domingo, 2 de novembro de 2014

A vida e a morte

“Deus, que ressuscitou Jesus dentre os mortos, também dará vida aos nossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em nós” (Rm 8, 11).

            O que estamos fazendo com a nossa vida? Com que tipo de coisas estamos gastando o tempo de nossa vida? Como estamos tratando as coisas e as pessoas? O amor é o essencial de nossa vida? Qual nosso sentimento quando pensamos na morte? Por que temos medo da morte? Qual a origem desse medo?

O dia de finados é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre estas e outras questões de cunho existencial. Nossa meditação não quer oferecer respostas prontas, mas quer lançar um convite à reflexão.  

            Um dia nascemos e chegamos a este mundo. Fomos chamados à existência. Desde o momento do nosso nascimento se iniciou a contagem para o dia da nossa morte. Quanto mais o tempo passa, mais estamos próximos dela. Isto é inevitável. É a única certeza da vida. Não há quem possa escapar disso.  

Quer queiramos, quer não, a morte nos aguarda no tempo certo (morte natural), ou no tempo incerto (trágica). É verdade que não podemos deixar de lado a vida para ficarmos pensando na morte, mas é também verdade que uma das maneiras mais eficazes de nos reconciliarmos com esta certeza existencial é nos perguntando: O que estou fazendo da minha vida?...

            A qualidade de nossa vida influencia no sentido de nossa morte. Olhemos para Jesus: nasceu na pobreza da manjedoura, cresceu junto a seus pais “adotivos”, assumiu com liberdade, alegria e coragem a missão dada pelo Pai, morreu na cruz e ressuscitou. O jovem Jesus de Nazaré deu um sentido para a sua vida e para sua morte. Não morreu por acaso nem premeditadamente, mas deu a sua vida pela vida de toda a humanidade.  

Enquanto homem, sentiu medo no monte das Oliveiras, mas não se deixou dominar pelo medo nem pela covardia. Para nós, cristãos, é válido dizer: estaríamos eternamente perdidos se Jesus não tivesse dado sua vida por nós. Assim como ele, seus seguidores são chamados a fazer a mesma coisa: doar a vida pelos irmãos.

            Voltemos à pergunta fundamental: O que estamos fazendo de nossa vida? Inúmeras pessoas, para não dizer a maioria, estão buscando o prestígio. Desejam o sucesso, a fama, os aplausos, querem brilhar, ser bajuladas, ser especiais. Não conseguem ter “paz” enquanto não são reconhecidas como o centro. Procuram, incansavelmente, a glória humana.  

Tanto no mundo secular quanto no religioso há muita gente gozando das glórias humanas, e há aquelas que estão procurando, usando de todos os meios legítimos e ilegítimos. Nas inúmeras profissões, tais pessoas não sossegam enquanto não chegam às alturas das pompas e honrarias. São médicos, advogados, atores, jogadores, cantores, cientistas etc., de renome. O espírito de competição os instiga a serem os melhores, a alcançarem a glória.

            Há outros que procuram as riquezas, juntamente com o prestígio. Desejam acumular muito dinheiro, incontáveis quantias, inúmeros bens. Trata-se de um desejo insaciável. Quanto mais possuem, mais desejam possuir.  

Tais riquezas as transformam em pessoas frias, calculistas, pouco transparentes, materialistas, consumistas, indiferentes, ambiciosas, mesquinhas, infantilizadas, tristes, traidoras, corruptas, apegadas. Seu maior medo é o de perder as riquezas. Estas constituem o sentido de suas vidas. São capazes de fazer qualquer coisa para preservar e aumentar suas posses. Não há limites, praticamente tudo é possível. Desejam abarcar o mundo com seus bens.

            Há, ainda, aquelas pessoas que dedicam a sua vida à conquista do poder. São dominadas pelo desejo de mandar, manipular e controlar. Sentem-se, demasiadamente, importantes e no direito de submeter aos demais.  

Apegam-se ao poder e não querem mais largar. Não se veem como pessoas comuns, mas como seres acima do comum dos mortais. Usando do poder sabem que conquistam o prestígio e a riqueza. Não usam do poder para servir aos subalternos, mas para servir-se, para ganhar mais poder.

Tais pessoas sofrem do mal da mania de grandeza. Possuem um forte espírito de superioridade. Gostam de olhar de cima para baixo, com ar de desprezo. Vivem numa permanente angústia, convivendo com o risco de perderem o poder.

            Diante destas três procuras que causam a perdição do ser humano, cabe a pergunta de Jesus: “Que adianta alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?” (Mc 8, 36). A espiritualidade cristã ensina com firmeza e clareza algo que pouca gente aceita: Os que dedicam sua vida à conquista do prestígio, da riqueza e do poder não participarão do Reino de Deus. Estão perdendo a vida. Os que escolhem tais coisas estão se perdendo. A duração de suas vidas é o tempo dado por Deus para buscarem, se quiserem, a conversão.  

Caso não mudem de vida, não adianta o culto das religiões, pois Deus respeita as escolhas dos seres humanos. Não adianta rezar pelas almas dos que renunciaram ao chamado de Deus à participação no seu Reino, dedicando-se à procura de riqueza, prestígio e poder. Não adianta.

Todo ser humano tem a liberdade e todo tempo de sua vida para escolher entre duas alternativas: Ou salvar a vida neste mundo, procurando tais coisas, ou perdê-la neste mundo, renunciando a tais coisas para alcançar a vida plena. Diante de nós está a vida e a morte. Deus concede a liberdade para a escolha e cada pessoa tem que arcar com as consequências das escolhas que faz.

            O que estamos buscando na vida? Quais são nossos apegos? Quais são nossos amores? Onde está o nosso coração? Qual o sentido de nossa vida? Qual o lugar do amor em nossa vida? Se morrêssemos hoje, como seria o fim de nossa peregrinação terrestre? Por que temos medo de pensarmos estas coisas?... O tempo está passando e o nosso fim é certo.  

Na verdade, para os que creem em Jesus, este fim é um momento de transubstanciação da existência. Ao passarmos pela morte, seremos transformados em outra coisa. Que coisa? Mergulharemos na Realidade Indizível, passaremos a existir no seio daquele que nos concedeu o dom da existência. Esta existência é eterna e a morte se transforma em uma passagem, uma breve pausa para descobrirmos Aquele para quem a nossa vida caminha, anseia desde sempre e para sempre. Isto é ressurreição.

Diuturnamente, os filhos e filhas de Deus, assim como toda criação, vão ressuscitando, conhecendo, processualmente, na liberdade e no amor, a plena alegria, gozando, antecipadamente, da glória de Deus. Quando nos abrimos à compreensão e à experiência deste mistério, enfim, estamos perdendo nossa vida neste mundo e alcançando desde agora e para sempre a vida eterna. Este é o mistério da comunhão com Deus. É nossa vocação primeira, nossa vida e felicidade.


Tiago de França

Obs.: Acompanha este artigo a foto da Ir. Dorothy Stang, profetisa da Amazônia, assassinada em fevereiro de 2005, em Anapu - PA. Ela fez como Jesus: doou sua vida.

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