Este tema praticamente não é tratado na Igreja. Aqui e acolá podemos encontrar alguma referência aos ex-seminaristas. Dada nossa condição, achamos por bem oferecer a presente reflexão. Na Igreja católica, entre os leigos se encontram os ex-seminaristas, que são aqueles que participaram do processo de seleção, admissão e permanência em algum seminário, lugar no qual acontece, via de regra, a formação dos futuros presbíteros da Igreja.
Praticamente,
desde o concílio de Trento, no séc. XVI, o seminário é o lugar por onde devem
passar aqueles que desejam ser presbíteros. Nossa reflexão não quer oferecer um
olhar sobre o seminário, mas sobre os ex-seminaristas, que tendo saído do
seminário, se encontram no meio do mundo. Para isto, iremos pensar o tema
analisando três aspectos: Alguns motivos que levam muitos a sair do seminário;
como são tratados os ex-seminaristas na Igreja e, por fim, o lugar que ocupam
no cenário eclesial.
1
– Alguns motivos que levam muitos a deixarem o seminário
Inúmeros são os motivos que levam um seminarista a deixar
o processo de formação presbiteral, mas, independentemente do motivo,
geralmente, os ex-seminaristas são vistos como pessoas que perderam a vocação.
A expressão “perda da vocação” não resiste a um olhar teológico prudente.
Transmite-se, falsamente, a ideia de que Deus chama e depois desiste do
chamado. Claramente se vê que se trata de uma ideia sem sentido.
Noutras vezes, os ex-seminaristas são vistos como pessoas
que se aproveitaram da Igreja para fazer um ou dois cursos superiores
(Filosofia e Teologia, na maioria dos casos, ou outro curso solicitado e/ou
proposto pelo candidato ou pela Igreja). Em alguns casos, isto é verdadeiro. De
fato, muitos candidatos ao concluírem os estudos abandonam o processo
formativo.
Nestes
casos, o sucesso fora do seminário não é muito garantido, visto que o mercado
de trabalho pouco valoriza filósofos e teólogos. Se o candidato consegue,
posteriormente, prosseguir nos estudos, chegando ao mestrado e/ou doutorado nestas
áreas, com muito sacrifício poderá encontrar trabalho em uma instituição
universitária, para o cargo de professor. Assim como no parágrafo anterior,
também não se pode generalizar que os ex-seminaristas procuraram ingressar no
seminário somente para terem seus estudos custeados pela Igreja.
Uma terceira espécie de acusação feita aos
ex-seminaristas é a de serem subversivos. Fala-se que deixaram o seminário
porque não tinham amor à Igreja porque a criticavam demais. Faculta-lhes falta
de obediência e fidelidade à ortodoxia. Isto porque o bom seminarista resiste a
tudo e a todos, silenciosamente. Ensinam a ser como Jesus no caminho do
calvário: a sofrer em silêncio.
Na
verdade, há uma distorção deste “silêncio de Jesus”. O que se espera do
seminarista é que não se manifeste diante das contradições internas do processo
formativo. Na faculdade de Filosofia aquele aprende a filosofar, mas quando
começa a praticar o que aprendeu, torna-se alvo de incompreensões, perseguições
e, em alguns casos, são expulsos do seminário. Assim, pensar parece ser algo
pecaminoso a ser evitado.
Outras acusações poderiam ser elencadas, mas estas
explicitam bem o que geralmente acontece. Ainda podemos, rapidamente, pensar
nas situações daqueles que se frustraram com a realidade do ministério
ordenado. Antes de ingressarem no seminário idealizaram o ministério ordenado
como algo santo, puro, distante da realidade. No seminário, convivendo com os
padres e conhecendo um pouco os bastidores da vida clerical, desanimaram e
pediram para sair. Estas saídas costumam ser pacíficas, sem grandes problemas.
O candidato desiludiu-se por causa de suas idealizações e excesso de
expectativa.
Há, ainda, os que procuram se esconder por trás do
sacerdócio. Procuram esconder seus transtornos de personalidade e perversões. Estudos
recentes analisam esta situação. Nos seminários e no clero há algumas pessoas
que se recusam a tratar de questões patológicas e que, consequentemente, chegam
a cometer atrocidades como suicídio, pedofilia, roubos e outras situações
congêneres.
