domingo, 26 de abril de 2015

O bom Pastor

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10, 11).

            “Um padre alcoolizado e dirigindo na contramão bateu em uma moto da Polícia Militar na madrugada deste sábado (25/04), no Bairro Ouro Preto, na Região Noroeste de Belo Horizonte. A Polícia Civil suspeita que o religioso estaria tentando escapar de uma Operação da Lei Seca, que acontecia em uma avenida próxima, quando provocou o acidente. O soldado da PM que pilotava a moto não se feriu. O padre foi detido após passar pelo teste do bafômetro, que constatou crime de trânsito”.  

Tratava-se do Pe. Erli Lopes Cardoso, de 41 anos, que atua na Paróquia N. Sra. da Divina Providência, bairro Pampulha, em Belo Horizonte. O padre é membro da Congregação Pequena Obra da Divina Providência e a notícia foi dada em praticamente todos os jornais da capital mineira.

            “A Arquidiocese de Olinda e Recife recebeu autorização do Vaticano e deu início oficial ao processo de beatificação e canonização de Dom Helder Câmara”: notícia publicada nos grandes jornais de circulação nacional, nestes dias. Grande pastor e profeta da história recente da Igreja no Brasil, o Dom da Paz será, em breve, reconhecido como santo para a veneração de todos.

            Nossa meditação se inicia com estas duas notícias porque, para os cristãos católicos, o 4º Domingo da Páscoa é o domingo do Bom Pastor. O texto evangélico (cf. Jo 10, 11 – 18) apresenta Jesus como o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas. Por isso, nossa meditação é dirigida a todos, especialmente aos pastores da Igreja (bispos e padres, principalmente). É preciso reconhecer, com sinceridade, verdade e humildade, que na Igreja temos bons e maus pastores. Temos aqueles que, de fato, dão a vida pelas ovelhas de Jesus; mas, infelizmente, temos aqueles que, na verdade, não são pastores, mas mercenários: que abandonam as ovelhas, não se importando com elas. Não as livra dos lobos que as perseguem e matam.

            Quando a Igreja não conta com pastores profetas como Dom Helder Câmara, o Reino de Deus não acontece, pois são os profetas que anunciam o Evangelho de Jesus e denunciam as injustiças. O Papa Francisco, que tem se mostrado um grande pastor, tem denunciado, incansavelmente, a falta de profecia na Igreja.

 Antes dele, o profeta Pe. José Comblin, na sua ação e no seu labor teológico, especialmente na obra A profecia na Igreja (publicada pela editora Paulus), denuncia esta ausência de profecia e domínio da letargia na vida eclesial. Quando os pastores, especialmente os bispos e os padres, não dedicam o seu tempo à evangelização dos pobres, facilmente caem na tentação do apego ao poder, prestígio e riqueza. A história da Igreja está aí para mostrar que esta é uma verdade incontestável.

            O Evangelho de Jesus traz algumas recomendações para o fiel exercício do ministério dos pastores na Igreja. Aqui selecionamos algumas, a saber: 1) Que levem um estilo de vida simples, tendo somente o necessário para viver, assim como os pobres; 2) Que cultivem uma aparência e forma de falar simples e próxima das pessoas, sem a pretensão de demonstrar que estudaram muita filosofia e teologia, pois não interessa ao povo conhecer a complexidade dessas ciências. Jesus não enviou ninguém para pregar filosofia e teologia, mas o seu Evangelho; 3) Que permaneçam atentos às necessidades espirituais e materiais do povo de Deus, especialmente dos pobres, em suas lutas e sonhos. É preciso permanecer ao lado do povo e não dos poderosos deste mundo, que só sabem mentir e explorar; 4) Que aprendam a rezar e meditar, diariamente, o Evangelho para anunciá-lo com a palavra e com o testemunho da própria vida. Um autêntico líder religioso é servidor do povo e profundamente íntimo da mensagem de Jesus para ter os mesmos sentimentos de seu Mestre e Senhor; 5) Que sejam, de fato, ministros da comunhão e da participação à luz do espírito do Concílio Vaticano II, promovendo a justiça e a paz em um mundo marcado pela discórdia que gera inúmeras formas de violência.

            Assim, teremos, de fato, profetas em nossa Igreja. Somente assim, o povo se entusiasmará e assumirá a sua missão na história humana atual. Nestes dias, foi eleita a nova Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. À ela é dirigida a palavra de Jesus: Sejam bons pastores e deem a vida pelas ovelhas do Senhor!  

