sábado, 25 de outubro de 2014

Mensagem por ocasião do Mês missionário 2014

Tema: “A missão a serviço do Reino de Deus”

Amigos e amigas, irmãos e irmãs no Cristo Jesus,

Graça e paz!

  1. A modo de introdução
Mais uma vez, dirijo-me a vocês neste mês de outubro, para partilhar uma reflexão breve sobre um tema importantíssimo para o cristianismo: A missão a serviço do Reino de Deus. Trata-se de um tema que exige muito espaço para reflexão, dada a sua amplitude e importância. Por isso, em linhas breves iremos discorrer a respeito daquilo que julgamos ser o seu núcleo fundamental: a íntima e necessária ligação entre missão e Reino de Deus. Partimos do princípio de que a missão perde o seu sentido quando é desvinculada do Reino de Deus. A missão existe em função do Reino. Após breves afirmações sobre o tema da missão, concluiremos nossa reflexão com uma palavra sobre o segundo turno das eleições para presidente da República, com data marcada para o dia 26 do corrente mês.

  1. Jesus de Nazaré, o enviado do Pai
Jesus é o missionário do Pai, que na força do Espírito inaugurou o Reino. É o missionário por excelência, modelo para ser seguido. Dentre outros, podemos destacar três aspectos fundamentais da sua missão: primeiro, a sua liberdade; segundo, a sua opção pelos pobres; terceiro, a sua fidelidade ao Pai. Não há missão no cristianismo sem a vivência desses três aspectos da missão de Jesus, o Filho de Deus.

A liberdade de Jesus estava vinculada a sua obediência à vontade do Pai. No evangelho podemos constatar com clareza o seu fiel cumprimento da vontade divina. Deus o enviou para anunciar a Boa Nova da libertação no meio dos pobres e esta missão foi cumprida até as últimas consequências. Tendo nascido no meio dos pobres e anunciado a Boa Nova do Reino a eles, Jesus conquistou a liberdade. Passou pelo mundo fazendo o bem, sem se deixar prender por nada, nem por ninguém. Anunciava a Boa Nova com liberdade porque não estava subordinado a nenhuma forma de poder humano. Além disso, o próprio Jesus viveu despojadamente entre os pobres, não tendo onde reclinar a cabeça, como consta no evangelho.

A opção pelos pobres vivida por Jesus estava em plena sintonia com a opção do Pai, que desde a libertação do povo da casa da escravidão, conforme nos conta o livro do Êxodo, no Antigo Testamento das Escrituras. Desde sempre, Deus optou pelos pequenos e oprimidos, ajudando o seu povo a se libertar do julgo da escravidão, das garras dos poderosos deste mundo. Do Gênesis ao Apocalipse, esta opção aparece com clareza e objetividade. Para cumprir a vontade do Pai, Jesus precisou conhecer e observar a fidelidade do Pai em relação a seu povo. Portanto, Jesus é o Libertador do povo de Deus em peregrinação à casa do Pai.

A fidelidade de Jesus à vontade do Pai está explicitada no seu espírito de obediência. Conforme a carta aos Filipenses, Jesus foi obediente até à morte e morte de cruz. Jamais cedeu à tentação do poder, do prestígio e da riqueza, mas manteve-se fiel e, assim, deu a sua vida pela salvação de todos. Esta experiência transmitiu a seus discípulos, a fim de que fizessem o mesmo. Por meio da escuta do Pai através dos encontros no deserto, participando da intimidade divina, Jesus manteve-se humilde, simples e suavemente inquebrantável. Era, é e será eternamente a rocha que os construtores rejeitaram e que se tornou a pedra angular. A fidelidade de Jesus ao Pai no Espírito fortalece os peregrinos de Deus nas estradas deste mundo rumo à plenitude do Reino.

