sábado, 21 de março de 2015

Permanecer com Jesus

“Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna” (Jo 12, 25).

            Estas palavras de Jesus constituem um apelo ao amor. O apego à própria vida é um mal que precisa ser vencido. Toda pessoa é chamada a viver sua vida na liberdade. Apego é escravidão e gera sofrimento. Facilmente, nos apegamos às pessoas e às coisas, às lembranças e aos acontecimentos; enfim, aos nossos esquemas mentais. Em si mesma, a vida é livre e leve, mas as pessoas tendem a transformá-la em um fardo insuportável. A qualidade da nossa vida não depende da quantidade de bens, mas do nível de liberdade que cada um tem. Quanto mais livre, mais feliz; quanto mais apegado, mais infeliz. Tudo é simples. Não há segredo. É o caminho para ser feliz neste mundo.

            Este é o caminho inaugurado por Jesus: a proclamação da liberdade para que surja uma humanidade nova. Abrindo-se às pessoas e amando-as, Jesus realizou esta proclamação. Ele se dirigiu, especialmente, às pessoas que mais precisavam do seu amor: doentes, órfãos, viúvas, os cegos, mulheres, crianças, pecadores públicos, revelando-lhes a misericórdia e a ternura de Deus. Ele permaneceu com estas pessoas. Elas eram, são e sempre serão suas irmãs prediletas. Jesus se compadece dos sofredores. No Reino de Deus, os pobres sofredores estão no centro. Assim, ele revela o seu caminho de liberdade, ensinando que a liberdade acontece no amor ao próximo. Somente é livre os que amam como ele amou: na generosidade, na alegria e na gratuidade.

            Quando se ama como Jesus amou, passa-se a ver o poder, o prestígio e a riqueza como coisas supérfluas, prisões para a alma e para o corpo. O mundo está dominado por relações conflituosas de poder, e os conflitos ocorrem porque as pessoas não se contentam com pouco poder. Apegando-se a este, querem sempre mais, desejam dominar, querem permanecer no poder. A identificação é tão violenta que desejam ser confundidas com o poder. Na vida dessas pessoas não há lugar para o amor. Elas podem até fazer pequenos gestos de amor, podem até falar sobre o amor, mas seus corações estão dominados pela sede de poder. O mesmo se pode falar do prestígio e da riqueza.

            Um exemplo claro para ilustrar é o que está acontecendo atualmente no Brasil: políticos e empresários que não fazem outra coisa na vida senão procurar o poder e o dinheiro. Para isso, deturpam a democracia e assaltam os bens públicos. São pessoas ricas que não se satisfazem com o que já possuem. Não precisam, mas querem sempre mais. A sede de poder e dinheiro é tão grande que não medem as consequências dos desvios: não pensam nas pessoas que dependem do dinheiro público a ser transformado em serviços públicos ao povo brasileiro, nem se preocupam com a possibilidade de serem surpreendidas, pegas e punidas pela justiça. A corrupção, para estas pessoas, é algo normal, pois faz parte de suas vidas. Elas não se veem longe da corrupção. O mesmo ocorre no cotidiano de milhões de brasileiros que não perdem a oportunidade para também agir de forma ilícita e, portanto, desonesta.

            A Quaresma é tempo propício para pensar e repensar a vida. Os que professam a fé em Jesus precisam fazer a experiência do desapego. É impossível seguir a Jesus estando apegado à própria vida. O apego é impedimento ao amor, mas este é o único capaz de vencê-lo. As práticas religiosas são importantes, mas por si mesmas não conseguem libertar as pessoas do apego. Só o amor liberta. Por isso, de nada adiantam as práticas quaresmais (jejum, oração, esmola, via sacra, celebrações penitenciais, confissões etc.) se as pessoas continuam isoladas nos seus mundos, na satisfação egoísta de seus próprios interesses. O que Deus quer não é a repetição tradicional de atos religiosos, mas a conversão do coração. Esta conversão exige renúncia, que passa pela mortificação. Trata-se de uma penitência que não possui lugar somente no tempo quaresmal, mas deve perdurar por toda a vida. Não há conversão sem renúncia.