O povo brasileiro está sendo explorado, assaltado. As crises causam desespero, cegueira, surdez e dispersão. Onde está a Igreja? Não basta orar nos templos pelo fim da crise. É preciso que a ação da Igreja em favor dos mais empobrecidos seja uma constante. Em tempos de crise, o povo deve encontrar na Igreja um alívio para suas dores, uma referência confiável, um suporte.

Não se trata de se posicionar contra ou a favor do governo, mas de ir ao encontro das vítimas da crise, oferecendo-lhes o óleo da misericórdia, aliviando-lhes as dores provocadas pelas feridas abertas. Jesus, o bom Pastor, deseja ver circulando nas veias da Igreja o seu Evangelho, e os que exercem o ofício de pastor em nome dele são os primeiros responsáveis por isso. Quem ousou compartilhar com Jesus o ofício de pastor deve fazer como ele: dar a vida. Este é o sentido da vida e missão de pastor. Que o Espírito do Senhor torne cada vez mais fecundo o ministério de nossos pastores para a vida do povo de Deus!


Tiago de França

Obs: Na fotografia, aparecem o Cardeal Montini (futuro Paulo VI) com Dom Helder Câmara, visitando os pobres em uma das favelas de Recife - PE. 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A face do outro

       
       Sempre nos encontramos diante da face do outro, que nos interpela incansavelmente. Não adianta evitar o olhar, a face do outro sempre está lá, chamando a nossa atenção. Às vezes, evitamos o olhar, nos recusamos a olhar o brilho dos olhos do outro, o dilatar das pupilas.

        Há faces alegres e tristes, distraídas e dispersas, atentas e preocupadas, ansiosas e angustiadas... Há um apelo ao amor, um clamor, um pedido. A cultura do encontro somente acontece quando ousamos, humildemente, enxergar a face do outro.

        Para quem crê, Jesus se encontra na face do outro e deseja ser enxergado, encontrado e amado. Basta que olhemos e seremos cativados. O verdadeiro amor surge quando nos encontramos na face do outro. Tudo é simples, sincero e revelador. Olhemo-nos!

Tiago de França

domingo, 19 de abril de 2015

Testemunhas do Ressuscitado

“Assim está escrito: ‘O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém’. Vós sereis testemunhas de tudo isso” (Lc 24, 46 – 48).

            Após a ressurreição, Jesus aparece para seus discípulos, e mesmo vendo-o, eles ficam assustados, cheios de medo e com dúvidas no coração (cf. Lc 24, 35 – 48). Jesus deseja-lhes a paz, come peixe assado diante deles, abre-lhes a inteligência para entenderem as Escrituras, mas mesmo assim eles permanecem com a sensação de que estão diante de um fantasma. Este é o dilema de inúmeros seguidores de Jesus: Demoram para realmente crer e confiar nele. Até que ponto os seguidores de Jesus acreditam e confiam no seu Mestre e Senhor?...

            Abstendo-nos de julgarmos a fé alheia, cada cristão é chamado para pensar a respeito da própria fé em Jesus. Isto significa que precisamos pensar nas razões que nos levam a acreditar nele. Por que acreditamos em Jesus? Se não temos nenhuma resposta para esta pergunta, nossa fé parece estranha. Outra pergunta que merece nossa atenção: Quais as consequências da nossa fé em Jesus? Se cremos em Jesus e em nossa vida não se manifestam o amor e a bondade, então nos encontramos numa profunda contradição.

            Por mais fracos e pecadores que sejamos, nossa fé em Jesus precisa nos transformar em pessoas amorosas e sensíveis ao outro. Sem amor não há sensibilidade nem encontro com o próximo, e sem isto não há testemunho. É amando o próximo que o cristão se converte a Jesus, e esta conversão o transforma numa testemunha dele neste mundo. Este é o caminho de Jesus e não há outra forma de testemunhá-lo. No amor, o cristão se encontra com Jesus e conhece o mistério da Trindade, que é Comunidade de amor. Esta Comunidade se revela a todo aquele que se abre ao amor. Como disse certa vez Jesus, o Pai, ele e o Espírito fazem morada naqueles que se abrem ao amor.