  1. A missão nos primeiros séculos do cristianismo, durante os períodos medieval e moderno
Após a ressurreição de Jesus dentre os mortos, seus discípulos se tornaram apóstolos, ou seja, enviados para evangelização dos pobres. Jesus já os tinha enviado em missão, mas somente após sua ressurreição e “retorno” ao seio do Pai é que seus discípulos deram início à missão propriamente dita. O testemunho das Escrituras é belíssimo ao falar da missão dos primeiros missionários da obra missionária de Jesus. Com a força do Espírito, enviado pelo Pai e pelo Filho, mulheres e homens pregavam a Boa Nova do Reino com coragem e ousadia profética. A maioria recebeu a coroa do martírio, pois lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro, como nos ensina solenemente o Apocalipse de são João.

As autoridades dos judeus e do império romano não cessavam de perseguir e torturar os apóstolos e apóstolas de Jesus: eram presos, interrogados, torturados e mortos. O primeiro século da era cristã é banhado pelo sangue dos mártires. Graças a estes, o anúncio do evangelho permanece vivo até nossos dias. Eles participaram, com coragem e ousadia, da sorte de Jesus, entregando a própria vida, sem medo e sem reservas. Colocaram a mensagem do evangelho no centro de sua vida e missão e assumiram com o testemunho da própria vida a missão deixada por Jesus. Os mártires renunciaram seus próprios interesses em vista do anúncio do Reino e ganharam a vida plena.

Após este período fértil de genuína profecia, a Igreja, uma vez instituída, coloca-se a serviço dos reinos deste mundo, abandonando o evangelho de Jesus. Quando o império romano adota o cristianismo como religião oficial, então se iniciam os problemas, os entraves ao Reino de Deus. A Igreja começou a ceder às três tentações que sempre assolaram a humanidade: as tentações do poder, do prestígio e da riqueza. O período medieval é um dos períodos mais sombrios da história da Igreja, mesmo contando com a presença profética de grandes mulheres e homens como São Francisco de Assis e tantos outros. Foi naquele período que a Igreja acumulou muitas riquezas: terras, templos, mosteiros, conventos, construções, fortunas.

Durante toda a idade medieval, a missão consistia na missão divina, a do Pai, do Filho e do Espírito Santo, portanto, a missão trinitária. A Igreja estava ensimesmada, centrada em si mesma. Interessava-lhe conquistar e manter o poder, a influência sobre os reinos deste mundo. Foi estabelecida a cristandade na qual todos deveriam, sem exceção, se submeter à doutrina e às leis da Igreja. Ninguém ousava questionar o seu poder, e quem o fizesse era rigorosamente punido e, em muitos casos, morto. O clero ocupava o topo da pirâmide social. A hierarquia da Igreja era poderosa e ocupava o centro da vida eclesial. Padres, bispos, cardeais e papas eram considerados homens perfeitos, inquestionáveis, apesar dos graves pecados que cometiam. É verdade que neste período apareceram grandes santas e santos, mas tais testemunhas da ressurreição de Jesus não foram escutadas pela Igreja, que seguiu insistindo em sua busca incansável pela manutenção do poder.

Como o início do período moderno, no séc. XVI, a Igreja teve que enfrentar as denúncias feitas pelo monge agostiniano, teólogo e professor, Martinho Lutero. A resposta veio com a realização do Concílio de Trento, que enrijeceu a Igreja, tornando-a cada vez mais fechada ao mundo. Neste concílio, a Igreja estabeleceu a formação do clero, a disciplina dos sacramentos, aprimorou a doutrina e organizou mais sistematicamente a hierarquia. A obediência à hierarquia passou a ser considerada a grande virtude dos fieis católicos. Obedecia-se sem nenhuma forma de esclarecimento e questionamento. Pedir a bênção, beijar a mão e obedecer sem compreender a ordem dada constituíam a obediência na Igreja. O sistema religioso era tão autoritário e persuasivo que ninguém ousava pensar diferente da maneira como pensava o clero. A palavra deste era como que a palavra de Deus.

