domingo, 28 de junho de 2015

Para reconhecer Jesus

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16).

        Hoje, a Igreja Católica no Brasil celebra o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo. Nas celebrações, padres e bispos, de modo geral, estão dando ênfase à missão de Pedro, pois, segundo a tradição, este foi o primeiro papa. Nossa meditação não quer discorrer a respeito desta questão: Se Pedro foi ou não o primeiro papa. Para a fé cristã nos dias atuais, esta questão parece não ocupar o centro de nossas preocupações. Ninguém crescerá na fé se acreditar ou não no fato de Pedro ter sido ou não o primeiro papa. Jesus não pensou na instituição do papado e nem o instituiu. Portanto, o texto evangélico que está sendo proclamado e meditado nas celebrações deste domingo (cf. Mt 16, 13 – 19) não foi escrito em função do papado, mas em função de Jesus e de sua identidade messiânica. É importante diferenciarmos tais coisas para evitarmos confusão em detrimento da fé cristã.  

            Quando Jesus pergunta aos seus discípulos, estando com eles na região de Cesareia de Filipe, sobre o que o povo estava falando sobre ele, eis a resposta: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros, ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. Pela resposta, se vê claramente que as pessoas reconheciam Jesus como profeta. De fato, Jesus tinha todas as características dos profetas bíblicos, e foi o profeta por excelência. Tendo escutado a resposta, Jesus pergunta aos mesmos discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Ele estava querendo saber o que se passava na cabeça de seus seguidores. Por revelação divina, Pedro responde, representando a comunidade dos seguidores de Jesus: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Jesus logo reconhece que foi uma resposta revelada pelo Pai, não mera lógica oriunda da inteligência humana.

            Desse modo, Jesus confirma ser o Messias enviado pelo Pai, conforme a promessa revelada aos antigos profetas; mas não é o Messias pensado pelos seus discípulos: Poderoso, triunfante, dominador, exterminador de seus inimigos. Jesus é o Messias, o Filho do Deus vivo; ou seja, veio a este mundo fazer a vontade do Pai, não para satisfazer desejos de glória, prestígio e poder. A missão de Jesus passa pela via da fraqueza humana. Com suas palavras e gestos revelou que o poder divino não se manifesta na fortaleza, mas na fraqueza, no escândalo da cruz. O Messias foi crucificado: Este foi o escândalo que os judeus não conseguiram compreender. O Messias ocupou o lugar dos malditos, deixando-se pregar numa cruz, sem fugas, com coragem e convicção, sob a ação do Espírito de Deus. Além dos judeus, também inúmeros cristãos até hoje não aceitam o Messias Jesus na cruz, pois querem-no glorioso e triunfante, andando sobre as águas e voando entre as nuvens do céu.

            Hoje, Jesus continua querendo saber de cada cristão: Quem sou eu para você? Esta pergunta é essencial para a verdadeira fé cristã. Não basta dizer que Jesus é o Filho de Deus, o Salvador, o Redentor, o Libertador, e tantos outros adjetivos que aprendemos desde cedo na catequese. É preciso saber o que realmente significa acreditar em Jesus. Quais as consequências oriundas da fé no Filho de Deus? Estou disposto a arcar com estas consequências? Quero me colocar no caminho de Jesus e nele perseverar? Como cristão, batizado em nome dele, tenho me comprometido com a edificação do Reino de Deus, ou estou a serviço das forças contrárias a este Reino? Meu testemunho de vida é sinal de edificação, ou tenho levado uma vida descontrolada, longe do amor? Qual minha resposta à pergunta feita por Jesus? Cada um, em particular, na oração e na meditação, escutando a voz de Deus e da consciência, precisa responder, com sinceridade e verdade, a estas e outras perguntas que nos ajudam em nosso processo de conversão.