            Colocar-se no caminho de liberdade, que é o caminho de Jesus, não é algo tão difícil porque o próprio Jesus permanece conosco. Sua presença é força na caminhada. Ele é a segurança, o guia e a razão de ser do caminho. Comprometer-se com Jesus é atender ao apelo ao amor. É algo antigo e sempre novo. Cremos ser o único caminho capaz de salvar a humanidade do caos no qual se encontra. Do contrário, estamos, desde logo, sentenciados à ruína, num caminho sem volta, enforcados pela frieza e indiferença. Façamos, pois, a experiência de caminhar com Jesus, permanecendo com ele até as últimas consequências. Fora deste caminho não há seguimento nem salvação. Este é o núcleo da fé cristã.


Tiago de França

quinta-feira, 19 de março de 2015

Os cristãos e a corrupção

             
             Há pouco mais de um ano, o povo brasileiro assiste, estarrecido, aos escândalos de corrupção. Parece novidade, mas não o é. Fala-se que o povo está cansado de corrupção, mas de que povo estamos falando? Qual o nível de integridade do povo brasileiro? Por que políticos corruptos chegam tão facilmente ao poder? Onde está a corrupção? O que o evangelho de Jesus pode nos ensinar a respeito da missão do cristão diante desta vergonhosa situação? Sobre estas indagações, queremos oferecer algumas provocações, que julgamos oportunas para o momento atual.

            Geralmente, imputa-se a uma pessoa, grupo ou partido o mal da corrupção. A mídia dar esta ênfase. Atualmente, a culpa da crise que assola o país é do PT, partido do governo. A oposição, aproveitando-se da situação que lhe parece favorável, fala de ética e de combate à corrupção. Alguns políticos falam como se não devessem boas explicações à Justiça por causa de seus crimes não apurados. Pessoas da situação e da oposição estão metidas na corrupção, e esta não faz parte somente da história recente do Brasil, mas é inerente às relações humanas e institucionais desde que o homem inventou de viver em sociedade.

            Por isso, a corrupção não é problema de uma pessoa, grupo ou partido, mas de um sistema político falido, ultrapassado e, consequentemente, arcaico. Sistema que já nasceu viciado. No fundo, os que mais lucram com ele, na verdade, não querem reformá-lo, reinventá-lo ou pensar outras formas mais eficientes de fazer política. Neste sentido, o que podemos chamar de conversão política deve surgir das bases, do povo. Considerando que o povo está mal representado, não podemos esperar que os maus representantes façam uma reforma política que vise o bem comum. Este bem comum não é considerado.

            Isto parece ser o âmago da questão: A necessidade de uma reforma política promovida a partir do povo, democraticamente. Fora disso, não há mecanismos de controle e de anticorrupção que deem conta de erradicar os desvios de conduta na política. Tudo continuará do mesmo jeito. Novos desvios surgirão e os mais pobres do povo continuarão sendo aqueles que mais sofrem, que mais sentem as consequências de tais desvios. Não basta que o Judiciário julgue, contemplando o devido processo legal e suas garantias legais e, portanto, constitucionais. Algo mais é preciso fazer: Reformar o sistema, tendo em vista o bem comum, a vida do povo brasileiro. Um sistema viciado, inevitavelmente, é caminho aberto para a corrupção e são poucos os humanos que resistem às tentações do poder, do prestígio e da riqueza.

            Trazendo a questão para o âmbito pessoal e interpessoal, cremos que toda pessoa poderia se perguntar: Eu sou contra a corrupção e a condeno, mas eu sou honesto e transparente comigo mesmo e com os outros?... Não é difícil encontrarmos pessoas incoerentes, ou seja, acusam os corruptos e corruptores, sendo que elas mesmas estão atoladas até o pescoço na corrupção. Na sala de aula, o aluno acusa o deputado fulano, mas na hora da prova não perde a ocasião para “colar”; no supermercado, o dono acusa o senador beltrano, mas os preços de suas mercadorias são exorbitantes; na Igreja, o pastor afirma que a culpa da crise é exclusivamente do governo, mas se utiliza da palavra de Deus para arrancar dinheiro do bolso de seus fiéis; e, assim, tantos outros exemplos poderiam ser mencionados.