Alguns
candidatos com tendências homoafetivas radicadas procuram o ministério
ordenado. O número não é insignificante. Muitos conseguem ser ordenados, apesar
da proibição expressa da Igreja no que tange ao ingresso dos candidatos com
tendências radicadas. A promoção vocacional que os acolhe e o processo
formativo que os acompanha pecam por omissão, permitindo que cheguem à
ordenação. Alguns chegam a ser bispos.
Quando
não são expulsos por não terem se comportado conforme o estabelecido nas regras
que constituem o processo formativo, geralmente as consequências são
lastimáveis. Aqui não estamos afirmando que homens com tendências homoafetivas
não possuem vocação para o sacerdócio ministerial, mas nos referimos àqueles
que procuram no sacerdócio uma forma mais tranquila e segura para “praticarem”
a homossexualidade, fugindo, assim, da própria realidade. Na Igreja, esta
situação não é pensada seriamente, exceto por pessoas isoladas.
É preciso, ainda, considerar aqueles candidatos que deixam
o processo formativo com muita liberdade e seriedade. Entre eles se encontram
os que saem porque perceberam que não dariam conta do celibato obrigatório.
Honestamente, deixaram o processo formativo porque não se viam tendo uma vida
dupla no ministério ordenado. A infidelidade no ministério ordenado é
assustadora: padres que, aos olhos dos fieis são celibatários, mas na vida
privada possuem suas/seus amantes. O que torna mais grave a situação é que se
utilizam do dinheiro ofertado pelo povo para manterem tais relacionamentos.
2
– O tratamento dado aos ex-seminaristas
Geralmente,
salvo raras exceções, os ex-seminaristas são tratados com indiferença. Quando
ainda se encontram no seminário são vistos e queridos, apesar da falsidade de
muitos casos e circunstâncias. Geralmente, há uma falsa fraternidade no
seminário. Não há comunidade, mas comunitarismo. O que isto significa? Significa
que todos, aparentemente, se respeitam e se prezam, mas ao deixar o seminário,
o ex-seminarista não é mais lembrado por praticamente ninguém. Tudo se resume à
seguinte sentença: Saiu do seminário, logo, morreu para a instituição. Não
existe mais.
Quando
um seminarista sai, evita-se até que se comente sua saída. É um silêncio
covarde. Recomenda-se, direta ou indiretamente, que nada se comente a respeito com
o povo nas visitas e trabalhos pastorais. Ninguém fala nada, e em pouco tempo o
nome daquele candidato não é mais mencionado. Quando se menciona é para falar
mal de sua conduta, quando de sua passagem no seminário.
Alguns seminaristas, que continuam no processo formativo,
e alguns padres procuram saber como estão alguns ex-seminaristas. São exceções,
porque comumente não há nenhuma preocupação. Para a maioria, não importa se
estão vivos e o que estão fazendo da vida. Quando um ex-seminarista consegue
ser alguém “importante” na sociedade, p. ex., um médico ou juiz famoso, ou um
escritor ou político de renome, aí, sim, os religiosos aparecem para elogiar,
gritando para todos ouvirem: “Fulano era
nosso seminarista, fez jus à formação que recebeu no seminário!” Esta
expressão é ridiculamente hipócrita, mas é comumente pronunciada nos meios
eclesiásticos.
As congregações religiosas tradicionais como, por
exemplo, jesuítas, franciscanos, salesianos, beneditinos, lazaristas, dominicanos,
agostinianos, que são as mais ricas (financeiramente falando); em relação aos
ex-seminaristas, agem da mesma forma. Se o candidato permanece no processo
formativo e é suficientemente aplicado e inteligente, tais instituições lhe
asseguram todos os meios possíveis para torná-lo um grande religioso. Investe-se
muito dinheiro na formação de alguns candidatos.
Do
contrário, se deixarem o processo formativo, então já não servem mais, são
esquecidos. Investe-se em função da instituição, não em função da sociedade. É
inaceitável que uma congregação religiosa ajude um ex-seminarista a se tornar
um missionário secular, no cumprimento de seu dever, exercendo honradamente uma
profissão que ajude no autêntico progresso social. Pode até existir, mas,
particularmente, não conheço nenhum caso.
Desse modo, ao sair do seminário, o ex-seminarista se
encontra diante do mundo dominado pelo capitalismo selvagem. No seminário,
principalmente se for de congregação religiosa tradicional, o candidato tem
todas as suas despesas custeadas. Não precisa se preocupar com nada. Sua vida é
tranquila e pautada em todas as seguranças possíveis. O voto de pobreza lhe
assegura tudo! A partir deste voto o candidato está assegurado, caso não venha
a ser dispensado.
