“Compreendo,
perfeitamente, que só o amor nos pode tornar agradáveis ao Bom Deus, sendo esse
amor o único bem que ambiciono” (Santa Teresinha do
Menino Jesus).
É grande a alegria que invade nosso coração ao falar da
vida e da obra de Santa Teresinha do Menino Jesus (França, 1873 – 1897). Sua memória
abre este mês de outubro, o “Mês das missões”. Tanta coisa bonita se pode dizer
a seu respeito, mas somente queremos falar daquilo que consideramos o núcleo
fundamental de seu testemunho: a ciência
do amor. Esta expressão é utilizada por ela em seus escritos
autobiográficos (cf. História de uma alma).
Não
é tarefa fácil discorrer a respeito desta ciência divina, mas ousamos algumas
afirmações aproximativas deste santo mistério de Deus. De antemão, afirmamos
que Santa Teresinha é, para a Igreja e para a humanidade, um sinal do amor de
Deus, um sinal que nos chama a atenção, que nos exorta para nos convencermos,
definitivamente, de que o amor é o caminho que nos conduz perfeita e
seguramente ao Bom Deus.
O que é, afinal, esta ciência do amor? Ciência é
conhecimento e este exige um caminho para a sua aquisição. Toda ciência tem
seus métodos (caminhos). Segundo a espiritualidade cristã, não se ama de
qualquer jeito. O amor é orientado pela liberdade. Esta faz parte de seu
método.
Somente
uma pessoa livre consegue amar de verdade. Infelizmente, a história humana
demonstra que o ser humano nunca se deu bem com a liberdade, desta sempre teve
medo, preferindo viver na escravidão. Somente o amor é capaz de libertar
integralmente a pessoa, tornando-a capaz, concedendo-lhe abertura de coração.
Como é possível amar vivendo na escravidão? Quem deseja
viver segundo a carne não conhece o amor. Viver segundo a carne é viver segundo
os instintos egoístas. Significa viver tão somente para a satisfação dos
próprios desejos e interesses. Vivendo assim, a pessoa não sai de si mesma,
está ensimesmada, fechada no próprio eu.
A
ciência do amor proclama a libertação do próprio eu; chama e traz a pessoa para
fora, transformando-a naquela luz que não deve permanecer escondida, mas
exposta para iluminar a todos. Somente saindo de si, o ser humano é capaz de se
colocar no caminho do amor.
Esta saída de si exige desapego. Desapegar-se não é atitude fácil. O ser humano se apega
facilmente à imagem que cria de si mesmo para os outros, aos bens que possui e
às demais pessoas com as quais se relaciona. O apego faz mal porque impede o
movimento da vida. Esta é dinâmica e acontece no movimento, jamais na
estagnação.
Somente
quando se coloca a caminho rumo ao encontro do outro é que o desapego acontece.
Trata-se de um processo que desinstala a
pessoa, causando-lhe uma profunda sensação de insegurança. Pessoas desapegadas
são livres porque não depositam sua confiança e segurança em nada, mas somente
no amor.
A ciência do amor ensina que para conhecer e viver este
amor são necessários o desapego e a liberdade. Aquele é caminho para esta e
ambos são os alicerces do amor. No mundo atual é visível que boa parcela da
humanidade desconhece o amor. Geralmente, as pessoas vivem uma ilusão de amor. Aparentam
felicidade, mas são infelizes.
As
frustrações, a depressão, o suicídio e os inúmeros males que afetam a vida do
homem pós-moderno tem origem nesta falta de amor. O que resta quando falta o
amor? Restam a indiferença, o ódio, a inveja e tantos outros sentimentos ruins
que dominam as pessoas e as transformam em seres altamente perigosos.
Para ilustrar, basta que consideremos a cultura da eliminação do outro que
assola a humanidade atual. Há inúmeros discursos que constituem ideologias que
visam legitimar esta destruição. O outro que incomoda, que é diferente, que não
compactua com o sistema, torna-se inimigo e este deve ser eliminado. Até as religiões, quando desatentas,
infelizmente, contribuem com a cultura da eliminação do outro.