            Todo ato isolado de corrupção repercute, inevitavelmente, no todo da coletividade. Toda pessoa corrupta prejudica a si própria e à sociedade na qual está inserida. A tendência à corrupção parece generalizada. Por isso, é preciso ser vigilante. Os apelos oriundos das propostas são fortes porque oferecem vantagens que asseguram uma vida fácil e cômoda. Numa sociedade em que se busca cada vez mais o conforto, tirar vantagem em tudo parece ser coisa normal. Fala-se que o mundo é dos mais espertos. Por trás dessa esperteza está a astúcia daqueles que não tem consciência política do bem comum: egoístas e materialistas, que não se satisfazem com pouca coisa. Querem sempre mais, são insaciáveis em seus desejos e ambições.

            Quem professa a fé cristã sabe que o Evangelho é a lei que rege a comunidade dos seguidores de Jesus de Nazaré. Diante do sistema opressor que ceifava a vida dos pobres de seu tempo, Jesus ensinou o remédio da fraternidade. Trata-se de um remédio que cura e liberta da corrupção. Nesta, vigoram os interesses pessoais e corporativistas; na fraternidade, vigora o amor que gera comunhão, igualdade, liberdade e participação. Na corrupção, as pessoas são escravas do dinheiro, do prestígio e do poder. Elas tendem a dominar e, assim, subjugar umas às outras. Na fraternidade, há o interesse pela preservação e promoção da justiça, que tem como frutos, entre outros, a dignidade da pessoa humana e a paz.

            Na fraternidade, as pessoas aprendem o valor e o lugar do outro. Este não é um inimigo a ser vencido e/ou eliminado, mas um irmão e companheiro de caminhada. A participação na vida do outro acontece por meio da amizade e da cultura do encontro. Encontrar-se com o outro é colocar-se à sua disposição, numa atitude de serviço. A fraternidade é alicerçada na cultura da solidariedade, que vence a cultura da indiferença e da eliminação do outro. 

Eis, portanto, a saída para as inúmeras crises que assolam a humanidade neste início de século XXI: A instauração de relações verdadeiramente fraternas e, por isso mesmo, promotoras da justiça e da paz. Todos anseiam por justiça e paz. Estas só são possíveis quando nos convencermos da necessidade de sermos fraternos. Ser fraterno é ser com o outro e para o outro. A paz é fruto da justiça e esta é fruto da fraternidade. Sejamos, pois, fraternos e, certamente, uma nova humanidade surgirá!

Tiago de França 

sábado, 14 de março de 2015

As manifestações de 15 de março

           
           Grupos e pessoas isoladas, por meio das redes sociais, fazem uma convocação: Ir às ruas no dia 15 de março, mas para quê? Antes, precisamos identificar quem são essas pessoas. Em primeiro lugar, são pessoas da alta classe média. Em seguida, as que estão ligadas aos partidos de oposição ao atual governo (PSDB e DEM, principalmente.). Entre elas, podemos ainda encontrar aquelas que se identificam com os anseios destas e, por fim, há outras que vão somente porque não programaram nada para o domingo. Vão para ver gente.

         O que querem? As primeiras, querem reivindicar a conquista e a manutenção de seus privilégios, pois não desejam perder seu status. As segundas, querem a cassação do mandato presidencial de Dilma Rousseff. As últimas se dividem em três categorias: umas querem reforma política entre outras reformas, outras querem a ditadura militar para “botar ordem” no país e, outras, ainda, não reivindicam nada. São figurantes. Claro que, devido a pluralidade de anseios e ideologias, a ordem destes fatores podem se subverter, mas, a grosso modo, cremos que assim será.