Caso
seja oriundo de família rica, o ex-seminarista não tem com que se preocupar
porque terá todas as condições possíveis para reorientar a vida. Caso
contrário, terá que penar muito para ser “alguém” na vida. Em alguns casos,
aparece um bispo, padre, uma família ou alguma instituição que acredita no
potencial daquele que outrora queria ser padre, ajudando-o a reorientar a
caminhada da vida. Somente assim, alguns conseguem se realizar em alguma
profissão, que a exercem, em muitos casos, com espírito evangélico.
Numa
sociedade profundamente desigual e competitiva, ex-seminaristas que não contam
com o necessário apoio não conseguem ir muito longe, profissionalmente falando.
Referimo-nos aos que desejam contribuir com outro mundo possível, pois há
aqueles que não tem motivação para nada, são desprovidos de perspectiva de
futuro. Não sonham com nada nem querem nada com a vida.
3
– O lugar dos ex-seminaristas na Igreja
A Igreja ensina
que nela há lugar para todos. De fato, permanece aberta a todos a participação
na comunhão eclesial, mas é verdade também que nem todos são acolhidos. Como
não são valorizados, os ex-seminaristas não se sentem motivados para oferecerem
sua contribuição com a Igreja.
Muitos
tiveram uma sólida formação no seminário e poderiam contribuir, por exemplo,
com a formação dos leigos nas comunidades, mas como são tratados com certa
suspeita, então se evita a concessão de convites para possíveis programas de
formação. “Se não serviu para ser padre,
então não serve para formar os leigos! Certamente, só vai causar divisão, com
indagações bobas à doutrina da Igreja”, disse certa vez um padre a uma
ministra extraordinária da Eucaristia que propôs convidar-me para uma palestra
sobre o documento de Aparecida em uma determinada paróquia.
Permita-me o leitor, para concluir estas considerações,
partilhar outra situação concreta que me ocorreu. Antes do meu ingresso no
seminário, tive a graça de conhecer um dos maiores bispos que a Igreja no
Maranhão já teve: Dom Franco Masserdotti, missionário comboniano. Era um grande
pastor, homem culto e humilde, dedicado às causas do Reino de Deus. Era bispo
diocesano de Balsas – MA.
Certa
vez, desafiei-o, escrevendo-lhe um pedido. Tratava-se de uma crítica ao modelo
tradicional de presbítero na Igreja. Na época eu não tinha estudado Filosofia
nem Teologia. Em matéria teológica, já estava iniciado na teologia do padre
José Comblin (1923 – 2011), um dos maiores teólogos e profetas da Igreja no
Brasil.
No
pedido, escrevi o que pensava e explicitei o que eu queria. No final da redação
do pedido, escrevi: “Dom Franco, quero
ser um padre livre como Jesus: pobre e missionário. Quero exercer o sacerdócio
desligado dos poderes de pároco e/ou administrador. Quero ser um padre
peregrino, livre para me encontrar com as pessoas, permanecendo no meio delas,
nos caminhos por onde a Providência me enviar. Quero ser um pobre padre, que
como Jesus não tinha onde reclinar a cabeça. O senhor é bispo e pode atender a
este meu pedido, mesmo indo contra as prescrições da Igreja, que caminha na
direção praticamente oposta. Se sua resposta for positiva, estou disposto a
deixar tudo para efetivar este propósito que, no meu entender, é coisa de Deus
e não dos homens”. Na época, eu tinha 22 anos de idade.
Depois
de alguns dias, ele me escreveu. Na sua carta manifestou sua total concordância
com a minha exposição e desejo. Pediu que eu aguardasse mais um pouco. Afirmou
que nunca tinha recebido um pedido tão desafiador e tão original. Poucos dias
após, infelizmente, Dom Franco morreu atropelado, enquanto fazia seus
exercícios físicos na estrada que dá acesso à cidade de Balsas. Era um santo
homem de Deus, pastor zeloso do seu povo. Pelo que conversamos, se ele
estivesse vivo, hoje, certamente, eu seria este pobre padre peregrino nos
caminhos de Jesus.