            Não são os discursos inteligentemente elaborados, nem a aparência de santidade, nem as práticas religiosas, nem o conhecimento aprofundado das ciências da religião, nem a fidelidade ao culto e aos preceitos religiosos que transformam o cristão em testemunha da ressurreição de Jesus, mas somente o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Por isso, em nossas Igrejas facilmente encontramos mestres e doutores, versados na lei de Deus, mas que não se abrem ao amor, desconhecendo, assim, o Deus que anunciam para os outros. Anunciam com a boca, mas seus corações estão longe de Deus.

            João, na sua 1ª Carta, diz: “Para saber que o conhecemos, vejamos se guardamos os seus mandamentos. Quem diz: ‘Eu conheço a Deus’, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. Naquele, porém, que guarda a sua palavra, o amor de Deus é plenamente realizado” (1 Jo 2, 3 – 5). Eis, portanto, o critério para conhecer, verdadeiramente, a Deus: guardar a sua palavra. Isto significa que, para não sermos mentirosos, precisamos guardar a palavra de Jesus, e guardar significa obedecer. O verdadeiro cristão deve obediência à palavra de Jesus. Escutá-lo, e com a ajuda do Espírito colocar em prática o mandamento de Deus: o amor.

            Venceremos o ódio e a indiferença, o individualismo e a violência, a falta de perdão e de cuidado, enfim, todos os males que assolam a humanidade, quando tomarmos a corajosa decisão de guardarmos a palavra de Jesus: amar sem medida, até às últimas consequências. É preciso que façamos como ele fez: amou até o fim, até a morte de cruz. Desistir do amor é suicídio, é entregar-se às forças da morte, é renunciar ao Reino de Deus. O Espírito do Senhor, presente em nós e no mundo, quando por nós acolhido, nos torna capazes do amor, libertando-nos do egoísmo e de tudo aquilo que nos aprisiona. Se guardarmos a palavra de Jesus, escutando-o com atenção, colocando-nos a seu serviço, o amor de Deus é plenamente realizado em nós.

            Nisto se encerra o mistério pascal de Jesus: que sejamos suas testemunhas neste mundo, mesmo que custe o derramamento de nosso sangue. Se nos acovardarmos na omissão, afirmando que somos cristãos, na verdade, não passamos de mentirosos. Nossa vida cristã não pode se transformar numa mentira. Não podemos cair na tentação de sermos cristãos de nome e de aparência. Neste sentido, enquanto membros da grande Assembleia de fieis, exorta-nos o papa Francisco: “O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal” (Encíclica Evangelii Gaudium, n. 93).

            Cristãos mundanistas são aqueles que não procuram glorificar a Deus, mas a si mesmos, utilizando-se das aparências de religiosidade e santidade, assim como de um falso amor à Igreja. No fundo, são pessoas maliciosas, lobos com pele de cordeiro, que não perdem a primeira oportunidade que surge para fazer o mal ao próximo. 

Somente o amor é capaz de nos libertar do mundanismo espiritual. Este é empecilho para testemunharmos Jesus. Nossas Igrejas e toda a humanidade precisam, urgentemente, de sal e luz, de gosto e claridade. Em outras palavras, de pessoas abertas e disponíveis, autênticas e acolhedoras, amorosas e misericordiosas, alegres e dispostas a darem a própria vida na construção do Reino de Deus. Somente assim, teremos um mundo menos corrompido, mais justo e fraterno para todos. Esta é nossa vocação e missão.


Tiago de França

terça-feira, 14 de abril de 2015

O Ressuscitado entre nós

“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).

            Quando Jesus pronunciou estas palavras, seus discípulos vibraram de alegria. A presença do Ressuscitado faz surgir a alegria. Não se trata de momento passageiro de festa, mas de uma festa que dura no tempo e no espaço. É inexplicável a alegria da ressurreição de Jesus. Ela provoca ânimo, confiança, vontade de viver. Somente experimentando é possível sentir seus efeitos, pois não é algo abstrato, mas palpável, visível, concreto, que acontece na simplicidade do cotidiano da vida.

            Tomados pela alegria e pela força do Ressuscitado, os primeiros discípulos de Jesus venceram o mundo. Eles perderam o medo paralisante. Deixaram-se penetrar pelo Espírito do Ressuscitado. Não precisaram de mais nada. Estavam dispostos a tudo. Ultrapassaram a si mesmos. De fato, tornaram-se membros do corpo do Ressuscitado, experimentando uma vida nova, repleta de amor, compaixão e ousadia profética. Os primeiros discípulos de Jesus não pertenciam a si mesmos, mas aos outros. No Ressuscitado descobriram o verdadeiro sentido da vida.