            Por fim, o dia da celebração do martírio de Pedro e Paulo, também é dia de rezarmos pelo Bispo de Roma, o papa Francisco. Apesar dos limites impostos pelo papado, Francisco tem sido um sinal de esperança para o mundo. É verdade que a Igreja não tem seu fundamento no papado nem na pessoa do papa. Em outras palavras, Jesus é a Pedra angular, é o alicerce sob o qual está construída a Igreja. Francisco é o responsável pela promoção da unidade cristã, aquele que foi chamado para trabalhar pela edificação do Reino. Não é um homem perfeito porque a perfeição pertence a Deus. Como tem afirmado em suas falas, também ele é um pobre pecador. Nesta afirmação está uma de suas virtudes: a humildade. A Igreja é esta grande embarcação, que ao longo de milênios vai navegando nas agitadas águas do mar da vida, sendo guiada pelo Espírito, que se manifesta na vida das mulheres e homens fracos, trabalhadores na vinha do Senhor. Vida longa ao papa Francisco, e que Jesus continue sendo a nossa vida e nosso tudo, o nosso amor, a rocha que nos mantém de pé e nossa salvação.

Tiago de França

sábado, 20 de junho de 2015

Jesus e as tempestades da vida

“Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?” (Mc 4, 40).

            Jesus estava com seus discípulos no lago de Genesaré. Era noite e, de repente, veio uma tempestade. Eles iam para o outro lado, na direção das populações estrangeiras, de cultura grega. O barco estava se enchendo d’água e os discípulos se apavoraram. Tiveram medo de morrer. Jesus estava com eles, dormindo sobre um travesseiro. Dormia tranquilamente. Chama-nos sempre a atenção o medo dos discípulos de Jesus. Diante da fúria da natureza, mesmo estando Jesus com eles, mesmo assim, apavoram-se. Parece que a presença de seu mestre não é suficiente. Aqui está o problema: Jesus não abandona seus discípulos, mas estes não confiam na sua presença.

            As tempestades da vida são inúmeras e violentas. Elas parecem nos sufocar, tirando-nos a visão e a audição, a atenção e o discernimento. Tempestades causam aflição, e pessoas aflitas não raciocinam, mas são tomadas pela dispersão e pelo desespero. Se olharmos para o mundo atual, neste ano, principalmente, veremos que praticamente tudo está em chamas: Uma criança de onze anos é apedrejada na cabeça por causa de sua religião (Candomblé), um jovem entra em uma igreja metodista nos EUA e mata nove pessoas pelo fato de serem negras, cristãos católicos e evangélicos se agridem nas redes sociais por causa de um transexual que se utiliza da cruz, e terminam crucificando-o... Tempestades violentas.

            Hoje, os seguidores de Jesus confiam no seu mestre? Conseguem enxergar sua presença no barco? Ou estão como ovelhas dispersas que não conseguem identificar a voz do seu pastor? O que nossas Igrejas estão fazendo para que as pessoas consigam saber onde está Jesus? Será que procuram por ele no lugar certo? É verdade que ele não se esconde de ninguém, pois permanece presente. Basta identificá-lo. Basta entrar em comunhão com ele. Somente Jesus é a segurança dos seus discípulos. É seu porto seguro. O interessante é que Jesus não livra seus discípulos das tempestades, mas quando unidos a ele, ninguém fica abandonado.

            Interessante, ainda, a constatação de Jesus: “Como sois medrosos!” O medo é um dos piores inimigos dos discípulos porque é capaz de paralisá-los. Quando dominada pelo medo, a pessoa não consegue sair do lugar, não assume os riscos inerentes à missão. Fechado em si mesmo e acorrentado pelo medo, ninguém consegue seguir Jesus. Para libertar do medo, ele oferece seu amor. Só o amor liberta do medo que paralisa. Ele também propõe a fé: “Ainda não tendes fé?” Confiar e esperar nele. Esperar não como se espera um ônibus, mas esperar no agir confiante. Hoje, mais do que em outras épocas, os cristãos precisam entrar na escola da ação alicerçada na confiança em Jesus.