            A cassação do mandato presidencial é um dos temas mais mencionados. Se assim ocorresse, como ficaria? Michel Temer, do PMDB, seria o presidente da República. Mudaria, de fato, alguma coisa para melhor? Tenho minhas dúvidas. O que está por trás desse suposto pedido de cassação de mandato da Presidenta? Quando o pedido vem da oposição e de seus simpatizantes, percebe-se claramente um ódio que leva a querer tirá-la a todo custo do poder. Muitos preferem um Adolf Hitler que a Dilma Rousseff na Presidência! Sabemos bem que todo ódio é irracional, ou, melhor dito, leva as pessoas à irracionalidade. A oposição, seus simpatizantes e inúmeros eleitores do Aécio Neves não aceitam a verdade de que ele somente poderá tentar novamente chegar à Presidência em 2018.

            A falta de aceitação da realidade costuma gerar revolta. Por isso, nas redes sociais, o tom das palavras de muitos organizadores das manifestações se parece mais com o de adolescentes revoltados do que com pessoas adultas equilibradas. Os gestos e palavras são de imposição, ordem, militarismo, guerra, ódio. Uma parcela significativa deles, desconhecendo a história, não está preocupada com a necessidade de reformas democráticas, mas querem derrubar a Presidenta como se ela fosse a responsável absoluta pelas crises política, econômica, hídrica etc. Acreditam também, ilusoriamente, que sua possível queda resolveria tais crises. Ninguém precisa ser cientista político ou economista para reconhecer a irracionalidade de tais ideias.

            Pouco mais de 50 milhões de pessoas votaram no candidato tucano nas eleições presidenciais de 2014. Neste dia 15 de março, estes eleitores não vão às ruas, mas somente uma pequena parcela deles. As manifestações geralmente não vingam porque faltam bandeiras democráticas e necessárias. Manifestações que possuem como combustíveis o espírito de golpe e de ódio não dão em nada porque na democracia estas coisas não vingam. Apesar da violência que insiste em massacrar nosso povo, a grande maioria dos brasileiros abomina o ódio. Não somos um povo de guerras, como ocorre no Oriente Médio. Temos nossos conflitos, mas não chegamos a tanto. Os conflitos históricos que já tivemos foram em prol da justiça social em vista da redemocratização do país. O povo não dá golpe, mas é vítima dele. Golpe é sempre ato antidemocrático de uma classe privilegiada de pessoas, que são inimigas da democracia.

            O governo certamente está atento às vozes oriundas das ruas. De uns tempos para cá, particularmente a partir dos governos do ex-presidente Lula, passou-se a ter certa abertura ao diálogo. Claro que há um longo caminho a percorrer no diálogo entre o povo e o governo. Somos uma jovem democracia pouco habituada ao diálogo. Muita coisa ainda se resolve na força bruta e segundo a “lei do mais forte”. Por isso, as manifestações são bem-vindas e necessárias. Nossa Constituição republicana assegura o direito à liberdade de expressão. Este direito precisa ser exercido dentro dos limites legais. A democracia exige e convida à discussão e à participação. Isto desautoriza todo e qualquer cidadão a ir às ruas para fazer o oposto: depredar o patrimônio público e privado, fazer apologia ao crime, reivindicar uma época contrária ao atual regime democrático de direito; enfim, o país precisa de cidadãos livres e conscientes de seus direitos e deveres, e não de arruaceiros sem causa.

            Arruaceiros sem causa somente causam desordem social, portanto, devem ser tratados no rigor da lei. Quem não deseja o bem do país e age em prol do seu retrocesso deve ser contido no seu ódio. Na verdade, o que estamos precisando neste momento político de nosso país é a instauração imediata de uma nova Constituinte Exclusiva para a efetivação da reforma política porque, infelizmente, a maioria dos nossos deputados e senadores não está interessada em reforma política. Enquanto aguardamos reformas, nossos deputados inventam de criar novos privilégios, como, por exemplo, passagens aéreas para seus cônjuges. O Parlamento brasileiro, na sua atual configuração, é formado por um número assustador de políticos corruptos e corruptores, conservadores e autoritários, destituídos de senso de justiça e equidade.