            A fé no Cristo Jesus os assegurava uma certeza inabalável: a de que não estavam sozinhos. E o Espírito do Ressuscitado os confirmava na fé, orientando-os, guiando-os, fortalecendo-os, trabalhando no mundo por meio deles. Aliás, este Espírito não é mera companhia externa, mas força transformadora da pessoa porque permanece com ela.  

Ele somente pede para permanecer e deseja ser acolhido na liberdade porque gera liberdade. Sua missão é libertar, tirar das trevas, devolver e promover a dignidade. Pela fé, o cristão é chamado a conhecer e experimentar este mistério insondável de amor. É tudo muito simples, real e, portanto, concreto. Jesus não é uma teoria teológica, mas Deus presente no meio de nós.

            Imaginemos uma senhora chamada simplesmente pelo nome de Maria: uma pobre viúva aposentada, sentada à porta, na sua casinha de taipa, tomando seu cafezinho com biscoito de polvilho. Depois de uma boa conversa, falando sobre os mistérios do Reino de Deus, que lhes foram revelados pelo Espírito do Ressuscitado, que chegou lá muito antes de mim, eis que pergunto: “Dona Maria, para a senhora, quem é Deus?”

De repente, depois de um longo e suave sorriso, ela responde com clareza, objetividade e convicção: “Meu filho, Deus é tão lindo e tão bom que eu nem sei dizer como Ele é para você; mas uma coisa posso dizer: Ele gosta tanto de nós, mas gosta tanto, que mandou Jesus para livrar a gente da miséria humana”.

            Dona Maria mora no Vale do Jequitinhonha, região mais pobre de Minas Gerais. As coisas que dela ouvi nunca as tinha lido em nenhum dos inúmeros livros que li até hoje. A partir daquele dia, principalmente, tive a plena convicção que as sabedorias e os poderes humanos não representam praticamente nada diante do insondável mistério da presença de Deus neste mundo.  

A dona Maria me pediu que continuasse estudando, mas com a seguinte recomendação: “Olhe, seu moço, preste atenção! Estudar é bom, mas não se descobre Deus nos estudos não, viu!” E colocando a mão sobre o meu peito, ela concluiu: “Deus está aí, sinta Ele chamando você!”

Tiago de França

Obs: A dona Maria, mencionada na reflexão, é a que aparece na fotografia.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Algumas considerações sobre a redução da maioridade penal no Brasil

             
         A Câmara dos Deputados instalou, no dia 08 de abril, uma comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil. A comissão é constituída por 27 parlamentares, sendo que 20 deles são a favor da redução. No total dos membros, 15 integram a Frente Parlamentar da Segurança, que é comandada pela chamada “bancada da bala”.  

Os integrantes desta bancada acreditam que a solução para a violência no Brasil está no encarceramento dos criminosos, ou seja, para eles “lugar de bandido é na cadeia!” A presente reflexão não quer oferecer uma análise jurídica da PEC, nem falar sobre a conduta um tanto curiosa dos parlamentares que compõem a comissão especial, mas apresentar algumas provocações e/ou questionamentos.

            Qual a finalidade da redução da maioridade penal? Os que são a favor da redução defendem a tese de que reduzindo a maioridade penal para 16 anos de idade, automaticamente, reduziria a sensação de impunidade e a alta violência no país. Esta tese não se sustenta porque a realidade prisional do país é clara: segundo índices publicados em 2013, a reincidência (os que saem das prisões e voltam a cometer os mesmos ou outros crimes) era de praticamente 70% (cf. Informe Regional de Desenvolvimento humano [2013-2014] do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). De lá para cá, certamente este número aumentou, significativamente. Além disso, é unanimidade entre os estudiosos do sistema prisional brasileiro o fato de que este sistema está praticamente falido.

            O estado dos presídios e a superlotação são realidades alarmantes que tem causado uma onda de revoltas e violências. Temos mais de meio milhão de pessoas presas, sobrevivendo a um estado deplorável e, portanto, desumano. Nossos presídios são escolas do crime, pois neles os encarcerados tem a infeliz oportunidade de se aperfeiçoarem no mundo do crime, e não há política criminal e/ou medidas efetivas de encarceramento que deem conta de controlar a situação.  

