“De
madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar
deserto” (Mc 1, 35).
Na vida cristã deve existir equilíbrio entre contemplação
e ação. Há os que querem viver adorando a Deus somente na oração, assim como há
os que somente querem adorá-lo na ação. Cada um apresenta suas próprias
justificativas. Não questionamos a reta intenção para com Deus, mas a vida
virtuosa se encontra no equilíbrio entre contemplação e ação. Ambas formam uma
única realidade: o seguimento de Jesus de Nazaré. Nossa meditação deseja
contribuir com alguns pensamentos sobre este equilíbrio necessário. O nosso
modelo por excelência é Jesus, o Filho amado de Deus Pai.
Conta o evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1, 29 – 39), que
Jesus passou pelo mundo fazendo o bem: curando os doentes e libertando as
pessoas da opressão do demônio. Conta também, que durante a noite, de madrugada,
Jesus procurava um lugar deserto para rezar, para o silêncio e meditação. Ele sabia
dosar bem ação e contemplação. Não era um monge, vivendo no isolamento da
solidão do deserto, nem era um sacerdote do Templo, ocupado com vários
sacrifícios. Era um missionário que vivia a itinerância, encontrando-se com as
pessoas, despojadamente. Um missionário livre, revelador da presença libertadora
de Deus.
A oração verdadeira é aquela sintonizada com as mãos e
com o coração. Os livros litúrgicos que orientam a oração comunitária são importantes,
mas a oração pessoal precisa ser diálogo com o Pai de Jesus e nosso Pai. A sós
com Deus não precisamos ler para Deus uma oração. Esta não é mera leitura. No diálogo,
a gente fala a partir do coração. A palavra deve vir das entranhas de nosso
ser. Trata-se de uma conversa franca e aberta com Aquele que nos ama e nos quer
bem, que deseja entrar em comunhão conosco. Ele vem a nós. A iniciativa é
sempre dele. Sabendo que somos limitados e que não sabemos bem como falar, Ele
nos envia o Espírito que nos ensina a linguagem do amor. É por meio dessa
linguagem que conhecemos o Pai e permanecemos com Ele na oração.
Rezar não é simplesmente passar alguns minutos na
presença do Pai. Muito antes do nascimento e muito além de nossa morte, já
estamos Nele. Por isso, a oração é um estado permanente de comunhão com Deus. O
Pai está naquele que o acolhe. Isto é oração. Acolhê-lo e viver em sintonia com
esta misteriosa presença em nosso íntimo é oração. A organização da vida humana
nos exige que reservemos um tempo, assim como Jesus, para nos deliciarmos com
mais intensidade desta presença, para senti-la, escutá-la com a merecida e
necessária atenção. O Pai fala no silêncio do lugar deserto, e este não precisa
ser, necessariamente, um lugar físico, mas um mergulho em uma parcela do tempo
corrido do cotidiano. A vida mística ensina que uma pessoa pode estar no
silêncio do deserto, em oração ao Pai, em qualquer lugar e/ou circunstância.
O efeito disso é maravilhoso. Não há palavras para
descrever o que acontece nessas horas e na vida de quem assim procede. Encontra-se,
desse modo, o Pai em todas as coisas. Ele pode ser visto rindo, chorando, de
braços abertos, recolhido... no outro. Essa visão do Pai é misteriosa porque
Ele se encontra nas pessoas e lugares que realmente surpreendem e escandalizam.
Para os místicos, Deus é um escândalo! Ele é Amor e todos sabemos que o Amor
surpreende, ultrapassa a tudo e a todos. E o curioso é que tudo acontece na
simplicidade e na humildade. A oração é este caminho que conduz à experiência
do encontro fecundo e revelador, que conduz ao conhecimento perfeito do Amor em
nós.
Nossas Igrejas e nosso mundo carecem de pessoas orantes,
que aprendem na oração o valor e o sentido do encontro com o outro. Há tantos
louvores em tantos cultos, mas tão pouca intimidade com o Pai. As pessoas
reservam uma ou duas horas semanais para o culto em suas Igrejas e pensam que
estão fazendo muita coisa. Outras rezam um pai nosso apressado e já se sentem
justificadas. Outras, ainda, nem disso se lembram. Estão ocupadas com suas
preocupações, com o bom êxito de seus afazeres, com o sucesso de suas
carreiras. No fim, deixam este mundo angustiadas porque, muitas vezes, não
encontraram a felicidade que tanto procuravam.
“Se você quiser
servir a Deus, faça poucas coisas, mas as faça bem!” Este refrãozinho da
espiritualidade franciscana nos revela duas questões importantes. A primeira
consiste no fato de que não precisamos fazer tantas coisas. Estas tendem a nos
sufocar. Quando morremos, as coisas ficam e alguém nos substitui na realização
delas. Logo cairemos no passado das boas ou más recordações. O serviço a Deus
acontece naquilo que fazemos no pouco e no bem feito. A pessoa que vive em
comunhão com Deus está em paz consigo mesma e tudo realiza com amor e sem
pressa, sem aquela preocupação em ser o centro das atenções somente porque teve
êxito. Fazer muito e com a obsessão pela perfeição é ativismo doentio, angustiante
e assassino. Isto tem gerado pessoas insuportáveis porque angustiadas,
ansiosas, depressivas etc. É o grande mal da vida pós-moderna.
A segunda consiste no fato de que sem conteúdo espiritual
o cristão não consegue ir muito longe. O fracasso espiritual é bem pior do que
o material. Geralmente, as mazelas espirituais desgastam e matam mais. O desespero
do mundo é um retrato dessa situação. Fazer algo bem feito ultrapassa o bom
êxito material. As ações humanas possuem um toque de espiritualidade. Não fazemos
simplesmente por fazer. Toda ação envolve afeto, e para aquele que crê, envolve
também a fé naquele Pai que se revela na ação amorosa. Por fim, consideremos
esta sentença de ordem espiritual: Ser contemplativo na ação significa em tudo
encontrar a presença de Deus, em tudo ser esta presença infinitamente amorosa e
redentora. Somente assim, escaparemos do vazio existencial que tem tomado
inúmeras pessoas que já não encontram sentido naquilo que julgam ser e naquilo
que procuram fazer.
Tiago de França
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