            Os pobres do povo brasileiro não estarão nas ruas neste dia 15 de março, salvo alguns poucos. A verdade é clara e evidente: agitadores políticos convocam, pelas redes sociais, os que se identificam, a rede Globo mostra, grita-se em vão por impeachment, e, posteriormente, todos voltam para suas casas, frustrados. Pelo que se vê, isto é pouco democrático e nada resolve. Não há ideias claras e democraticamente propostas aos governantes. Critica-se sem propostas coerentes, claras e democráticas. Para dar um basta nos desmandos políticos só um caminho é possível: Que passe a existir mecanismos de fiscalização e participação popular em todas as instâncias de governo, e que o povo se interesse em utilizá-los. Falta educação política nas escolas, nas famílias e nos demais segmentos sociais. Meros protestos, desprovidos de interesse em participar efetivamente das decisões governamentais, nada resolvem. O povo brasileiro precisa tomar consciência do valor da participação, pois enquanto permanecer longe dos políticos e estes longe daquele, há pouca esperança de transformação.


Tiago de França

domingo, 8 de março de 2015

Às mulheres

Poderia escrever um poema às mulheres, pois a linguagem poética fala melhor do significado delas do que a descrição da prosa. Misturando poesia e prosa, formulo uma indagação e uma resposta. O que significa a mulher para mim? São mãos ternas que sabem tocar, acalentar e cuidar; é o corpo quente que sabe envolver e tranquilizar; é a palavra que convence e conforta; é o olhar que comunica confiança e ternura; enfim, é a companheira que na fidelidade e na alegria nos ajuda a compreender o que é o amor.


Mulheres, meus parabéns pelo Dia Internacional da Mulher!
Tiago de França

sábado, 7 de março de 2015

Jesus, o templo e a falsa religião

“Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2, 16).

            O templo é símbolo da religião. Para o povo judeu é o lugar da morada de Deus. Portanto, lugar sagrado, digno de veneração e respeito. Deve-se ter zelo pela Casa do Senhor, pois nela os crentes o adoram. Esta era a mentalidade e a regra. Todo crente tinha que ir ao templo porque assim Deus o quis. Jesus, na passagem do evangelista João (cf. 2, 13 – 25), surpreende a todos: aparece com um chicote de cordas, expulsando os comerciantes do templo. Para quem está acostumado com a imagem de um Cristo manso e cheio de ternura, Jesus com chicote nas mãos parece ser um pouco assustador; mas foi isto que aconteceu, segundo o relato unânime dos evangelistas.

            Os comerciantes do templo representam, hoje, todos aqueles que se utilizam do nome de Deus e da religião para explorar as pessoas. Infelizmente, precisamos ter a humildade para admitir que em todas as Igrejas cristãs podemos encontrá-las. Isto não constitui nenhuma novidade. Facilmente, ganha-se muito dinheiro, prestígio e poder em nome de Deus. Esta vergonhosa exploração religiosa é, sem dúvida alguma, uma das formas de violência que atingem o ser humano e, pelo que se vê, é das mais perigosas. A atitude enérgica de Jesus mostra que não se trata de um problema novo. Ele teve que lidar com a exploração religiosa que ocorria no Judaísmo de sua época.

            Transformar os templos religiosos em centros de comércio é um pecado gravíssimo. Hoje, assistimos a negócios em nome da fé, no interior de nossas Igrejas. Prega-se um Deus fonte de bens, que exige dinheiro para operar milagres e bênçãos. As pessoas são chamadas a investirem na fé. Quanto maior o investimento, maior é o resultado. Deus está ligado à prosperidade. Crer nele é crer na prosperidade da própria vida. Toda sorte de bens e milagres vem da bondade de Deus, mas para ele agir é necessário dar-lhe o que lhe pertence, ou seja, dízimos e ofertas generosas. Como o dinheiro que circula nas Igrejas não é passível de fiscalização por parte do governo, então o enriquecimento ilícito se torna cada vez mais uma prática comum.

            Para isto, busca-se construir templos cada vez mais luxuosos, que custam dezenas e centenas de milhões de reais. Enquanto muita gente morre de fome no mundo, muitas de nossas Igrejas estão preocupadas com a construção e manutenção de templos luxuosos. A justificativa é conhecida por todos: Dar a Deus o melhor. Ele é o Senhor. O objetivo é acolher o maior número de pessoas para “evangelizá-las”.

