“Deus,
que ressuscitou Jesus dentre os mortos, também dará vida aos nossos corpos
mortais, pelo seu Espírito que habita em nós” (Rm
8, 11).
O que estamos fazendo com a nossa vida? Com que tipo de
coisas estamos gastando o tempo de nossa vida? Como estamos tratando as coisas
e as pessoas? O amor é o essencial de nossa vida? Qual nosso sentimento quando
pensamos na morte? Por que temos medo da morte? Qual a origem desse medo?
O
dia de finados é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre estas e
outras questões de cunho existencial. Nossa meditação não quer oferecer respostas
prontas, mas quer lançar um convite à reflexão.
Um dia nascemos e chegamos a este mundo. Fomos chamados à
existência. Desde o momento do nosso nascimento se iniciou a contagem para o
dia da nossa morte. Quanto mais o tempo passa, mais estamos próximos dela. Isto
é inevitável. É a única certeza da vida. Não há quem possa escapar disso.
Quer
queiramos, quer não, a morte nos aguarda no tempo certo (morte natural), ou no
tempo incerto (trágica). É verdade que não podemos deixar de lado a vida para
ficarmos pensando na morte, mas é também verdade que uma das maneiras mais
eficazes de nos reconciliarmos com esta certeza existencial é nos perguntando: O que
estou fazendo da minha vida?...
A qualidade de nossa vida influencia no sentido de nossa
morte. Olhemos para Jesus: nasceu na pobreza da manjedoura, cresceu junto a
seus pais “adotivos”, assumiu com liberdade, alegria e coragem a missão dada
pelo Pai, morreu na cruz e ressuscitou. O jovem Jesus de Nazaré deu um sentido
para a sua vida e para sua morte. Não morreu por acaso nem premeditadamente,
mas deu a sua vida pela vida de toda a humanidade.
Enquanto
homem, sentiu medo no monte das Oliveiras, mas não se deixou dominar pelo medo
nem pela covardia. Para nós, cristãos, é válido dizer: estaríamos eternamente
perdidos se Jesus não tivesse dado sua vida por nós. Assim como ele, seus
seguidores são chamados a fazer a mesma coisa: doar a vida pelos irmãos.
Voltemos à pergunta fundamental: O que estamos fazendo de
nossa vida? Inúmeras pessoas, para não dizer a maioria, estão buscando o
prestígio. Desejam o sucesso, a fama, os aplausos, querem brilhar, ser
bajuladas, ser especiais. Não conseguem ter “paz” enquanto não são reconhecidas
como o centro. Procuram, incansavelmente, a glória humana.
Tanto
no mundo secular quanto no religioso há muita gente gozando das glórias
humanas, e há aquelas que estão procurando, usando de todos os meios legítimos
e ilegítimos. Nas inúmeras profissões, tais pessoas não sossegam enquanto não
chegam às alturas das pompas e honrarias. São médicos, advogados, atores,
jogadores, cantores, cientistas etc., de renome. O espírito de competição os
instiga a serem os melhores, a alcançarem a glória.
Há outros que procuram as riquezas, juntamente com o
prestígio. Desejam acumular muito dinheiro, incontáveis quantias, inúmeros
bens. Trata-se de um desejo insaciável. Quanto mais possuem, mais desejam
possuir.
Tais
riquezas as transformam em pessoas frias, calculistas, pouco transparentes,
materialistas, consumistas, indiferentes, ambiciosas, mesquinhas,
infantilizadas, tristes, traidoras, corruptas, apegadas. Seu maior medo é o de
perder as riquezas. Estas constituem o sentido de suas vidas. São capazes de
fazer qualquer coisa para preservar e aumentar suas posses. Não há limites,
praticamente tudo é possível. Desejam abarcar o mundo com seus bens.
Há, ainda, aquelas pessoas que dedicam a sua vida à
conquista do poder. São dominadas pelo desejo de mandar, manipular e controlar.
Sentem-se, demasiadamente, importantes e no direito de submeter aos demais.
Apegam-se
ao poder e não querem mais largar. Não se veem como pessoas comuns, mas como
seres acima do comum dos mortais. Usando do poder sabem que conquistam o
prestígio e a riqueza. Não usam do poder para servir aos subalternos, mas para
servir-se, para ganhar mais poder.
Tais
pessoas sofrem do mal da mania de grandeza. Possuem um forte espírito de
superioridade. Gostam de olhar de cima para baixo, com ar de desprezo. Vivem
numa permanente angústia, convivendo com o risco de perderem o poder.
Diante destas três procuras que causam a perdição do ser
humano, cabe a pergunta de Jesus: “Que
adianta alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?” (Mc 8,
36). A espiritualidade cristã ensina com firmeza e clareza algo que pouca gente
aceita: Os que dedicam sua vida à conquista do prestígio, da riqueza e do poder
não participarão do Reino de Deus. Estão perdendo a vida. Os que
escolhem tais coisas estão se perdendo. A duração de suas vidas é o tempo dado
por Deus para buscarem, se quiserem, a conversão.
Caso
não mudem de vida, não adianta o culto das religiões, pois Deus respeita as
escolhas dos seres humanos. Não adianta rezar pelas almas dos que renunciaram
ao chamado de Deus à participação no seu Reino, dedicando-se à procura de
riqueza, prestígio e poder. Não adianta.
Todo
ser humano tem a liberdade e todo tempo de sua vida para escolher entre duas
alternativas: Ou salvar a vida neste mundo, procurando tais coisas, ou perdê-la
neste mundo, renunciando a tais coisas para alcançar a vida plena. Diante de
nós está a vida e a morte. Deus concede a liberdade para a escolha e cada
pessoa tem que arcar com as consequências das escolhas que faz.
O que estamos buscando na vida? Quais são nossos apegos?
Quais são nossos amores? Onde está o nosso coração? Qual o sentido de nossa
vida? Qual o lugar do amor em nossa vida? Se morrêssemos hoje, como seria o fim
de nossa peregrinação terrestre? Por que temos medo de pensarmos estas
coisas?... O tempo está passando e o nosso fim é certo.
Na
verdade, para os que creem em Jesus, este fim é um momento de transubstanciação
da existência. Ao passarmos pela morte, seremos transformados em outra coisa.
Que coisa? Mergulharemos na Realidade Indizível, passaremos a existir no seio
daquele que nos concedeu o dom da existência. Esta existência é eterna e a
morte se transforma em uma passagem, uma breve pausa para descobrirmos Aquele
para quem a nossa vida caminha, anseia desde sempre e para sempre. Isto é
ressurreição.
Diuturnamente,
os filhos e filhas de Deus, assim como toda criação, vão ressuscitando,
conhecendo, processualmente, na liberdade e no amor, a plena alegria, gozando,
antecipadamente, da glória de Deus. Quando nos abrimos à compreensão e à
experiência deste mistério, enfim, estamos perdendo nossa vida neste mundo e
alcançando desde agora e para sempre a vida eterna. Este é o mistério da
comunhão com Deus. É nossa vocação primeira, nossa vida e felicidade.
Tiago
de França
Obs.: Acompanha este artigo a foto da Ir. Dorothy Stang, profetisa da Amazônia, assassinada em fevereiro de 2005, em Anapu - PA. Ela fez como Jesus: doou sua vida.
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