: 1) O que mudar? 2) Quando mudar? 3) Quem vai mudar? Como vai mudar? Nos planos político e social, a mudança precisa ser efetiva, atingindo o objetivo assegurado na Constituição Federal: o de construir um país mais justo e fraterno para TODOS.

            Quando fala em mudança, Aécio Neves não responde a nenhuma destas imprescindíveis perguntas que explicitam o que entende por mudança. Na verdade, é até compreensível o seu proceder porque a revelação do que realmente deseja causaria a sua total reprovação junto ao povo brasileiro.  

Neste sentido, seus gestos e palavras, assim como sua propaganda eleitoral precisam, eficientemente, camuflar a realidade, induzindo o povo a pensar que ele representa um projeto de libertação nacional. O eleitor atento à realidade e à história logo percebe que não se trata de mudança para melhor, mas de mudança para pior, na direção de um passado terrível, que não faz falta a ninguém. Só acredita em Aécio Neves que não tem a mínima noção da história recente do país.

            Quem pretende mudar tudo da noite para o dia sabe muito bem que está tentando enganar a si mesmo e aos outros. Tentativa irrealizável, pois a mudança é progressiva, é processual, acontece a partir das condições de possibilidade e dentro de determinado contexto histórico.

Na mudança pra pior há um corte violento na direção do retrocesso. Como o retrocesso se refere a uma situação anterior, que se encontra no passado, quem o defende costuma fugir de uma análise apurada do passado. Isto explica o fato de o Aécio Neves somente se dirigir ao passado quando este lhe convém. O passado do seu partido é comprometido com as forças que atrasaram o Brasil durante muito tempo. Anunciar uma mudança repentina é uma das estratégias do candidato tucano para enganar seus interlocutores.

            A leitura da nossa jovem história democrática nos fala de mudanças. Com a chegada do nordestino Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República, um novo tempo se iniciou no Brasil. Pela primeira vez na história, um homem de origem humilde, nascido na pobreza do nordeste, é eleito para o maior cargo do poder executivo. Em si mesmo, o fato é historicamente extraordinário. Basta conhecer as biografias de seus predecessores para confirmar o que estamos afirmando. 

Este mesmo nordestino fez chegar, ao mesmo posto, pela primeira vez na história, uma mulher vítima da ditadura militar: Dilma Vana Rousseff. Somando os doze anos de governo, o saldo é historicamente positivo para todo o povo brasileiro. Este saldo positivo nos garante o que desejamos afirmar, categoricamente: Foi com a chegada de Lula ao poder que o Brasil iniciou um histórico processo de mudança.

            De quais ganhos a favor do povo brasileiro estamos falando? A lista é grande, mas alguns nos chamam mais a atenção pela sua grandeza e significado. Segundo as fontes oficiais*, os governos de Lula e Dilma conseguiram, dentre outras coisas: tiraram o Brasil do mapa da fome, segundo a ONU; tiraram 42 milhões de pessoas da miséria; promoveram 38 milhões de pessoas à nova classe média (classe C); retiraram 22 milhões de pessoas da extrema pobreza; ofertaram, somente no Prouni, 1,2 milhões de bolsas de estudos; libertaram o Brasil das garras do FMI; criaram 18 universidades federais, 214 escolas técnicas e 6.427 creches; reduziram, drasticamente, as desigualdades social e regional; criaram 1, 79 milhões de empregos por ano.  

Muitos outros benefícios poderiam ser citados, mas mencionamos estes para pensarmos as seguintes perguntas:

1 – Todos estes benefícios históricos representam ou não a mudança de que o Brasil estava precisando?...

2 – Considerando o histórico dos mandatos de FHC, será que os tucanos seriam capazes e/ou teriam vontade política para promover a mudança que está acontecendo no Brasil?...

3 – Analisando as pseudopropostas de Aécio Neves, com seu estilo psdebista de governar, voltado para as classes privilegiadas, será que ele realmente deseja, pelo menos, ser um continuador desta mudança?...