            Por fim, Jesus acalma a tempestade: “Silêncio! Cala-te!” Diante da violência dos gritos ensurdecedores de dor, Jesus ordena o silêncio. Às mulheres e homens de nosso tempo, marcados pelas aflições causadas pelos inúmeros problemas da vida moderna, diz Jesus: Cala-te! Silêncio! E quando as tempestades passarem, como tudo na vida, permaneçamos em silêncio diante de Jesus, em oração, e nos perguntemos: O que realmente aconteceu? O que causou tal tempestade? E com o coração humilde, sincero e contrito, na escuta do coração de Jesus, como discípulos missionários amados, digamos:

Obrigado, Jesus!

Eu sei que Tu estás em mim. És minha força e meu canto.

Não permitas que me afaste de Ti. Rogo-te, meu Irmão maior: Que as tempestades não me façam perecer.

Concede-me o dom da fé. Dá-me aquela confiança que brota do coração. Que meus braços permaneçam estendidos na direção de meus irmãos.

Não me abandones em alto mar. Que tua serenidade me tranquilize e me dê paz. Amém, Jesus!

Tiago de França

sábado, 13 de junho de 2015

Por que os cristãos se escandalizam com a cruz de Jesus?

            Nestes dias, nas redes sociais, principalmente no Facebook, a polêmica em torno da encenação da crucificação de Jesus durante a parada do orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), em São Paulo, no dia 7 do corrente mês, chamou a atenção de todos. De modo geral, cristãos de inúmeras Igrejas publicaram seu repúdio sobre o uso indevido da cruz de Cristo no evento. As opiniões são diversas a respeito do fato. No mundo religioso, entre os mais conservadores, as condenações são veementes. Há o que podemos chamar de demonização da população LGBT. Entre os neopentecostais, tanto católicos quanto evangélicos, opiniões extremistas são de causar vergonha: julga-se e condena-se em nome de Jesus. É possível analisar o fato à luz do evangelho, utilizando-nos do remédio da misericórdia e não de condenações desnecessárias? Sim, é o que faremos no breve espaço deste artigo.

            Inicialmente, é preciso dizer que não se trata de apoiar a religião e condenar pessoas homoafetivas, nem de absolvê-las em detrimento da religião. Os vocábulos juízo e condenação são inadequados ao diálogo entre o mundo religioso e o mundo homoafetivo. Dois motivos inicialmente podem ser considerados: primeiro, porque Jesus proibiu, severamente, o julgamento e condenação das pessoas; segundo, porque não há uma separação entre os dois mundos. Não é nenhuma novidade o fato de que no mundo religioso encontramos inúmeras pessoas homoafetivas. Este segundo motivo já coloca as Igrejas em uma profunda contradição. A história desautoriza as Igrejas para emitirem qualquer condenação a pessoas homoafetivas.

            Olhando para o evangelho, encontramos Jesus no meio dos pecadores públicos, sendo acusado de comilão e beberrão, amigo dos cobradores de impostos e pecadores. Isto foi um escândalo para a época. Além disso, Jesus tinha a fama de ser um violador das leis judaicas. Estas e outras coisas lhe renderam perseguições e o levaram à morte de cruz. Viver livremente entre os pecadores: eis a opção de Jesus. Aliás, Jesus inaugurou o Reino de seu Pai a partir da realidade dos pecadores. Teologicamente falando, Deus se manifestou na humanidade, na pessoa de Jesus, entre os pecadores, para a salvação destes. Quem nega esta verdade, nega o próprio Cristo e com ele não tem nenhum vínculo. Ele revelou que com o Pai e o Espírito, a salvação acontece a partir das vítimas das opressões de todos os tempos e lugares. Jesus não era filho de sacerdote, nem foi criado na “pureza” do Templo, mas nasceu em Nazaré, cidade mal afamada do Império Romano. Questionava-se se poderia sair algo bom de Nazaré!