Na verdade, o que está por trás da citação insistente e fervorosa de textos bíblicos rigorosamente escolhidos para tal fim é a sede de poder, de prestígio e de dinheiro. Para onde vai este dinheiro? Certamente não vai para os pobres, pois são estes que, na maioria das vezes, levam seu suado dinheiro para depositarem nos cofres destes templos. A maioria do dinheiro arrecadado vai parar nas contas bancárias de muitos líderes religiosos. A outra parte serve para investir na construção e manutenção dos templos, assim como no marketing religioso.

            Este comércio da fé merece o chicote da denúncia porque é o oposto daquilo que Jesus pediu. Não encontramos nos relatos evangélicos nenhuma recomendação de Jesus para a edificação de templos religiosos. É verdade que ele frequentou o templo de Jerusalém e as sinagogas de algumas cidades, mas é verdade também que reprovou, com chicote nas mãos, a exploração religiosa que acontecia nestes lugares. Hoje, assistimos a uma preocupação exagerada, por parte de muitos líderes religiosos, no que se refere à construção e manutenção de templos. Investe-se muito dinheiro em ouro, prata, mármores etc. e, muitas vezes, se esquece da caridade evangélica para com os pobres. Geralmente, os pobres não frequentam templos luxuosos. Podem até contribuir para a construção e manutenção, mas lá não aparecem.

            Por fim, é preciso considerar, a partir deste relato joanino, um ensinamento fundamental para o Cristianismo: Os templos religiosos não podem ocupar o centro da vida das comunidades cristãs. Segundo os evangelistas, na maioria dos casos, Jesus se encontrava com as pessoas nas casas, ruas, praças, beira de caminho, praias e campos. Nestes lugares se encontrava com os pecadores públicos, excluídos e condenados pela sociedade e pela religião da época.

Aqui faço memória de um testemunho evangélico que entrou para a história da Igreja no Brasil: Alfredinho, padre missionário suíço que morou na periferia de Crateús – CE e, posteriormente, na favela Lamartine, em Santo André – SP. Viveu e morreu com o povo de rua. Encontrou-se com Jesus na pessoa dos pobres sofredores. Testemunha da ressurreição de Jesus, mostrou com a própria vida que a pregação do evangelho acontece mais no meio do povo, na simplicidade da vida cotidiana.

Por isso, as grandes e solenes liturgias de muitos templos religiosos, desligadas do cotidiano da vida do povo de Deus, são vazias e sem nenhum significado. Certamente, causam bem-estar e alegria passageira, mas permanecem longe daquilo que Jesus pediu. Oremos em nossos templos sem nos esquecermos de que a missão do cristão acontece fora dele, no encontro com Jesus na pessoa do outro. Este costuma ser sempre o desconhecido, o homem caído no caminho de Jerusalém, vítima dos assaltos da vida, à espera de socorro, com suas feridas abertas. O que estamos fazendo quando nos deparamos com as feridas abertas do outro?... Não adianta ir orar por ele no templo, pois suas feridas continuarão abertas.


Tiago de França

domingo, 1 de março de 2015

Escutar a palavra de Jesus

“Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9, 7).

            Há inúmeros discursos e documentos que são escutados, lidos e estudados no interior da religião cristã, mas será que os cristãos estão, de fato, escutando a palavra de Jesus? É com esta pergunta que iniciamos nossa breve meditação à luz do evangelho segundo Marcos, cap. 9, vers. 2 – 10. Qual o conteúdo da palavra de Jesus e onde poderemos escutá-la? Para qual direção esta palavra aponta? Por que e como escutá-la? Estas perguntas, durante o itinerário quaresmal, chama-nos a atenção para a substancialidade do nosso seguimento a Jesus. Estamos mesmo seguindo a Jesus, ou estamos adiando este seguimento para um momento improvável de nossa vida? O texto de Marcos traz alguns aspectos importantes que ajudam em nosso discernimento.

“Mestre, é bom ficarmos aqui...”