4 – Se os indicadores sociais e a realidade dos mais pobres tem melhorado, progressivamente, faz sentido entregar a direção do país a um candidato que sequer conseguiu promover a mudança em seu estado de origem (Minas Gerais)?...  

Convido o leitor a pensar, com sinceridade, honestidade e verdade, respostas plausíveis para estas perguntas.

A sorte está lançada e o destino do país está em jogo. Caso a maioria do povo escolha pela reeleição de Dilma Rousseff, acredito que continuaremos remando este barco gigante, que é o Brasil, na direção de dias melhores, na construção permanente de um país cada vez melhor para se viver.

Caso ocorra o contrário, peço a atenção do leitor para o que aqui fazemos questão de registrar: infelizmente, na gestão tucana, o Brasil voltará ao vale de lágrimas de onde, a duras penas, saiu. E como sempre, os mais pobres do povo serão os que irão sofrer mais. A recessão econômica, provocada pela incompetência e pela falta de compromisso com o bem comum, levará o Brasil a ter os índices que sempre o envergonharam perante o mundo.

A reeleição de Dilma Rousseff será um basta na mentira e no ódio, um NÃO ao retrocesso e a uma política que não considera a vida dos mais pobres do povo brasileiro.

NÃO TROQUE O CERTO PELO DUVIDOSO. VOTE DILMA DE NOVO!



Tiago de França

*Fontes consultadas:

OMS, Unicef, MEC, IBGE, Banco Mundial

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Católicos e evangélicos ultraconservadores e as eleições presidenciais 2014

           
            Durante o período eleitoral, os católicos e evangélicos ultraconservadores costumam aparecer. Eles pertencem aos segmentos mais fechados das Igrejas cristãs. Emitem seus juízos pautando-se nas doutrinas e nas tradições de suas denominações religiosas.

Não bebem das fontes genuinamente evangélicas e, justamente por isso, seus juízos não resistem à palavra de Jesus, que é pura acolhida misericordiosa dos pecadores. Nossa reflexão quer discorrer a respeito de alguns pontos e/ou características das falas e condutas destes ultraconservadores, a fim de que o leitor não pense que eles são representantes legítimos de suas Igrejas.  

  1. O papel da religião em um mundo plural
O grande equívoco dos ultraconservadores é pensar que estamos vivendo em tempos de cristandade, ou seja, na época em que todas as pessoas viviam sob o domínio da autoridade religiosa. Este tempo não existe mais. Nas sociedades pré-modernas, a religião tinha uma força muito grande. Sua palavra era uma ordem. Quem não obedecesse era castigado.

Os líderes religiosos eram considerados representantes de Deus na terra e, por isso mesmo, afirmavam ter uma autoridade concedida por Deus para abençoar e amaldiçoar. Na Igreja católica, utilizavam-se da Inquisição para punir aqueles que eram considerados hereges e inimigos de Deus.

Hoje, não somos mais pré-modernos, mas, mesmo assim, contamos com milhões de cristãos com mentalidade pré-moderna. A interpretação que estes fazem das Escrituras Sagradas é antievangélica, pois não leva em consideração o mandamento do amor ensinado por Jesus, mas tal interpretação está alicerçada nas tradições e na conservação das leis.

Ao interpretar a palavra de Deus, visa-se fortalecer a tradição e conservar os preceitos religiosos. Busca-se, na Bíblia, legitimação para ambas as coisas. A vida das pessoas na diversidade de seus contextos não é levada em conta. Já na época de Jesus, os mestres da lei e fariseus se comportavam desta forma: para eles, o importante era o cumprimento da lei.

Para ilustrar, citemos um exemplo. Conta o evangelho segundo João, no cap. 8, versículos de 1 a 11, que os escribas e fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adultério e a colocaram diante de Jesus. A lei dada por Moisés autorizava que mulheres adúlteras fossem apedrejadas. Detalhe: mulheres, não homens adúlteros! Estes não eram apedrejados.