Somente quem nunca visitou um presídio e vive dominado pela mídia sensacionalista é quem vive repetindo, irracionalmente, o ditado popular “Lugar de bandido é na cadeia!”, pensando que as prisões conseguem converter os criminosos em pessoas íntegras. A realidade mostra o oposto: quanto mais se prende, piora cada vez mais os índices de violência no país. O que vão fazer nesses presídios adolescentes de 16 a 18 anos?...

            Qual o recado dos deputados e senadores favoráveis à redução da maioridade penal aos jovens brasileiros? Aqui não precisaríamos responder a esta questão porque, certamente, o leitor já conhece a resposta, mas dada a gravidade da situação, não faz mal darmos ênfase a este vergonhoso e abominável recado parlamentar. Quando jornais e revistas passam a denominar “bancada da bala” a um número de deputados e senadores, é sinal de que a situação de parlamento brasileiro é preocupante e vergonhosa. 

Tantos projetos favoráveis e necessários à juventude brasileira poderiam ser pensados, estudados, discutidos amplamente e transformados em políticas públicas de promoção da dignidade de nossos jovens; mas, infelizmente, ocorre o contrário: Os membros da “bancada da bala” e tantos outros acham que nossos jovens precisam permanecer nas prisões, pois entendem que tirando-lhes a liberdade de ir e vir eles se converterão! Qualquer pessoa de bom senso admite a irracionalidade de tal pensamento e postura.

Seria interessante que um filho de um desses deputados ou senadores, com idade entre 16 e 18 anos, após uma possível redução da maioridade penal, pudesse cumprir pena em um presídio do Estado do Maranhão, ou qualquer outro. Certamente, tal político iria mudar de ideia! Geralmente, quem é favorável ao encarceramento em massa não se coloca no lugar daqueles que lá se encontram. Bastaria uma semana, convivendo com os encarcerados, para ver que a solução não se encontra no isolamento das pessoas. Fora da liberdade nenhum ser humano consegue se regenerar. Esta é uma verdade incontestável.

A PEC em discussão é um dos recados mais claros aos jovens: Queridos jovens, não queremos assumir nenhum compromisso com vocês. Se vocês não estão dando conta de lidar com a falta de oportunidades na vida e ingressam no mundo do crime, o que temos a oferecer são as prisões, para nelas vocês aprenderem, pelo menos, a serem criminosos “profissionais”! Este é o recado!

            De onde procedem os parlamentares favoráveis à redução da maioridade penal? Eles vem das urnas e são filhos da sociedade brasileira, marcada pela ignorância política, pela hipocrisia e pela falta de compromisso com a juventude. São pessoas sedentas de sangue, que apreciam a carnificina, pois sabem muito bem que o fim do extermínio dos jovens não passa pela redução da maioridade penal.  

Os eleitores desses parlamentares (Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e tantos outros) devem analisar bem o mal que fizeram ao país. São políticos conservadores que tem se mostrado contrários às lutas pela promoção dos direitos humanos. São ignorantes, maliciosos, pessimistas, interesseiros e, geralmente, afetivamente mal resolvidos.

O curioso é que alguns são “evangélicos”, mas desconhecem plenamente o evangelho de Jesus de Nazaré. Acreditam num Jesus inimigo dos pobres e a favor da violência. Este Jesus é um ídolo, fruto da fértil imaginação humana. O verdadeiro Cristo do evangelho é manso e humilde de coração, promotor da justiça e da paz, que inaugurou o Reino de Deus a partir da realidade dos pobres. Quem diz que acredita neste Cristo e se coloca a favor da redução da maioridade penal não compreendeu a sua mensagem evangélica e precisa, urgentemente, fazer uma séria revisão da fé que acredita ter. 

            Como vencer o extermínio da juventude brasileira? Nossos adolescentes e jovens precisam ser respeitados em sua dignidade. Este respeito passa pela promoção de efetivas políticas públicas que os ajudem a ter um futuro melhor. O futuro do país depende de jovens conscientes e livres, dispostos e disponíveis, que estejam no pleno gozo de seus direitos. 

