“Este
é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9, 7).
Há inúmeros discursos e documentos que são escutados,
lidos e estudados no interior da religião cristã, mas será que os cristãos
estão, de fato, escutando a palavra de Jesus? É com esta pergunta que iniciamos
nossa breve meditação à luz do evangelho segundo Marcos, cap. 9, vers. 2 – 10. Qual
o conteúdo da palavra de Jesus e onde poderemos escutá-la? Para qual direção
esta palavra aponta? Por que e como escutá-la? Estas perguntas, durante o
itinerário quaresmal, chama-nos a atenção para a substancialidade do nosso
seguimento a Jesus. Estamos mesmo seguindo a Jesus, ou estamos adiando este
seguimento para um momento improvável de nossa vida? O texto de Marcos traz
alguns aspectos importantes que ajudam em nosso discernimento.
“Mestre, é bom ficarmos
aqui...”
Diante do esplendor do Cristo transfigurado, estas foram
as palavras do apóstolo Pedro. Eles estavam numa montanha. Na Bíblia, a
montanha é o lugar da contemplação e da revelação. A missão do cristão não
acontece na montanha, mas na planície. Na montanha se pode descansar, pensar e
repensar os passos dados, os acertos e desacertos da caminhada. Pode-se também
receber a Iluminação, aquela Luz que vem do alto, que fala de amor e que nos
chama a atenção para a necessidade da escuta. Pedro gostou do sossego da
montanha e queria ficar por lá mesmo. A tendência humana é esta: fugir do
conflito da planície, refugiando-se no lugar da tranquilidade. A paz de Jesus,
que o mundo não dar, deve ser conquistada em meio aos conflitos da planície. Quais
os conflitos que estamos enfrentando? O que eles indicam? Como estamos lidando
com eles? Como estamos superando nossas crises?...
“Ao descerem da
montanha...”
Jesus não os deixou na montanha. O texto fala que na
montanha Pedro não sabia o que dizer, “pois estavam todos com medo”. Certamente,
eles nada compreenderam daquilo que estava acontecendo. Nem compreenderam
quando Jesus pediu segredo a respeito de tudo o que viram acontecer. Até hoje
há quem não compreende e se recusa a compreender. Não é todo mundo que deseja
descer da montanha. Este ato humano e ao mesmo tempo espiritual é um convite
para entrar no caminho estreito e pedregoso de Jesus. É preciso vencer a
tentação do medo que paralisa e das falsas seguranças que aprisionam. O poder e
o dinheiro fascinam as pessoas, oferecendo-lhes prazer e conforto. São poucas
as que conseguem descer da montanha para abraçar os riscos inerentes à missão. O
que a maioria procura é “sombra e água fresca!” A linguagem e a realidade da
cruz de Cristo lhes causam medo e pavor. A maioria assume a postura de Pedro:
não quer caminhar e correr riscos, mas deseja permanecer na segurança da
montanha, protegida pelas tendas construídas.
“Escutai o que ele diz!”
Na Bíblia, escutar é obedecer. No antigo testamento,
Abraão foi confirmado e abençoado por Deus porque obedeceu à palavra de Deus
(cf. Gn 22, 18). E nós, hoje? O que nos tem confirmado? Nossos diplomas? Os poderes
e a sabedoria deste mundo? Nossas carreiras e o prestígio oriundo delas? Nossas
ambições desmedidas? Nossos projetos rigorosamente pensados? Nossos esquemas
mentais? Nada disso nos justifica diante de Deus. Certamente, precisamos ter o
mínimo de planejamento, em vista de uma vida minimamente organizada, mas se nos
desvincularmos do projeto de Deus, nossa vida se parece com aquela folha seca,
que caindo da árvore é levada pelo vento e ninguém sabe aonde vai parar. Tudo se
transforma num vazio desorientador e desolador. Tudo se perde, esvai-se,
evapora-se... Inúmeras pessoas já se encontram nesta situação e estão
procurando respostas para compreender o que está acontecendo, mas,
infelizmente, procuram respostas em lugares, pessoas e circunstâncias incertas.
Nestas não há respostas.
A palavra de Jesus está acima de toda e qualquer palavra
humana. Esta é uma convicção profundamente cristã. Ele é a Palavra que
permanece no seio da unidade trinitária. O encontro com esta Palavra divina é o
tudo na vida do cristão. Ela é a fonte de toda conversão, de toda iluminação,
da liberdade e da vida plena. Quem entra em comunhão com esta Palavra, Verbo
feito carne no meio do mundo, encontra, definitivamente, o sentido da vida e a
verdadeira felicidade. A partir deste encontro acontece a conversão, a mudança
radical. Tudo muda, desaparece o vazio, nada falta, tudo é amor, beleza
infinita. Trata-se de um mergulho nas profundezas de Deus, um caso eterno de
amor. Ele se revela e cessam todas as procuras porque não há mais necessidade
de nada. Viver e morrer gozando desta Presença fecunda e operante é a perfeita
alegria. É evangelho. É vida plena. É tudo.
Tiago de França
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