quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A ciência do amor em Santa Teresinha do Menino Jesus

“Compreendo, perfeitamente, que só o amor nos pode tornar agradáveis ao Bom Deus, sendo esse amor o único bem que ambiciono” (Santa Teresinha do Menino Jesus).

            É grande a alegria que invade nosso coração ao falar da vida e da obra de Santa Teresinha do Menino Jesus (França, 1873 – 1897). Sua memória abre este mês de outubro, o “Mês das missões”. Tanta coisa bonita se pode dizer a seu respeito, mas somente queremos falar daquilo que consideramos o núcleo fundamental de seu testemunho: a ciência do amor. Esta expressão é utilizada por ela em seus escritos autobiográficos (cf. História de uma alma).

Não é tarefa fácil discorrer a respeito desta ciência divina, mas ousamos algumas afirmações aproximativas deste santo mistério de Deus. De antemão, afirmamos que Santa Teresinha é, para a Igreja e para a humanidade, um sinal do amor de Deus, um sinal que nos chama a atenção, que nos exorta para nos convencermos, definitivamente, de que o amor é o caminho que nos conduz perfeita e seguramente ao Bom Deus.

            O que é, afinal, esta ciência do amor? Ciência é conhecimento e este exige um caminho para a sua aquisição. Toda ciência tem seus métodos (caminhos). Segundo a espiritualidade cristã, não se ama de qualquer jeito. O amor é orientado pela liberdade. Esta faz parte de seu método.  

Somente uma pessoa livre consegue amar de verdade. Infelizmente, a história humana demonstra que o ser humano nunca se deu bem com a liberdade, desta sempre teve medo, preferindo viver na escravidão. Somente o amor é capaz de libertar integralmente a pessoa, tornando-a capaz, concedendo-lhe abertura de coração.

            Como é possível amar vivendo na escravidão? Quem deseja viver segundo a carne não conhece o amor. Viver segundo a carne é viver segundo os instintos egoístas. Significa viver tão somente para a satisfação dos próprios desejos e interesses. Vivendo assim, a pessoa não sai de si mesma, está ensimesmada, fechada no próprio eu.  

A ciência do amor proclama a libertação do próprio eu; chama e traz a pessoa para fora, transformando-a naquela luz que não deve permanecer escondida, mas exposta para iluminar a todos. Somente saindo de si, o ser humano é capaz de se colocar no caminho do amor.

            Esta saída de si exige desapego. Desapegar-se não é atitude fácil. O ser humano se apega facilmente à imagem que cria de si mesmo para os outros, aos bens que possui e às demais pessoas com as quais se relaciona. O apego faz mal porque impede o movimento da vida. Esta é dinâmica e acontece no movimento, jamais na estagnação.  

Somente quando se coloca a caminho rumo ao encontro do outro é que o desapego acontece. Trata-se de um processo que desinstala a pessoa, causando-lhe uma profunda sensação de insegurança. Pessoas desapegadas são livres porque não depositam sua confiança e segurança em nada, mas somente no amor.

            A ciência do amor ensina que para conhecer e viver este amor são necessários o desapego e a liberdade. Aquele é caminho para esta e ambos são os alicerces do amor. No mundo atual é visível que boa parcela da humanidade desconhece o amor. Geralmente, as pessoas vivem uma ilusão de amor. Aparentam felicidade, mas são infelizes.  

As frustrações, a depressão, o suicídio e os inúmeros males que afetam a vida do homem pós-moderno tem origem nesta falta de amor. O que resta quando falta o amor? Restam a indiferença, o ódio, a inveja e tantos outros sentimentos ruins que dominam as pessoas e as transformam em seres altamente perigosos.

            Para ilustrar, basta que consideremos a cultura da eliminação do outro que assola a humanidade atual. Há inúmeros discursos que constituem ideologias que visam legitimar esta destruição. O outro que incomoda, que é diferente, que não compactua com o sistema, torna-se inimigo e este deve ser eliminado. Até as religiões, quando desatentas, infelizmente, contribuem com a cultura da eliminação do outro.