A juventude clama por oportunidades, que lhes assegurem melhores condições de vida, por uma política na qual seus representantes sejam pessoas críticas e comprometidas com a justiça social; clama por religiões abertas e acolhedoras, que não os condenem, mas os ajudem a serem pessoas melhores, mais humanas e fraternas; clama por referências que apontem o caminho da vida e da liberdade, despertando-os para o compromisso com a construção de uma humanidade nova.

Enfim, nossos jovens precisam de uma educação que não somente os prepare para o exercício de uma profissão em vista da própria subsistência, mas, sobretudo, que os prepare para a vida, para a necessária maturidade, para serem mulheres e homens íntegros e honrados, cidadãos audaciosos e esperançosos, comprometidos com o bem comum, otimistas e felizes.

Tiago de França

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Até quando?

“O Senhor Deus é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado” (Isaías 50, 7).

            Até quando assistiremos ao clamor inconsolável das mães, que choram dolorosamente a morte de seus filhos, brutalmente assassinados nas ruas, praças, avenidas e vielas do mundo. Mortos pela polícia, pelos grupos de extermínio, pelo Estado Islâmico, pela bala perdida.

            Até quando escutaremos o clamor da Mãe Terra, cansada e abatida, vítima da exploração irracional do ser humano. Perturbada, já não sabe o que fazer e responde com chuvas demasiadas, secas, tsunamis, temporais etc. Ela deseja ardentemente retomar sua harmonia porque quer cumprir sua missão: continuar dando e mantendo a vida.

            Até quando estaremos expostos ao capitalismo selvagem, que dita a lei do “salve-se quem puder!” Lei que gera exclusão, marginalização e morte; que tem transformado o mundo em palco de batalhas no qual os mais ricos sempre vencem em detrimento dos mais pobres dos povos.

            Até quando iremos aceitar a intolerância e a exploração religiosas, que discriminam, excluem e matam em nome da idolatria, que deturpa a imagem do verdadeiro Deus de todas as raças, povos, línguas e culturas. Pessoas são vítimas de um número cada vez mais crescente dos que se apegam às suas tradições e doutrinas, desprezando o amor, a justiça e a misericórdia.

            Até quando vamos suportar os constantes assaltos aos cofres públicos, efetivados por quem foi eleito nas urnas com a missão de promover o bem comum, assim como pelos empresários sedentos de dinheiro e poder. Milhões de brasileiros padecem pela falta de serviços públicos eficientes, falta gerada pelos inúmeros desvios de dinheiro público em todas as esferas da administração pública.

            Até quando ficaremos de braços cruzados diante do grito dos sofredores, caídos em nossas famílias, Igrejas, bairros e locais de trabalho. Omissos, fazemos de conta que nada sabemos nem vemos. Assumimos, na maioria dos casos, o papel daqueles que empurram a lança para ver o sangue jorrar. Alienados, pedimos pena de morte, redução da maioridade penal, mais prisões, mais extermínio da juventude, mais violência.

            Até quando nos recusaremos a prestar culto ao verdadeiro Deus de Israel, Pai amoroso e Libertador, que enviou seu Filho amado para nos mostrar o único caminho que conduz à salvação: o amor. Por que cedemos mais à indiferença que ao amor? Por que cedemos mais ao rancor, ressentimento e mágoa que ao perdão? Por que caímos na tentação de brigarmos por motivos banais? Por que entregamos nossos corações tão facilmente a toda espécie de sentimento ruim e gerador de morte?...

            A celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré é um convite à conversão do coração e à mudança de mentalidade. Quem nele acredita e põe sua esperança jamais se decepciona. Estamos acostumados a celebrar a Páscoa de Jesus todos os anos, mas parece que não passa de mera repetição litúrgica de rituais. Celebra-se a Páscoa e, muitas vezes, tudo continua do mesmo jeito: as pessoas não ressuscitam. Só o amor é capaz de nos ressuscitar. Este amor nos faz peregrinos no caminho de Jesus: estreito, longo e pedregoso. Unidos à cruz de Cristo Jesus com ele ressuscitamos para uma vida nova e, assim, nele renovaremos a face da terra. Isto é Páscoa. De nada adianta prestarmos culto nos templos se nosso coração está longe de Deus. O mundo e nossas Igrejas precisam de pessoas renovadas no amor, livres para construir o Reino de Deus.

            No Espírito de Jesus, presente e atuante no meio de nós, desejo a todos uma FELIZ PÁSCOA!

            Fraternalmente,

Tiago de França