            Este é o Cristo da genuína fé cristã. Não há outro. É ele que se encontra no evangelho, e não há outro evangelho senão o dele. Seu mandato missionário é claro: Ide e anunciai a Boa Notícia para toda a humanidade! Os cristãos, chamados a segui-lo, tem esta missão a cumprir: anunciar a Boa Notícia. Nesta não há julgamento e condenação de pessoas. A ninguém Jesus conferiu o poder de julgar e condenar. Quem se intitular juiz de seu próximo em nome de Jesus está se condenando. Não há meio termo: Quem condenar será condenado! Este é um princípio evangélico que encontra seu fundamento em um outro: Todos somos irmãos. Diante de Deus todos somos pecadores. Somente Deus é Santo. Um pecador não tem autoridade para julgar e condenar outro pecador, pois um cego não guia outro cego. Portanto, peca gravemente quem julgar e condenar pessoas homoafetivas. Deus não condenou estas pessoas, nem nas Escrituras nem na pessoa de Jesus.  

O que na Bíblia está escrito como possibilidade de condenação de homoafetivos é algo que precisa ser lido à luz do contexto epocal (Quem, onde, quando, para quem e com que finalidade escreveu). Por isso, extrair versículos bíblicos, descontextualizando-os, para julgar e condenar pessoas é um pecado grave que se comete contra o Deus que inspirou o texto sagrado. O princípio que rege a genuína hermenêutica bíblica é: A Bíblia não foi escrita para condenar as pessoas, em hipótese alguma. Em nenhuma passagem bíblia Deus condena o ser humano à perdição eterna. A vingança, o preconceito, a discriminação, a acepção de pessoas e toda espécie de comportamento desumanizador não tem nenhuma legitimidade nas Escrituras Sagradas. Estas foram escritas para transmitir a mensagem de salvação e não de condenação da humanidade. Quem julga e condena em nome de Deus e com pseudofundamento na Bíblia irá responder diante de Deus por tão grave pecado.

            Todas as vítimas das inúmeras injustiças que se cometem neste mundo podem entrar em plena comunhão com a cruz de Cristo. Na cruz, Jesus se uniu a todas aquelas pessoas feridas em sua dignidade, perseguidas e assassinadas. Em Jesus, as pessoas homoafetivas são nossas irmãs. Também elas foram remidas no sangue de Jesus. E para o escândalo dos cristãos, juntamente com os ladrões e prostitutas, elas entrarão no Reino de Deus primeiro do que os líderes religiosos. O próprio Jesus fez tal afirmação, dirigindo-se às autoridades religiosas de seu tempo. Quando julgam e condenam os pecadores, os cristãos se esquecem dessa parte do evangelho, fazendo o que Jesus reprova. Todo sofredor, independentemente de sua situação sexual, encontra acolhida no coração amoroso da Comunidade Trinitária. Esta é Amor e neste não há julgamento e condenação de quem quer que seja. Deus é incapaz de condenar porque Ele é amor. Ele somente cura, restaura, concede a vida e salva. Por isso, é pura misericórdia infinita. Os cristãos precisam aprender com Jesus, seu Senhor e Mestre, a serem misericordiosos e amorosos, sendo, somente desse modo, fieis ao evangelho.

            A atriz Viviany Beleboni, transexual de 26 anos, que apareceu na parada da comunidade LGBT, utilizando-se do símbolo da cruz, como “crucificada”, está em plena sintonia com o sentido teológico da cruz de Cristo. Na cruz se encontram os crucificados da história: as vítimas das inúmeras formas de violência que se cometem neste mundo, contra as “minorias abraâmicas” (expressão do santo bispo dom Helder Câmara). A cruz de Jesus está em todos os lugares nos quais as pessoas estão sendo massacradas. Jesus não se encontra nas imagens foleadas a ouro e prata de nossas Igrejas, mas se encontra sofrendo na carne das vítimas do ódio, do preconceito, da discriminação, do racismo e toda forma de ostracismo social. O sentido da cruz está no Crucificado. É ele o centro da fé cristã. Jesus não foi levado ao madeiro da cruz para transformá-la num símbolo religioso. Ele não pensava em símbolo, mas nas pessoas massacradas pelo Império e pelos fardos pesados impostos pelos religiosos de sua época.