Diante da situação, Jesus surpreende a todos, dizendo: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra!” Os membros da elite religiosa ficaram desconcertados, e tiveram que ir embora sem apedrejar a mulher. Jesus, dirigindo-se a ela, perguntou: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” E diante da sua resposta, Jesus pede que ela vá embora, recomendando que não pecasse mais.

Os cristãos ultraconservadores não concordam com este gesto libertador de Jesus. Eles até leem em suas Igrejas esta passagem do evangelho, mas, na prática, não concordam. Para eles, Jesus tinha que ter deixado a mulher morrer apedrejada, pois ela cometeu um pecado gravíssimo. O leitor deve ter percebido que na pedagogia de Jesus, a lei deve está a serviço da edificação da vida, e não a vida a serviço da edificação da lei.

Por causa deste e de outros casos, Jesus foi acusado de ser um rebelde, um desobediente em relação à lei. De fato, em inúmeros casos Jesus mostrou que a lei precisava ser aperfeiçoada para entrar em sintonia com a vontade de Deus. Nas Igrejas cristãs, o que os ultraconservadores não aceitam é este aperfeiçoamento da doutrina e da tradição, pois nestas, muitas coisas precisam ser revisadas à luz do evangelho de Jesus.

Isto explica a dificuldade que os cristãos tem, principalmente os ultraconservadores, para aceitarem a diversidade religiosa e cultural presente na humanidade. Eles sequer procuram, na maioria dos casos, estudar a diversidade religiosa e cultural, simplesmente a condenam e julgam segundo suas convicções religiosas.

Julgam e condenam o candomblé, a umbanda, ritmos musicais, homossexuais, prostitutas, casais de segunda união, e tantas outras religiões, situações e pessoas. Para os ultraconservadores, todos estes estão nas trevas do pecado. Repito: julgam e condenam a partir das doutrinas religiosas e das tradições de suas denominações religiosas. E o pior é que o fazem em nome de Deus, que se mostra um pecado gravíssimo, pois em nenhum momento Deus autorizou quem quer que seja para fazer tal coisa.

  1. Os ultraconservadores e o PT
Nas redes sociais encontramos facilmente um ódio contra o Partido dos Trabalhadores, partido de Lula e Dilma. Trata-se de ódio porque as expressões são carregadas de uma vontade de exterminar tanto o partido político, com seus integrantes, quanto seus simpatizantes. Parte desse ódio é praticada por cristãos católicos e evangélicos ultraconservadores.

Neste momento e somente neste, ambos cristãos se tornam “irmãos em Cristo Jesus”, deixando de lado suas diferenças religiosas para investirem, conjuntamente, contra o governo atual e seu partido. Acusam, incansavelmente, o governo federal e o PT de serem a favor do aborto, da legalização da maconha, de promoverem a cultura gay e de serem contra os valores tradicionais da família cristã.

Em primeiro lugar, é preciso considerar a ignorância (falta de conhecimento) por parte da maioria destes ultraconservadores. Eles mostram que não são bem informados, pois simplesmente recortam reportagens de jornais e revistas, assim como fazem leitura de informações fragmentadas na Internet, nos canais da mídia oficial (Globo, Veja, Istoé, Folha de São Paulo e alguns outros); além de consultarem o magistério da Igreja, principalmente os documentos emitidos antes do Concílio Vaticano II e o direito canônico, portanto, antes de a Igreja tentar abrir as portas para entrar os novos ventos da modernidade (no caso dos católicos), e fazerem uma leitura fundamentalista da Bíblia, principalmente em muitas passagens do Antigo Testamento. Somam tudo isso para atacar, impiedosamente, a presidenta e candidata Dilma Rousseff e seu partido.

A leitura de algumas postagens é escandalosamente vergonhosa. No caso dos católicos, enquanto que em Roma o papa Francisco está fazendo todo esforço para fazer com que a Igreja seja, de fato, uma humilde serva do Senhor, na acolhida dos pecadores e na prática da misericórdia, nas bases da Igreja, os ultraconservadores semeiam o ódio e a confusão através da calúnia, da injúria e da difamação.

