“O
Espírito Santo é força de Deus na história, para edificar o povo de Deus. Portanto,
o Espírito constrói um futuro e orienta os discípulos para um porvir” (José
Comblin).
Onde está o Espírito, aí está a liberdade:
eis o critério fundamental para sabermos o lugar do Espírito no mundo. Nossa meditação
terá esta verdade como espinha dorsal: a de que o Espírito tem como missão a
edificação do povo de Deus na liberdade e para a liberdade. À luz do evangelho
de Jesus e da realidade atual, queremos oferecer alguns pensamentos sobre a
missão do Espírito Santo no mundo. O espaço de um artigo é curto, mas o suficiente
para algumas afirmações que, inevitavelmente, podem escandalizar um pouco, mas
não em função de tirar a fé, mas para seu esclarecimento e fortalecimento.
O Espírito não está aprisionado nas Igrejas.
Nenhuma denominação religiosa possui o Espírito. Ele não é propriedade
particular de ninguém. Portanto, não se deixa manipular por quem quer que seja.
É mentiroso todo espetáculo exterior em nome do Espírito. Exorcismos, repousos,
curas, gritos, desmaios, visões, êxtases, entre outros fenômenos presentes nas
Igrejas cristãs não podem ser invocados como se fossem obra do Espírito. Este
não foi enviado para realizar tais coisas, para a mera satisfação dos desejos
das pessoas. A missão do Espírito ultrapassa as fronteiras das Igrejas e da
religião cristã, ultrapassa os limites do tempo e do espaço. O Espírito está
nas pessoas e no mundo, não é religioso nem obra de nenhuma religião.
As leis e preceitos religiosos não são obras
do Espírito. Por mais piedosa que seja uma pessoa, por mais íntegra que
pareça ser, sua piedade e consequente integridade não decorrem da ação do
Espírito, mas da observância às leis e preceitos. Quem vive de acordo com os
preceitos da religião não pode dizer que, necessariamente, vive em plena
sintonia com o Espírito. São coisas diferentes. Nem todo religioso é cristão. O
Espírito faz o cristão, que por sua vez é discípulo missionário de Jesus de
Nazaré. Leis e preceitos não geram, necessariamente, cristãos. Cristão é
seguidor do Cristo na força do Espírito. Por isso, é possível que encontremos
milhões de cristãos fora do Cristianismo. Na teologia do alemão Karl Rahner,
são os “cristãos anônimos”.
A liberdade cristã é obra do Espírito e não
da lei. Não há pessoa livre em Cristo senão pela força do Espírito. A luz
do Espírito abre os olhos e os corações das pessoas e estas passam a enxergar e
se colocar no caminho de Jesus de Nazaré. O Espírito coloca a pessoa neste
caminho, concedendo-lhe a graça de nele perseverar até o fim. O caminho de
Jesus é o caminho da liberdade. Esta não existe fora daquele. Todo aquele que
se encontra no caminho é uma pessoa livre, capaz de trabalhar no processo de
libertação dos outros. Viver em função dos outros: eis a marca fundamental dos
que se encontram no caminho de Jesus. Aí está o segredo da liberdade. Liberta-se
quem vive para os outros e não para si mesmo. Isto é obra do Espírito.
A liberdade do Espírito está vinculada à
realização do Reino de Deus. Os cristãos não são pessoas livres para
fazer o que quiserem da própria vida. Esta não é a liberdade cristã. Não se
trata de ser livre para morrer na tranquilidade e na falsa paz. A liberdade
cristã é a liberdade do Espírito: livres para ser operários da vinha do Senhor.
Trabalhadores livres e sem patrão, membros do Corpo de Jesus para a vida do
mundo. Esta é a autêntica liberdade cristã. Livres de si mesmos para a prática
libertadora do amor ao próximo. Livres da busca e satisfação dos próprios
interesses em detrimento do outro. Livres do pecado, da carne, do medo e da
morte. Livres para servir na gratuidade, generosidade, alegria e liberdade.
O Espírito liberta da sede de poder,
prestígio e riqueza. Influenciadas pelo sistema capitalista, as pessoas
procuram riqueza: desejam e procuram, a todo custo, adquiri-la. Querem ganhar
dinheiro e consumir. Acumulam dinheiro e bens. Se for necessário, matam para
preservar seus bens. Em nome da conservação e aquisição das riquezas cometem
crimes de toda ordem: sonegam, desviam, roubam, enganam, subornam, mentem,
matam. Querem ser aplaudidas, ocupando o centro. Preocupam-se com a fama, o
sucesso e a reputação. Gostam de ser mencionadas e elogiadas. Oprimem,
friamente. Dominam, controlam, especulam, manipulam, querem ser senhores do
mundo. Nestas realidades não está o Espírito, pois é liberdade e trabalha pela
libertação.
A força e a alegria dos oprimidos vem do
Espírito. Somente os pobres conhecem verdadeiramente o dom do Espírito.
Os ricos não conhecem, mesmo se o invocarem piedosamente na celebração solene
de Pentecostes. Não conhecem porque vivem uma vida que não é dom do Espírito. Não
há exceções. Somente na fileira dos excluídos se conhece a ação amorosa do
Espírito, pois este está do lado dos fracos e não dos fortes. O Espírito é a
força dos fracos em suas lutas contra a opressão dos poderosos deste mundo. Assim
revela as Escrituras. Ninguém tem o poder de desmentir esta verdade revelada: a
força de Deus está do lado dos pequenos. Não há meio termo, nem exceções. Não adianta
“partilhar” parte da riqueza com as Igrejas. A situação não muda. Os poderosos
não contam com a força de Deus, pois esta não está para a opressão, mas para a
libertação dos oprimidos. Esta é a alegria dos pobres: contar com a presença
amorosa do Espírito em suas lutas.
O Espírito se manifesta nas periferias do
mundo. Um papa veio da Argentina. Isto é um sinal do Espírito. Não que
o Espírito tenha criado a instituição pontifícia, pois sabemos que ela é obra
humana. O Espírito não cria instituições. Estas são obras humanas, sujeitas a
erros e à necessária evolução. Mulheres e homens das periferias das grandes
cidades reinventam a vida, desdobram-se para sobreviver, encontram brechas,
procuram e aproveitam as oportunidades. Isto é sinal do Espírito. As manifestações
das mulheres e homens de boa vontade, reivindicando direitos, denunciando a
opressão sistemática dos poderosos nas instituições públicas e particulares. Este
é outro sinal da ação do Espírito. Poderosos sendo desmascarados em suas
mentiras, desvios e roubos, sendo processados e presos, perdendo suas fortunas.
É outro sinal do Espírito. Mulheres e homens, organizando-se em grupos de atuação
livre, em prol de outro mundo possível, resistindo ao desespero e à violência
dos grandes. Outro sinal do Espírito.
Muitas outras afirmações poderiam ser feitas, mas o
essencial foi evidenciado: O Reino de Deus está acontecendo a partir da
vida dos fracos que contam com a força do Espírito. Não se trata de experiência
intimista nem de meras revelações privadas, mas da ação divina na história
humana, história que acontece no cotidiano da vida. Toda pessoa que se abrir à
ação do Espírito será lançada no mundo para servir no amor. Ele lança, encorajando,
iluminando, animando, concedendo força e discernimento, perseverança e
fidelidade até o fim. E quando Jesus voltar, a festa vai ser linda de ver e
viver! Vinde, Espírito Santo. Amém!
Tiago de França
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