            Na ótica do Reino, Deus não está preocupado se uma pessoa é lésbica, gay, travesti, transexual ou heterossexual. Todos são irmãos e seus filhos amados. Este julgamento e acepção que se faz não é coisa de Deus, mas problema humano. Trata-se da dificuldade que se tem em aceitar o outro como ele é. Trata-se, ainda, da dificuldade que se tem em aceitar a diversidade de todas as realidades. O mundo nunca foi nem jamais vai ser uniforme. As Igrejas precisam aprender a pedagogia de Jesus, presente em seu agir missionário: Aproximar-se das pessoas, escutá-las com a devida atenção e respeito, buscar compreendê-las em seus contextos e histórias, amá-las para que se sintam acolhidas, redimidas e salvas. Este é o remédio da misericórdia. É preciso também compreender que os símbolos apontam para a realidade, e que esta é mais importante que aqueles. Não são os símbolos que salvam, e não foi Deus quem o criou. A cruz simboliza salvação, não condenação. Jamais se pode condenar uma pessoa por ela ter se identificado com a cruz de Jesus. Isto é ignorância, covardia, desumanidade, farisaísmo, pecado grave.

            Por fim, queremos concluir nossa reflexão, dando ênfase a algumas afirmações necessárias para uma fé esclarecida, sadia e restauradora: 1) Deus é Amor e quem Nele crê só está na verdade se amar o próximo sem cair na tentação de mudá-lo; 2) Deus é Misericórdia e quem Nele crê só está na verdade se aprender a perdoar o próximo, sem guardar ressentimentos; 3) Deus é Comunhão e quem Nele crê só está na verdade se encontrá-lo no rosto sofrido do outro, na acolhida deste rosto revelador do amor divino; 4) Deus é Paz e quem Nele crê só está na verdade quem aprendeu a ser pacífico, não compactuando com a cultura da eliminação do outro, por causa de suas diferenças e 5) Deus é Liberdade e quem Nele crê só está na verdade quando se coloca a serviço da libertação integral do outro. Quem reforça a opressão do outro é inimigo de Deus. Religião sem amor é hipocrisia, e somente o amor liberta as pessoas de seus males.

Tiago de França

domingo, 7 de junho de 2015

Como conhecer e viver a vontade de Deus?

“Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 35).

            Fazer a vontade de Deus: eis a condição essencial para ser irmão de Jesus. Não há nenhuma outra condição senão esta. Não precisamos inventar outras porque Jesus somente estabeleceu uma. O desafio é conhecer a vontade de Deus e praticá-la na vida. Não basta conhecê-la, mas é necessário praticá-la. Na verdade, sem a prática não há conhecimento da vontade divina, pois ela vai se revelando na medida em que o seguidor de Jesus vai se colocando em seu caminho. Portanto, somente a conhece quem se arrisca no caminho de Jesus. Esta parece ser a via necessária para tal conhecimento.  

Neste sentido, os estudiosos em Bíblia e os especialistas em religiões não podem afirmar que conhecem a vontade divina somente porque vivem por conta dos estudos das coisas relacionadas a Deus. Estudar teologia, Bíblia e religião é necessário, mas não dá acesso ao conhecimento pleno da vontade de Deus.

            Colocando-se no caminho de Jesus, o discípulo missionário vai descobrindo a vontade de Deus. Não se trata de ter acesso a um conceito, rigorosamente elaborado e contido nos tratados de mística, espiritualidade e teologia. Esses conceitos são frutos da imaginação e da inteligência humana. São até bonitos e doces à audição, mas Deus não está preso a eles. Deus e sua vontade não são conceitos abstratos, mas realidade encarnada no meio do mundo.  

A vontade divina é conhecida em meio às idas e vindas da vida. Deus fala a partir da realidade da vida humana. Por isso, é preciso aprender a discernir, e o dom do discernimento passa, necessariamente, por três atitudes fundamentais: saber ouvir, saber enxergar e permanecer acordado. Falar é importante, mas para discernir é preciso também saber silenciar. Vamos compreender melhor o dom do discernimento, pois dele depende a conversão do discípulo missionário de Jesus.