Depois das eleições, eles calam e voltam para o seio de suas Igrejas, comportando-se como se não tivesse acontecido nada. No caso dos católicos, geralmente, pertencem a comunidades ligadas à Renovação Carismática Católica (a Canção Nova com o Pe. Paulo Ricardo é a maior representante de todas); no caso dos evangélicos, geralmente, pertencem às Igrejas neopentecostais (Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus etc.).

Todo governante, independentemente de suas crenças religiosas, precisa cumprir a Constituição Federal. A respeito do aborto, eis o que está escrito no artigo 128 do Código Penal brasileiro: Não se pude o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante (Aborto necessário); II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Pela redação da legislação penal brasileira, criada em 1940, o leitor percebe que a lei permite essas duas formas de aborto. Quer o presidente concorde, quer não, a lei permite e as instituições de saúde estão respaldadas para efetivá-los. O que ocorre, na maioria dos casos, é que as mulheres engravidam e por vários motivos, que aqui não queremos discutir, procuram meios clandestinos para provocarem o aborto. Anualmente, são milhares de abortos cometidos clandestinamente no Brasil. Nestes casos, a lei é severa e incrimina as condutas da mulher e as de todos aqueles que concorrem para a prática do aborto.

Não existe por parte do governo federal nenhuma iniciativa ou campanha a favor da legalização do aborto. Como visto acima, as formas legais de se abortar estão previstas em lei. Somente o Poder Legislativo pode mudar a situação, criando novas leis a respeito do caso.

Não é o presidente da República, como muita gente pensa, que cria lei para incriminar ou não condutas. Tornar o aborto uma prática legal nas demais circunstâncias não previstas acima é uma discussão ampla que cabe ao Congresso Nacional realizar. Repito: o Poder Executivo não tem como função típica a criação de leis de nenhuma espécie.

            No caso da legalização do uso da maconha, até onde conheço, quem levantou abertamente esta bandeira foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas como os ultraconservadores são simpatizantes dos partidos de direita, FHC não foi tão contestado. Tal legalização é um tema importante, que precisa ser discutido, a fim de que se encontre uma solução. Cremos que toda a sociedade, juntamente com o Congresso Nacional pode chegar a uma conclusão sobre o caso. Agora, afirmar que o PT é o grande responsável por incentivar tal legalização é desconhecer os acontecimentos.

            No que se refere ao reconhecimento civil, por parte do Supremo Tribunal Federal, da união de pessoas do mesmo sexo, tal reconhecimento não é mérito do PT. Não foi este partido que encabeçou o movimento. Uma vez reconhecida tal união, é dever do Estado assegurar todos os direitos e garantias destes casais. Eles merecem ser respeitados e reconhecidos, como todos os demais brasileiros. Se os cristãos não aceitam as uniões homoafetivas, aí é um problema interno do cristianismo.  

Cremos que as Igrejas cristãs devem sentar para discutir tal questão. Se os homossexuais são ou não aceitos nas Igrejas, isto não cabe ao Estado. É uma questão religiosa. Portanto, não confundamos as coisas. Cabe ao Estado, independentemente das crenças religiosas do presidente da República e dos demais membros dos três poderes constituídos, assegurar os direitos e garantias fundamentais e zelar pela integridade das manifestações religiosas e culturais.

            Se os cristãos ultraconservadores desejam que todos os brasileiros se tornem católicos e/ou evangélicos, seguindo Jesus pautando-se nas doutrinas e tradições cristãs, este é um problema que cabe às Igrejas. Projetar esse desejo na sociedade nunca deu certo nem haverá de dar.

  1. O que devem fazer os cristãos para que seu testemunho seja escutado hoje?
A mulher e o homem pós-modernos repudiam a uniformidade. Esta não tem futuro num mundo cada vez mais plural. Assim, torna-se urgentemente necessário que os cristãos façam uma séria revisão de suas doutrinas, preceitos e tradições, trazendo o evangelho de Jesus para o centro de sua vida e missão; do contrário, continuarão mergulhados na crise na qual estão submetidos.