Exemplo
disso ocorre quando, dentro das religiões, as diferentes correntes de
pensamento, ao invés de buscarem o diálogo, procuram se eliminar, unilateral ou
reciprocamente. A eliminação do outro ocorre, geralmente, em dois níveis: no nível
da indiferença, quando o outro é ignorado, excluído, esquecido, mesmo estando
vivo é considerado como se estivesse morto; e, em segundo lugar, no nível da
eliminação propriamente dita, ou seja, visa-se o fim da vida do outro, este é
perseguido e morto.
A ciência do amor visa erradicar esta cultura de morte
que marca profundamente a pós-modernidade. As religiões, neste sentido, devem
se transformar em instrumentos a serviço dessa erradicação, contribuindo para
uma melhor compreensão da ciência do amor.
Jamais
haverá justiça e paz no mundo se as pessoas insistem na perseguição e na
eliminação recíprocas. Nenhuma ideologia é capaz de legitimar a destruição em
massa de seres humanos. Portanto, o discurso falacioso de países como os EUA,
que pregam a pseudodemocracia para o Oriente Médio, não tem futuro algum.
Nas relações interpessoais, o ser humano precisa ser
forte para não se deixar dominar pela tentação de fazer do outro objeto para
sua satisfação. Se observarmos bem a realidade, não teremos dificuldade alguma
para percebermos que é isto que acontece: geralmente, as pessoas passam a vida
toda procurando satisfazer seus interesses.
Muitos
procuram a Deus com o mesmo objetivo: procuram-no para que Ele possa resolver
seus problemas materiais e espirituais. Neste sentido, Deus é o provedor,
aquele que tem a obrigação de somente socorrer nas necessidades, é o
tapa-buraco! Em suas orações, estes crentes fazem negócios com Deus. Portanto,
praticam idolatria, pois pensam que estão adorando ao Deus e Pai de Jesus de Nazaré,
mas, na verdade, criam um deus para si.
A ciência do amor nos convida a uma séria revisão de
nossa relação com Deus. Através dela o cristão aprende, assim como Santa
Teresinha aprendeu, a relacionar-se com Deus. Trata-se de uma relação filial,
amorosa, humilde, pacífica e transformadora. Nesta relação, Deus se revela à
pessoa e nela faz sua morada, libertando-a desde dentro, integrando-a,
concedendo-lhe a verdadeira paz.
Dessa
maneira, a pessoa passa a ver o outro com os olhos de Deus, compreendendo o
real sentido da expressão Deus é amor.
Sem a ciência do amor não é possível saber o significado do amor na relação com
o Amor (Deus) e com os filhos e filhas deste amor (o próximo). Para quem se
deixa guiar pela ciência do amor, o outro deixa de ser o inimigo para, em toda
e qualquer circunstância, ser sempre o irmão a ser amado em nome de Jesus.
Por fim, consideremos a íntima ligação que há entre
ciência do amor e Reino de Deus. Somente os que se encontram no caminho do amor
compreendem a realidade do Reino. Aliás, mais do que isso, compreendem e se
colocam a serviço dele. No caminho do amor as pessoas experimentam a humildade,
a mansidão e a pequenez. O Reino parte desta experiência. Não são as grandes
obras humanas que constroem o Reino. Este acontece, cotidianamente, na vida dos
pequenos, dos humildes e simples, dos que se colocam no caminho do amor. Neste caminho,
a ciência do amor é como que a disciplina-mestra, a guia dos que caminham.
Santa
Teresinha fez a experiência da pequenez e da fragilidade e, por isso mesmo,
teve acesso aos mistérios do Reino de Deus. Ela fez a experiência do real
sentido de ser pequena nas mãos de Deus, esvaziando-se de si mesma, como fez e
ensinou Jesus de Nazaré. É justamente por isso que seu testemunho irradia,
ultrapassando os limites do tempo e do espaço, convidando a todos,
indistintamente, à experiência extraordinária, transformadora e redentora do
amor, única capaz de salvar toda a humanidade do caos e da destruição total.
Tiago de França
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