            Saber ouvir significa aprender a obedecer. Em um mundo marcado por revoltas, é necessário redescobrir o dom da obediência à voz do Espírito Santo. É preciso obedecer para conhecer a vontade de Deus. Não se trata de obedecer às leis religiosas impostas em nome de Deus como se correspondessem, exatamente, à sua vontade. Muitas vezes, o que ocorre nas Igrejas cristãs é que as pessoas procuram mais conhecer somente as leis religiosas e menos a vontade de Deus. 

Certamente, as leis religiosas tem a sua importância e seu lugar na vida cristã, mas por si mesmas não levam ninguém ao cumprimento da vontade divina. O discípulo missionário precisa aprender a ouvir a Deus falando na realidade da vida, pois ao identificar a voz de Deus ser-lhe-á revelada sua missão naquela determinada realidade. Deus fala e mostra o que se deve fazer. É preciso ouvir as pessoas e ao mundo. Onde está Deus falando em meio ao barulho e a confusão do mundo? O que ele está dizendo? Para onde está apontando?...

            Saber enxergar significa aprender a situar-se na realidade. Onde o discípulo missionário precisa armar a sua tenda? Impulsionado pelo amor, quem segue Jesus aprende a enxergar a vida com os olhos da fé, com os olhos de Jesus. Enxergar como Jesus significa ver o mundo e as pessoas com os olhos da compaixão, que não se trata se sentir pena das pessoas, mas compadecer-se delas, assumindo as suas dores, entrando, assim, em comunhão de vida. Para isto, é preciso aproximação, sensibilidade e disponibilidade; mas antes é preciso não se recusar à visão da realidade. 

Fazer-se de cego é ser omisso, e a omissão é um pecado grave. No discernimento, o Espírito Santo concede o dom da visão da realidade. O cristão aprende, desse modo, a ver a Deus na carne sofrida do outro. Como seguir Jesus sem vê-lo no meio do povo, inserido na vida do povo de Deus? Sem esta visão não existe seguimento. A visão leva à inserção na vida cotidiana das pessoas. Portanto, não se trata de mera contemplação passiva, mas de contemplação ativa.

            Permanecer acordado significa estar atento e vigilante diante dos sinais dos tempos. Em um mundo marcado pelo barulho e pela dispersão, somente quem permanece atento e vigilante consegue conhecer a vontade de Deus. A atenção é um dom de Deus. Pessoas desatentas não conseguem enxergar o outro, não conseguem ver a Deus no outro; logo, não dão conta de seguir Jesus.  

Também o dom da vigilância foi recomendado por Jesus. A vigilância ativa é a espera laboriosa do Reino de Deus. Significa agir sob a orientação do Espírito Santo com a plena consciência de que somos apenas trabalhadores, semeadores da semente, pois o seu germinar e frutificar não dependem do semeador, mas é dom misterioso da ação amorosa e silenciosa de Deus.

            Por fim, não poderíamos nos esquecer de mencionar que a oração também é um dos lugares de encontro com Deus, ferramenta indispensável para conhecermos a sua vontade. Tanto na oração comunitária, nas assembleias dos fieis, quanto na oração pessoal, Deus fala ao coração de seus filhos e filhas, revelando-lhes a sua vontade, em vista da edificação de seu Reino. 

Deus não revela a sua vontade para que as pessoas construam um projeto intimista de felicidade. Isto jamais ocorre. O verdadeiro cristão jamais diz: “Quero cumprir a vontade de Deus porque quero ser feliz!” De fato, ser feliz não é um pecado e Deus não se opõe à felicidade humana, mas Ele não se submete à mera satisfação dos desejos humanos. Deus não compactua com o nosso egoísmo. Por isso, quem quiser conhecer a sua vontade e praticá-la na vida precisa se dispor a amar até as últimas consequências, pois é no amor que se conhece e se ama a Deus. Fora do amor não há conhecimento e cumprimento da vontade divina, não há salvação.


Tiago de França

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Onde está o corpo e sangue de Jesus?