            Perdem a razão quando não fazem tal revisão e se voltam contra governos que visam o reconhecimento da diversidade cultural de seus povos. Os governos de direita que sempre governaram o Brasil, segundo uma análise apurada da história, eles, sim, prejudicaram e muito o autêntico progresso cultural e religioso dos povos. Unindo-se às elites tradicionais das Igrejas promoveram ditaduras, impediram as manifestações populares em prol da justiça e da igualdade de direitos e condições, reforçaram certa uniformidade, em detrimento das culturas nativas. 

O Brasil é um dos exemplos mais fortes disso. A direita conservadora, em nome da ideologia da segurança nacional e de valores ultrapassados, promoveu uma barbárie que marcará a história republicana de nosso país. Pelo que se vê, os ultraconservadores estão sentindo falta deste tempo. A candidatura do mineiro Aécio Neves representa bem estes ultraconservadores, que somente aparentam disciplina e reta intenção, mas que, na verdade, não passam de gente preconceituosa, hipócrita e ultrapassada. São merecedores desses adjetivos todos aqueles que fazem o que Deus reprova: o juízo e a condenação do próximo, em detrimento da autêntica unidade cristã que acontece na pluralidade das manifestações da fé.


Tiago de França

sábado, 18 de outubro de 2014

Dar a Deus o que é de Deus

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21).

            No texto evangélico que será proclamado e meditado pelas comunidades cristãs católicas neste fim de semana (Mt 22, 15 – 21), Jesus se encontra diante de uma cilada: os fariseus fazem um plano para apanhá-lo em alguma palavra.  

Para este fim, uniram-se os discípulos dos fariseus e alguns do partido de Herodes, enviados por seus chefes para perguntar a Jesus, após um breve elogio: “é lícito ou não pagar o imposto a César?” Eles, certamente, esperavam uma resposta positiva, em favor de César, ou negativa, em detrimento dos pobres e oprimidos, que sofriam com a pesada carga de impostos. Felizmente, não obtiveram nenhuma das respostas que esperavam. Saíram frustrados. O plano fracassou.

            Para Jesus, não interessa, em primeiro lugar, ensinar para as pessoas a respeito do certo e do errado. Jesus não foi enviado para ser o legislador do povo de Deus. Sua missão não estava centrada em emitir pareceres legais a respeitos de questões morais e disciplinares. Legislar é tarefa dos tribunais, que o fazem, na maioria dos casos, em detrimento da vida dos excluídos.  

A consciência de cada pessoa é sua juíza, e seguindo a sua orientação toda pessoa é capaz de saber o caminho que conduz à vida. Na pregação dos pastores este aspecto será escondido porque a religião cristã possui um conjunto pesado e complexo de leis que ditam sobre o certo e o errado no que se refere a praticamente todas as dimensões da vida humana. Neste ponto, os cristãos não aprenderam a lição ensinada por Jesus: a de respeitar a liberdade humana, renunciando à imposição de leis que ditam o que as pessoas devem ou não fazer.

            Mais do que dizer o que pertence a César, precisamos saber aquilo que é de Deus. Em primeiro lugar, a vida do povo pertence a Deus. Ele é quem a concede, abundantemente. Em segundo lugar, aparece a liberdade deste povo, que precisa ser promovida e não cessada. Em terceiro lugar, vivendo a vida na liberdade, a caminhada deste povo rumo à plenitude do Reino precisa ser mantida. Trata-se de um peregrinar constante e incansável, em meio e no enfrentamento das forças opostas ao Reino de Deus.  

Este Reino pertence aos pobres do povo em marcha, um povo que acredita na libertação definitiva, que conhece o seu Deus e é por Ele conhecido e querido. Isto é de Deus. As forças humanas são incapazes de destruir esta marcha histórica, que conta com a força do Espírito, que levanta o caído, concedendo-lhe força, voz, visão e coragem. Devemos tomar o devido cuidado para não confundir todas estas coisas com a identidade religiosa. A religião tem sua importância e é chamada a se colocar a serviço das lutas do povo de Deus por libertação.