Quando os países europeus resolveram se aventurar nas grandes navegações à procura de riquezas em mundos desconhecidos, a Igreja resolveu acompanhá-los em suas viagens. Assim, a missão passou a ser entendida como as missões junto aos colonizados. Grandes ordens religiosas se sobressaíram, sendo os jesuítas e os franciscanos as que mais se destacaram. Eles vieram implantar a fé. Isto mesmo, a ideia era implantar, converter via imposição. Nas Américas, índios e negros eram, forçadamente, convertidos. Havia algumas exceções, dentre as quais podemos destacar a experiência do dominicano Bartolomé de Las Casas, grande defensor dos povos indígenas, contrário à exploração dos mesmos e à evangelização via imposição. Sua experiência missionária vale a pena ser conhecida, pois se trata de um grande profeta, que denunciou os abusos que se cometiam na época da colonização.

Durante o período moderno, até a realização do Concílio Vaticano II, no início da segunda metade do século passado, a Igreja desenvolveu a missão através da ação missionária dos jesuítas, franciscanos, dominicanos, lazaristas etc. Compreendia-se a missão da seguinte forma: 1) combater o crescimento dos protestantes; a pregação deveria está centrado nos temas do céu, inferno e purgatório; ênfase na recepção disciplinada dos sacramentos, principalmente o da confissão (Reconciliação) e da Eucaristia; realização das santas missões populares, com apelos fervorosos à conversão por meio da imposição do medo em relação ao inferno e ao domínio do demônio; 2) reforço da estrutura administrativa (paróquias e dioceses) e 3) combate às ideias iluministas e ao relativismo, visando o fortalecimento da influência da Igreja junto aos estados modernos.

Tudo isso vigorou até o Vaticano II. Os cristãos católicos, salvo aqueles que eram considerados subversivos e hereges, obedeceram fielmente o modelo de Igreja aperfeiçoado no Concílio de Trento. Atendendo aos apelos que surgiam em vários lugares do mundo, o papa João XXIII, canonizado recentemente, providencialmente, convocou e deu abertura ao Concílio Ecumênico Vaticano II, com o objetivo de atualizar a Igreja, propondo a necessária abertura ao mundo e, assim, deixando de lado as condenações veementes dos importantes avanços oferecidos pela modernidade. Os Padres conciliares estavam praticamente convictos das urgentes necessidades da Igreja, dentre as quais destacamos três: 1) descer do pedestal de sua arrogância para dialogar em pé de igualdade com o mundo; 2) colocar o evangelho no centro de sua vida e missão e 3) fazer a opção pelos pobres e oprimidos, despojando-se das suas alianças com os poderosos deste mundo.

  1. A missão na Igreja pós-Vaticano II e a feliz eleição do papa Francisco
Com o Vaticano II, a missiologia se tornou disciplina nos currículos dos cursos de Teologia. É verdade que continua sendo uma disciplina um tanto marginalizada. Os estudantes, especialmente os seminaristas, não dão o devido valor ao estudo da missão na Teologia, mas esta é uma questão a ser discutida em outra oportunidade. Aqui nos interessa afirmar que, apesar do Vaticano II ter reconhecido a essencial dimensão missionária da Igreja, a missão desta no mundo continua deixando a desejar.

O pontificado de João Paulo II, também recentemente canonizado, ao contrário do que muitos pensam, não representou um avanço no incremento da dimensão missionária da Igreja. É verdade que o papa polonês deu sua contribuição com reflexões pontuais sobre o tema da missão. Exemplo disso é a sua carta encíclica Redemptoris missio, sobre a validade permanente do mandato missionário, publicada em 07 de dezembro de 1990; mas, uma coisa é a produção de documentos oficiais, outra é a prática cotidiana da Igreja. Há pouca harmonia entre ambos. O papa João Paulo II reforçou um modelo triunfalista de Igreja, contrário ao concebido pelo Vaticano II. Foi o papa que mais soube trabalhar a identidade católica perante o mundo, em detrimento da genuína evangelização do povo de Deus.

