domingo, 1 de fevereiro de 2015

A autoridade da palavra de Jesus

“O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio dos teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar” (Dt 18, 15).

            Segundo o evangelho de Marcos (cf. 1, 21 – 28), na cidade de Cafarnaum, numa sinagoga, ensinando em dia de sábado, “todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da lei”. O evangelista não fala do conteúdo do ensinamento de Jesus, mas a leitura atenta de todo o seu evangelho revela que Jesus, o Filho do Homem, é a Palavra de Deus. O conteúdo do seu ensinamento é o amor que liberta, integralmente, as pessoas. Naquele tempo, todos escutavam os mestres da lei e estes falavam da lei. Esta estava no centro do seu ensinamento. Com Jesus é diferente, pois o amor ocupa o centro de seu ensinamento, dado com autoridade.

            Este amor não é mera declaração ou poesia. Não é o meio que muitos se utilizam para escravizar o outro. Não exclui nem condena ninguém, mas acolhe e promove, edifica e constrói, abre portas e confere a verdadeira alegria, é manso e humilde, destituído de poder e de ilusão. O amor ensinado por Jesus coloca o outro sempre em primeiro lugar, pois não é egoísta. Promove sempre a liberdade e coloca a pessoa no caminho que conduz a Deus. Reconhece as diferenças e se manifesta de diversas formas. Não é uniforme nem cria uniformidade. Quem o acolhe entrou no reino da liberdade e se torna capaz de todas as coisas. Nada é impossível para aqueles que amam como Jesus amou. Este ensinamento é muito diferente daquele que era dado pelos mestres da lei.

Os mestres da lei tinham medo do amor e se apegavam à lei. Não conheciam o amor e pensavam que estavam agradando a Deus porque ensinavam a cumprir, rigorosamente, a lei. Esqueceram-se de que ninguém se justifica diante de Deus porque cumpre os preceitos da lei. Neste sentido, Jesus acolhe a lei judaica, corrigindo-a, conferindo-lhe um novo sentido, o sentido da liberdade.

Toda lei que não liberta não tem nenhuma validade diante de Deus porque Deus quer um povo constituído de pessoas livres. Geralmente, as leis visam o enquadramento e, consequentemente, à escravidão. Nenhuma sociedade é mais justa porque possui excelentes códigos de leis. No Brasil temos excelentes leis, bem elaboradas e devidamente aprovadas, mas somos um dos países mais corruptos do mundo. Não são as leis que constroem a liberdade de um povo. O mesmo podemos dizer das leis religiosas: nenhuma religião se justifica diante de Deus porque seus membros cumprem fielmente as leis.

Jesus foi reconhecido como um profeta. Para nós, cristãos, é o profeta por excelência. Mais que profeta, é o Messias prometido e esperado. O profeta é um homem livre, enviado por Deus para uma missão determinada, num lugar e num tempo determinados. Não fala de si nem de suas ideias, mas anuncia a palavra de Deus. Esta palavra é colocada na boca do profeta e deve ser anunciada conforme a inspiração divina. O fiel cumprimento de sua missão consiste no anúncio desta palavra de vida e de liberdade.

Iluminado e guiado pelo Espírito do Senhor, o profeta anuncia sem medo e com audácia, na liberdade e para a liberdade. Em alguns casos, suas palavras são acompanhadas com sinais grandiosos. O certo é que a palavra anunciada provoca efeitos nas pessoas e na realidade. A denúncia das injustiças e de toda espécie de opressão leva o profeta ao martírio. Alguns profetas não são assassinados, mas não escapam da incompreensão, da rejeição, da perseguição e da tortura. No Brasil, entre muitos, são testemunhas eloquentes o bispo Helder Câmara (1909-1999) e a irmã Dorothy Stang (1931-2005).

Deus suscita profetas e profetisas dentro e fora das religiões. Por isso, o profeta não é, necessariamente, religioso. Aliás, o fator religioso é o que menos caracteriza o profeta porque este não vive em função de uma determinada religião. No Cristianismo há profetas que exerceram e exercem funções de lideranças e há os que são leigos. Na Igreja Católica, a maioria dos profetas são leigos, ou seja, não ordenados.

Quando membro de uma religião, o profeta entra, inevitavelmente, em conflito com as estruturas religiosas, geralmente alicerçadas no poder. Os que vivem apegados às estruturas religiosas sabem que os profetas são pessoas livres e que precisam da liberdade para cumprir sua missão. Não há profecia sem liberdade. O Espírito age somente na liberdade em vista da liberdade.

O autêntico profeta do Senhor é uma pessoa destituída de poder humano e não é enviada por Deus para legitimar nenhuma espécie de poder. A única forma de poder que o profeta conhece é o poder divino manifestado na fraqueza humana. Por causa da denúncia dos abusos de poder, o profeta é, geralmente, perseguido, julgado e condenado pelas estruturas civis e religiosas. Estas tendem a expulsá-los porque não suportam a força da palavra profética. Em alguns casos, o poder eclesiástico até tolera o profeta, mas este vive sob suspeita. Dom Helder Câmara é um exemplo disso, pois viveu tais coisas.

Há profetas em toda parte. Alguns se destacam mais, outros menos. A maioria atua na discrição, sem chamar a atenção de ninguém. Estão anunciando a palavra de Deus. São como as formiguinhas: lenta e silenciosamente, estão construindo o Reino de Deus. Não perdem uma ocasião para revelar a palavra libertadora Daquele que os enviou.

Outros são percebidos com mais evidência porque denunciam injustiças que envolvem gente considerada grande e importante. Estes profetas correm mais risco, mas não renunciam à missão recebida porque sabem que não podem renunciar. Um dia terão que “prestar contas” a Deus e sabem muito bem que Deus não os abandona, mas os acompanha fielmente na missão, encorajando-os e fortalecendo-os.

Os profetas estão no mundo, construindo o Reino de Deus. Aparentemente, não possuem nada de extraordinário. Não são poderosos nem são seres de outro mundo. O que os identifica é o amor a Deus e ao próximo, a liberdade para a ação, a fé Naquele que os enviou e a esperança na construção de outro mundo possível.

Por fim, não nos esqueçamos da recomendação divina, que aparece no livro de Deuteronômio: “a ele deverás escutar”. Ai de quem não escutar os profetas! Eles apontam para o caminho que conduz a Deus. Anunciam a misericórdia de Deus. Estão em íntima comunhão com este Deus, Pai cheio de ternura e de bondade. Os profetas conhecem os segredos de Deus. Ai de quem os persegue, tortura e mata! Neles está o Espírito de Deus, que sonda todas as coisas, até as profundezas de Deus (cf. 1 Cor 2, 10).


Tiago de França

Obs.: Acompanha nossa meditação uma fotografia na qual aparece o Pe. Ezequiel Ramin, italiano, missionário comboniano, martirizado em Cacoal, diocese de Ji-Paraná - RO, em 24 de julho de 1985.

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