            No que tange às autoridades instituídas, três aspectos precisam ser considerados: 1) Nenhuma autoridade possui legitimidade diante de Deus se a sua ação visa à destruição das pessoas. As autoridades públicas devem visar o bem comum. O mesmo se pode dizer das leis humanas, essencialmente imperfeitas e carentes de constantes aperfeiçoamentos. Ninguém está obrigado a observar uma lei contrária à vida das pessoas.  

2) O povo detém o legítimo poder para destituir não somente as autoridades corrompidas, mas, sobretudo, rever a ordem vigente quando esta o agride em seus direitos e garantias fundamentais. Se a ordem garante a desordem, a insurreição dos pobres se torna legitimamente necessária. Isto é democraticamente legítimo.  

3) Precisamos cada vez mais continuar promovendo a separação entre as instituições religiosas e estatais. Política deve se misturar com religião, mas ambas precisam reconhecer a devida liberdade de ação e de expressão do pensamento. Neste sentido, o estado laico somente é possível quando respeita a religião, e esta só age conforme o evangelho quando não procura se impor às culturas dos povos e à ação correta das instituições estatais. Toda forma de imposição é, evangelicamente falando, nociva porque não respeita a liberdade, que é um direito inalienável.

            Por fim, é preciso afirmar com clareza o seguinte: Quando os cristãos se empenham na transformação deste mundo, promovendo a justiça do Reino de Deus, estão dando a Deus o que é de Deus. A glória de Deus é a vida e a liberdade de seu povo.  

Jesus nos ensina no seu evangelho que seu Pai e nosso Deus não nos pede o culto meramente litúrgico, mas nos pede um culto novo, alicerçado no princípio fundamental do evangelho: O amor a Ele sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Não podemos esquecer jamais que amar a Deus é amar o próximo. Podemos até celebrar o culto com toda a beleza e solenidade possível, mas este será sempre abominável aos olhos de Deus se não nos dispusermos a amá-lo no outro, nosso irmão no Cristo ressuscitado.


Tiago de França

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Aécio Neves, o candidato da libertação do Brasil?

       
        Insistentemente, o candidato Aécio Neves tem dito em sua campanha eleitoral, que é o candidato da libertação do Brasil. Nossa reflexão quer desmentir essa pretensiosa afirmação, respondendo a três perguntas fundamentais: 1) O que é a liberdade política? 2) Qual a efetiva capacidade libertadora do candidato Aécio Neves? 3) De que e/ou de quem os brasileiros precisam se libertar? O tema da liberdade e da libertação requer uma visão histórica da realidade sem a qual não é possível enxergar absolutamente nada.

  1. O que é a liberdade política?
Politicamente, um povo é livre quando é capaz de tomar nas mãos as rédeas da própria vida. Isto parece irrealizável, mas, apesar das resistências, é possível sonhar com e construir um país politicamente livre. Essa construção passa, necessariamente, por uma política alicerçada na ética e no compromisso com os mais fragilizados da sociedade. Ser ético é, imprescindivelmente, ser comprometido.

Na vida política, assistimos, horrorizados, à ausência de compromisso com o bem comum. Esta realidade não tem mudado porque aqueles que se escandalizam com a falta de compromisso são, muitas vezes, os mesmos que contribuem para que a situação se perpetue. Aqui está o entrave político que domina o país.

A liberdade política passa, também, pela maturidade política. O cidadão maduro é alguém consciente da realidade na qual vive, assim como das consequências de suas escolhas para a própria vida e para a vida social. A maturidade política faz parte da vida do cidadão que procura se informar, que analisa as informações que lhes são oferecidas, que aprende a desconfiar do discurso politicamente correto, que se interessa pelos destinos do seu país e que, por fim, participa, ativamente, da construção da sua própria maturidade. Neste sentido, a cidadania é exercida quando há interesse pelo engajamento em vista do bem comum. É preciso saber que os políticos eleitos são cópias fieis de seus eleitores.