Exemplo disso ocorre quando, dentro das religiões, as diferentes correntes de pensamento, ao invés de buscarem o diálogo, procuram se eliminar, unilateral ou reciprocamente. A eliminação do outro ocorre, geralmente, em dois níveis: no nível da indiferença, quando o outro é ignorado, excluído, esquecido, mesmo estando vivo é considerado como se estivesse morto; e, em segundo lugar, no nível da eliminação propriamente dita, ou seja, visa-se o fim da vida do outro, este é perseguido e morto.

            A ciência do amor visa erradicar esta cultura de morte que marca profundamente a pós-modernidade. As religiões, neste sentido, devem se transformar em instrumentos a serviço dessa erradicação, contribuindo para uma melhor compreensão da ciência do amor.

Jamais haverá justiça e paz no mundo se as pessoas insistem na perseguição e na eliminação recíprocas. Nenhuma ideologia é capaz de legitimar a destruição em massa de seres humanos. Portanto, o discurso falacioso de países como os EUA, que pregam a pseudodemocracia para o Oriente Médio, não tem futuro algum.  

            Nas relações interpessoais, o ser humano precisa ser forte para não se deixar dominar pela tentação de fazer do outro objeto para sua satisfação. Se observarmos bem a realidade, não teremos dificuldade alguma para percebermos que é isto que acontece: geralmente, as pessoas passam a vida toda procurando satisfazer seus interesses.  

Muitos procuram a Deus com o mesmo objetivo: procuram-no para que Ele possa resolver seus problemas materiais e espirituais. Neste sentido, Deus é o provedor, aquele que tem a obrigação de somente socorrer nas necessidades, é o tapa-buraco! Em suas orações, estes crentes fazem negócios com Deus. Portanto, praticam idolatria, pois pensam que estão adorando ao Deus e Pai de Jesus de Nazaré, mas, na verdade, criam um deus para si.

            A ciência do amor nos convida a uma séria revisão de nossa relação com Deus. Através dela o cristão aprende, assim como Santa Teresinha aprendeu, a relacionar-se com Deus. Trata-se de uma relação filial, amorosa, humilde, pacífica e transformadora. Nesta relação, Deus se revela à pessoa e nela faz sua morada, libertando-a desde dentro, integrando-a, concedendo-lhe a verdadeira paz.  

Dessa maneira, a pessoa passa a ver o outro com os olhos de Deus, compreendendo o real sentido da expressão Deus é amor. Sem a ciência do amor não é possível saber o significado do amor na relação com o Amor (Deus) e com os filhos e filhas deste amor (o próximo). Para quem se deixa guiar pela ciência do amor, o outro deixa de ser o inimigo para, em toda e qualquer circunstância, ser sempre o irmão a ser amado em nome de Jesus.

            Por fim, consideremos a íntima ligação que há entre ciência do amor e Reino de Deus. Somente os que se encontram no caminho do amor compreendem a realidade do Reino. Aliás, mais do que isso, compreendem e se colocam a serviço dele. No caminho do amor as pessoas experimentam a humildade, a mansidão e a pequenez. O Reino parte desta experiência. Não são as grandes obras humanas que constroem o Reino. Este acontece, cotidianamente, na vida dos pequenos, dos humildes e simples, dos que se colocam no caminho do amor. Neste caminho, a ciência do amor é como que a disciplina-mestra, a guia dos que caminham.  

Santa Teresinha fez a experiência da pequenez e da fragilidade e, por isso mesmo, teve acesso aos mistérios do Reino de Deus. Ela fez a experiência do real sentido de ser pequena nas mãos de Deus, esvaziando-se de si mesma, como fez e ensinou Jesus de Nazaré. É justamente por isso que seu testemunho irradia, ultrapassando os limites do tempo e do espaço, convidando a todos, indistintamente, à experiência extraordinária, transformadora e redentora do amor, única capaz de salvar toda a humanidade do caos e da destruição total.

Tiago de França

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