Hoje,
fico pensando neste pedido que fiz a Dom Franco e creio que somente seria possível
se os bispos repensassem o modelo de presbítero, ou se algum bispo ousado e
livre apostasse nesta aventura do Espírito. Desde muito tempo as regras não
mudam. Quem quiser ser padre na Igreja tem que ser celibatário
(obrigatoriamente), estudar Filosofia e Teologia, passar longos anos no
seminário e ter muito cuidado com o que fala e com o que faz, para não ser
taxado de subversivo e ter sua ordenação impossibilitada.
O
papa Francisco tem demonstrado total abertura, conferindo liberdade aos bispos
para que estes tomem novas iniciativas. O papa tem convidado os bispos para a
escuta daquilo que o Espírito diz à Igreja, mas, infelizmente, a maioria deles
está como que estagnada, sem iniciativas. O medo não permite de ousar coisas
novas. A maioria prefere a segurança das leis e das estruturas e, assim, a
Igreja vai agonizando.
Não
sabemos até quando esta situação vai perdurar. Enquanto isso, inúmeros cristãos
continuam desassistidos. Em muitos casos evitam procurar os padres porque não
se identificam com eles, por terem se tornado autoridades distantes, que
somente aparecem para ministrar os sacramentos e, posteriormente, desaparecem. Para
finalizar, vale uma expressão de uma jovem universitária, que depois de ter me
perguntado se eu era padre, disse: “Acho
estranha a vida que os padres levam. Eles parecem viver em outro mundo. Jesus
pediu isso deles?...”
Tiago
de França
6 comentários:
Boa tarde. Paz e Bem!
Sou ex-aspirante salesiano e discordo do que você diz sobre o tratamento que as congregações, em especial os Salesianos de Dom Bosco, dão aos ex-seminaristas.
Desde que saí, fui acompanhado espiritualmente, psicologicamente. Sempre fui muito bem acolhido, muito bem tratado. Me tornei amigo da congregação e do movimento. Os padres me tratam normalmente, os demais seminaristas da minha turma me tratam como irmão. Meu ex-diretor nunca me tratou com indiferença ao sair, pelo contrário, sempre me acolhe como filho. Acho que essa questão também vai muito de cada um, já que grande parcela dos ex-seminaristas deixam até de participar da vida da comunidade local. Em algumas vezes nem voltam.
Apesar da minha vergonha ao sair, não pela atitude, mas porque muitos apostavam em minha vocação, logo voltei pra minha paróquia para servir. Houve resistência de certa forma no início, mas depois aceitaram e me acolheram até melhor do que antes. Você acabou generalizando em seu texto.
Paz e Fogo!
Pelos seminaristas e ex-seminaristas, rogai a Deus, ó São Luiz Gonzaga!
Sou ex-seminarista franciscano e, por saudade e/ou gratidão organizo há 38 anos encontros no seminário onde estudei. Há vários grupos de ex-seminaristas que também realizam tais encontros. Veja na minha página: http://www.gregoriano.org.br/enfrades/outrosencontros.htm
Um abraço.
Altair Costa (Tachinha).
Mas nem todas as congregações fazem isso com ex- seminarista, no meu caso por exemplo me mandaram embora do seminário e até hj nunca tive apoio deles e nem da ofm, sou apenas esquecido.
Principalmente na minha comunidade, que eu poderia dar formação dos conhecimentos que adquiri até hj nunca aceitaram.
Então irmão Altair só tenho que dizer isso.
Na Arquidiocese de SP, realmente não há apoio algum aos ex-seminarista. E estes são vistos com certo desdém ou indiferença.
Realmente, a Igreja enquanto instituição muitas vezes está distante dos ensinamentos de Jesus.
Conheço um ex-seminarista que parece fazer parte daqueles que usaram a igreja para estudar. Mas talvez seja até compreensivo: veio de uma família muito pobre, pobre mesmo, pra não dizer miserável. Pelos estudos conseguiu fazer uma faculdade e até continuou trabalhando no meio da Igreja, inclusive em um meio de comunicação comunitária. Mas, por decisão divina, ou dele mesmo, acabou casando, teve filhos. Hoje, ele e a família são muito bem financeiramente porque realmente se dedicaram aos estudos. Podemos dizer que são até ricos por conta dos altos salários que ganham. Enfim, ele não vive no ostracismo. Vira e mexe é convidado pra dar entrevista em uma emissora católica. Acredito que depende de cada caso.
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