A história do Brasil, desde o seu “descobrimento”, no séc. XV, até os dias de hoje, sempre foi marcada pela dominação política. Reis, príncipes, barões, senhores de engenho, latifundiários, empresários, religiosos e políticos profissionais, enfim, os poderosos sempre visaram seus próprios interesses, em detrimento do bem comum. A república brasileira foi construída tendo como base a desigualdade entre ricos e pobres.

O povo brasileiro foi educado na chibata, tendo que se submeter à escravidão e à alienação. Após a proclamação da república, a intensidade escravocrata diminuiu, relativamente, e o povo passou a conhecer certa liberdade para clamar por justiça. Desse modo, nossa democracia é frágil e jovem, e nosso povo ainda não sabe ao certo para onde ir. Assiste-se a uma desorientação sem precedentes. As pessoas vão às urnas, geralmente, sem convicções políticas. São trágicas as consequências que decorrem deste cenário.

Não nos assusta a preferência de milhões de brasileiros por políticos conservadores e corruptos. A formação política do povo é deficitária, quase que inexistente. Um povo que não tem acesso a uma educação criticamente qualidade acredita, facilmente, no discurso falacioso de políticos que não tem a mínima vergonha de distorcer publicamente os fatos. Assim, o que é verdadeiro se torna mentiroso e o que é mentiroso se torna verdadeiro.  

Se não há convicções políticas arraigadas, também não se pode cogitar a existência de memória política da história. Ora o povo acorda e caminha uma braça, ora dorme e regride dez braças. Quando os meios oficiais de comunicação resolvem oferecer migalhas da veracidade dos fatos, a situação melhora um pouco; mas como, na maioria das vezes, oculta-se a verdade e legitima-se a mentira, então a situação permanece estagnada. Surpreendentemente, o povo tem lapsos de memória e reprova nas urnas algumas figuras desagradáveis ao bem-estar da nação. Isto é exceção, coisa rara. Protesta-se nas ruas contra os absurdos cometidos por algumas figuras políticas, mas nas eleições seguintes eles são reeleitos!

O povo brasileiro caminha, lentamente, rumo à liberdade. O processo de libertação dos pobres é lento porque suas forças e seus aliados são escassos. A maioria quer a sua desgraça e a sua morte. Ainda, infelizmente, na cabeça de muitos dos pobres existe a falsa ideia, imposta pelas classes dominantes, de que “pobre nasceu pra sofrer e pra trabalhar para o enriquecimento do patrão”. Durante séculos, os pobres escutaram isso da boca dos poderosos. Até a religião serviu para encucar esta mentira na cabeça dos pobres.

É por este e tantos outros motivos que os ricos falam abertamente que os pobres são uns bobos e ignorantes, que precisam ser mantidos na pobreza e na miséria. O infeliz discurso recente do ex-presidente FHC está em plena consonância com o massacre dos pobres. Para o ex-presidente, no alto de seu doutoramento, pobre só é ignorante quando não vota nos políticos da velha e tradicional direita brasileira.

  1. Qual a efetiva capacidade libertadora do candidato Aécio Neves?
Intitular-se a si mesmo como salvador da pátria é algo extremamente perigoso e falacioso. Nem Jesus de Nazaré, o grande Libertador da humanidade, segundo a concepção cristã do termo, intitulou-se a si mesmo como o Libertador. Na verdade, o mínimo de bom senso nos revela que o falso messianismo se encontra justamente naqueles que se declaram e se promovem como libertadores.

O autêntico libertador de um povo surge e permanece na história como aquele que foi gerado e educado na escola dos pequenos e oprimidos. Jamais haverá um libertador dos pobres oriundo do berço dos poderosos. Dizia-me uma pobre senhora do Vale do Jequitinhonha, região mais pobre de Minas Gerais, que o rico não gosta de pobre, pois quando a esmola é grande, o cego desconfia. A sabedoria popular não engana.

O que engana é querer se passar por libertador quando, na verdade, se trata de um opressor, educado na escola dos opressores. Libertador com passado gravemente comprometido não é libertador. Convido o leitor a colocar o nome do pseudolibertador em análise no site de pesquisa Gooble. Seus opositores podem reagir dizendo que o que a Internet fala é mentira. Será mesmo que todas as informações disponíveis na rede mundial de computadores são falsas? Claro que não.