Após a corajosa renúncia do papa Bento XVI, eis que o colégio cardinalício elege, ousadamente, pela primeira vez na história da Igreja, um latino-americano para o pontificado. Francisco, como o próprio nome indica, é um dos sinais de Deus para toda a Igreja. Seu projeto de restauração da Casa do Senhor é profeticamente necessário, oportuno, admirável e louvável. Com Francisco, espera-se que a Igreja se torne, efetivamente, missionária, pois até o momento, só assumiu a missão no papel, salvo as exceções de clérigos e leigos, que abraçaram heroicamente a missão.

Francisco, com suas palavras e gestos, está pronunciando três palavras que sempre causaram pavor na hierarquia eclesiástica: liberdade, pobreza e evangelho. Somente uma Igreja livre, pobre e fiel ao evangelho é capaz de evangelizar. Sem esta conversão estrutural, a evangelização não acontece, efetivamente. Caso a Igreja venha a se comportar como se comportou diante do testemunho profético de São Francisco de Assis, infelizmente, quando o papa Francisco partir, poderá até ser venerado como santo, mas sua mensagem será marginalizada na Igreja. Tudo continuar como antes dele, do mesmo jeito, como se ele nunca tivesse existido. Exalta-se a santidade pessoal e se esquece da mensagem.

  1. A dimensão política da missão cristã e o 2º turno das eleições presidenciais
É preciso considerar que o autêntico cristão não pode se recusar a participar da vida pública. Esta é marcada pela política. O ser humano vive em sociedade e, portanto, é chamado a tomar decisões políticas. Podemos dizer que é impossível sermos apolíticos porque vivemos em sociedade. À luz do evangelho, a neutralidade e a recusa à participação na política são pecados graves, que conhecemos bem o resultado destes pecados. Assim, participar, conscientemente, é urgentemente necessário. Quando a situação piora, quem não participa conscientemente perde o direito de criticar. A crítica sem participação perde sua legitimidade.

Neste ano, estamos diante do 2º turno das eleições. Teremos a eleição de treze governadores e do presidente da República. Neste segundo caso, de um lado, temos o candidato Aécio Neves do PSDB e, do outro lado, Dilma Rousseff do PT. São duas propostas: a primeira, conhecida em Minas Gerais, pois o candidato atuou neste estado; a segunda, já conhecida nacionalmente, pois a candidata procura ser reeleita. Particularmente, recomendo que votem em Dilma Rousseff do PT e lhes apresento três motivos: 1) apesar dos escândalos de corrupção, esta foi combatida mais do que em qualquer outro governo; 2) apesar da concentração de renda que ainda vigora no país, os pobres passaram a viver melhor e 3) apesar do neoliberalismo ainda reinante, os governos de Lula e Dilma reduziram, significativamente, as desigualdades sociais no país. Os indicadores sociais demonstram claramente a mudança.

Outras razões podem ser conferidas em outros artigos de minha autoria, disponíveis em meu blogue na internet (cf.www.tiagodefranca.blogspot.com). O voto é livre e deve ser consciente, e faço questão de lhes falar da minha preferência e de recomenda-lhes o voto em Dilma Rousseff. Não acredito em Aécio Neves por vários motivos, dentre os quais destaco seu estilo elitista de governar, em detrimento dos mais pobres. Não creio nem apoio candidato com passado e presente comprometido com os mais ricos e poderosos, que visam somente o lucro através da explorados dos pobres e fracos.

Por fim, quero vos fazer um pedido: muitos de vocês recebem, periodicamente, meus escritos pelos correios (por ocasião da páscoa, do natal e ano novo, assim como nos meses de agosto [das vocações], setembro [da Bíblia] e outubro [mês missionário] e também por ocasião de algum acontecimento ou data importante). Pois bem, a fim de que eu saiba que vocês estão realmente recebendo e se identificando com os escritos, peço-lhes, por favor, que respondam a presente mensagem. Caso não respondam, entenderei que não desejam mais recebê-las e, assim, não mais lhes enviarei.

Recomendo-me às suas preces, na certeza de que as faço por cada um de vocês. Que o Espírito de Deus nos mantenha acordados e firmes no caminho de Jesus de Nazaré, rumo à plenitude do Reino.

Fraternalmente, no Cristo ressuscitado,

Tiago de França 

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