            Diante do esplendor do Cristo transfigurado, estas foram as palavras do apóstolo Pedro. Eles estavam numa montanha. Na Bíblia, a montanha é o lugar da contemplação e da revelação. A missão do cristão não acontece na montanha, mas na planície. Na montanha se pode descansar, pensar e repensar os passos dados, os acertos e desacertos da caminhada. Pode-se também receber a Iluminação, aquela Luz que vem do alto, que fala de amor e que nos chama a atenção para a necessidade da escuta. Pedro gostou do sossego da montanha e queria ficar por lá mesmo. A tendência humana é esta: fugir do conflito da planície, refugiando-se no lugar da tranquilidade. A paz de Jesus, que o mundo não dar, deve ser conquistada em meio aos conflitos da planície. Quais os conflitos que estamos enfrentando? O que eles indicam? Como estamos lidando com eles? Como estamos superando nossas crises?...

“Ao descerem da montanha...”

            Jesus não os deixou na montanha. O texto fala que na montanha Pedro não sabia o que dizer, “pois estavam todos com medo”. Certamente, eles nada compreenderam daquilo que estava acontecendo. Nem compreenderam quando Jesus pediu segredo a respeito de tudo o que viram acontecer. Até hoje há quem não compreende e se recusa a compreender. Não é todo mundo que deseja descer da montanha. Este ato humano e ao mesmo tempo espiritual é um convite para entrar no caminho estreito e pedregoso de Jesus. É preciso vencer a tentação do medo que paralisa e das falsas seguranças que aprisionam. O poder e o dinheiro fascinam as pessoas, oferecendo-lhes prazer e conforto. São poucas as que conseguem descer da montanha para abraçar os riscos inerentes à missão. O que a maioria procura é “sombra e água fresca!” A linguagem e a realidade da cruz de Cristo lhes causam medo e pavor. A maioria assume a postura de Pedro: não quer caminhar e correr riscos, mas deseja permanecer na segurança da montanha, protegida pelas tendas construídas.

“Escutai o que ele diz!”

            Na Bíblia, escutar é obedecer. No antigo testamento, Abraão foi confirmado e abençoado por Deus porque obedeceu à palavra de Deus (cf. Gn 22, 18). E nós, hoje? O que nos tem confirmado? Nossos diplomas? Os poderes e a sabedoria deste mundo? Nossas carreiras e o prestígio oriundo delas? Nossas ambições desmedidas? Nossos projetos rigorosamente pensados? Nossos esquemas mentais? Nada disso nos justifica diante de Deus. Certamente, precisamos ter o mínimo de planejamento, em vista de uma vida minimamente organizada, mas se nos desvincularmos do projeto de Deus, nossa vida se parece com aquela folha seca, que caindo da árvore é levada pelo vento e ninguém sabe aonde vai parar. Tudo se transforma num vazio desorientador e desolador. Tudo se perde, esvai-se, evapora-se... Inúmeras pessoas já se encontram nesta situação e estão procurando respostas para compreender o que está acontecendo, mas, infelizmente, procuram respostas em lugares, pessoas e circunstâncias incertas. Nestas não há respostas.

            A palavra de Jesus está acima de toda e qualquer palavra humana. Esta é uma convicção profundamente cristã. Ele é a Palavra que permanece no seio da unidade trinitária. O encontro com esta Palavra divina é o tudo na vida do cristão. Ela é a fonte de toda conversão, de toda iluminação, da liberdade e da vida plena. Quem entra em comunhão com esta Palavra, Verbo feito carne no meio do mundo, encontra, definitivamente, o sentido da vida e a verdadeira felicidade. A partir deste encontro acontece a conversão, a mudança radical. Tudo muda, desaparece o vazio, nada falta, tudo é amor, beleza infinita. Trata-se de um mergulho nas profundezas de Deus, um caso eterno de amor. Ele se revela e cessam todas as procuras porque não há mais necessidade de nada. Viver e morrer gozando desta Presença fecunda e operante é a perfeita alegria. É evangelho. É vida plena. É tudo.


Tiago de França