A Internet, apesar da fragmentação das informações, continua sendo um importante e necessário instrumento de aperfeiçoamento da democracia. O direito à informação, constitucionalmente assegurado, nos garante isto. Quando orientado pelo interesse pela verdade, o cidadão brasileiro não terá nenhuma dificuldade para enxergar, nos discursos e gestos do pseudolibertador, graves e profundas contradições e mentiras.

O pseudolibertador em análise, considerando a veracidade dos dados, não conseguiu sequer ser o libertador de Minas Gerais. A realidade mostra que a maioria do povo é refém de uma política discriminadora e opressora, ceifadora da liberdade de expressão e da vida dos mais pobres. O autêntico libertador do povo se identifica com os pobres do povo porque foi gerado no meio dos pobres. Este não é o caso do candidato Aécio Neves.

Então, o que está por trás de seu “projeto libertador” para o Brasil? A resposta é tão evidente quanto à falácia de seu discurso: o que está por trás é a libertação dos ricos em relação aos pobres. Em outras palavras, as pessoas ricas e aquelas que possuem mentalidade de gente rica estão ansiosas pela vitória de seu libertador porque estão cansadas da intromissão dos pobres em seus espaços e nas coisas que, antigamente, eram somente ligadas à sua condição de ricos.

Vamos a um exemplo para ilustrar: Certa vez, no aeroporto de Uberlândia – MG, um deputado tucano daquela rica região (triângulo mineiro), sentado na sala de espera, disse em voz baixa: “Nossa senhora, depois desse Lula essa pobretada só vive andando de avião! Nunca vi uma raça tão mal educada e nojenta!” Neste e em tantos outros casos, os ricos não tem a mínima vergonha de explicitar seu preconceito, sua hipocrisia e seu incômodo ao ver que os pobres, de uns tempos pra cá, melhoraram de vida.

Cremos que o pseudolibertador precisa de uma séria libertação pessoal. Precisa se libertar da arrogância e da prepotência, para abraçar a humildade; precisa aderir a uma política norteada pela ética, pelos bons costumes e pelo efetivo compromisso com a erradicação das desigualdades sociais; precisa aprender a respeitar a liberdade de expressão do pensamento, pois isto é parte integrante do verdadeiro espírito democrático; precisa, enfim, ser verdadeiro consigo mesmo, cultivando a honestidade de consciência perante um povo que não é bobo, mas que tem, progressivamente, buscado acordar diante das injustiças.

Esta necessidade de conversão é a prova maior de que a política do “salvador da pátria” é arma velha de políticos tradicionalmente aliados aos poderosos e que, nos últimos anos, não tem dado certo. Os brasileiros precisam se libertar, urgentemente, deste modelo de político porque são extremamente nocivos à consolidação democrática do país.

  1. De que e/ou de quem os brasileiros precisam se libertar?
Para concluir nossa reflexão, torna-se urgentemente necessário respondermos com clareza esta indagação. Os brasileiros precisam se libertar, em primeiro lugar, da ignorância política. Esta só reforça as candidaturas de políticos corruptos e descomprometidos, que, escandalosamente, chegam ao poder e de lá não querem sair, mesmo não contribuindo com o autêntico progresso da nação. A liberdade e seu processo de libertação dependem desta libertação da consciência falsa, para que surja a consciência crítica, capaz de analisar e discernir prudentemente, em vista de escolhas maduras e acertadas.

Consequentemente, também ocorre algo extraordinariamente positivo: o fim de uma visão estreita, míope, preconceituosa e distorcida da história e dos acontecimentos. Somente assim, é que o povo brasileiro enxergará o melhor para o Brasil, reprovando nas urnas aquele que, com máscara de libertador, esconde um potencial projeto que visa somente o fortalecimento da vida dos privilegiados, em detrimento da verdadeira libertação dos mais pobres do nosso povo.

Tiago de França