“O objetivo da eucaristia é o memorial, a recordação viva de Jesus, com seu influxo enriquecedor para a existência, enquanto o comer e beber é o modo como o recordamos” (Roger Lenaers).

            Infelizmente, a celebração solene do corpo e do sangue de Jesus se transformou em um evento cultural: nas comunidades cristãs católicas se investe em longos tapetes pelas principais ruas das cidades para uma exposição pública da hóstia consagrada em ostensórios banhados a prata e ouro. Os jornais televisivos mostram, anualmente, este grande espetáculo da fé. Milhares de fieis acompanham piedosamente as procissões do santíssimo sacramento. Depois, voltam para suas casas com a consciência de que prestaram um culto fiel ao corpo e sangue de Jesus. Pronto. Dever cumprido! Agora, vão se encontrar com este corpo santo na próxima celebração eucarística. E assim ocorre, ano após ano.

            Vejamos o título de nossa meditação: Onde está o corpo e o sangue de Jesus? A resposta é simples: passando fome, frio, doente, sendo violentado, agonizando e morrendo em tantos irmãos e irmãs que sofrem no mundo. Nos corpos destas pessoas, Jesus está esperando ser encontrado. De fato, prestar um culto paralitúrgico é bem mais fácil: só custa alguns metros de caminhada. Após a bênção do santíssimo, todos estão assegurados do dever cumprido. Dever para com a Igreja, não para com Jesus. Na verdade, com o devido respeito aos devotos da adoração ao santíssimo sacramento, Jesus em nenhum momento pediu para ser adorado nas espécies do pão e do vinho. No evangelho não encontramos nenhuma recomendação implícita ou explícita de Jesus que indique a necessidade da adoração da eucaristia. Esta adoração surgiu muito depois da Igreja Primitiva, portanto, muito depois de Jesus.

            Não estamos afirmando que tal adoração seja um mal e, portanto, um pecado. Nada disso. O pecado se encontra no perigo de se reduzir a eucaristia à um culto de adoração. Partindo do pressuposto de que Jesus instituiu a eucaristia, ele não a instituiu para ser nela adorado. Quem afirmar isto está em pleno desacordo com o evangelho. Baseando-se nisto, podemos dizer que a participação nas procissões e momentos de adoração ao santíssimo sacramento não deve ser uma obrigação para os crentes, mas momentos paralitúrgicos facultativos. Quem faltar a estes momentos não está quebrando a sua união com Jesus. Estaria terminada a união com Jesus toda vez que um crente o recebe nas espécies do pão e do vinho e se recusa a recebê-lo na vida dos irmãos e irmãs sofredores; o que, infelizmente, ocorre em inúmeros casos.

            Na vida da Igreja, a eucaristia é celebração memorial, recordação viva de Jesus. Recordar Jesus significa entrar na dinâmica do seu caminho, que constrói o Reino de Deus. Eucaristia é participação na vida do outro, é comunhão fraterna geradora da vida plena. Quem recebe a eucaristia para viver uma relação intimista com Jesus não compreendeu o verdadeiro sentido deste importante sacramento. Quando se reduz a eucaristia a uma celebração (missas) rotineira nos templos, facilmente há um crescente abandono do sacramento. Na verdade, as pessoas não abandonam Jesus, mas o culto exaustivo em que se transformaram inúmeras celebrações eucarísticas na Igreja. Não adianta condenar aquelas pessoas que já não veem mais sentido na participação em tais celebrações, pois tal condenação, em si, já é um pecado contra a eucaristia. Além disso, quanto mais se condena, mais as pessoas se afastam.

            Por fim, é preciso dizer, categoricamente: Um templo cheio de fieis não corresponde, necessariamente, a um maior número de pessoas que vivem em comunhão com Jesus. Infelizmente, a participação massiva de fieis nas missas continua sendo a preocupação de muitos padres e bispos. Templos cheios não são sinônimos de comunhão fraterna. Somente o encontro com Jesus no outro é capaz de gerar a verdadeira e necessária comunhão fraterna na Igreja e no mundo. Jesus pediu seguidores e seguidoras, mulheres e homens dispostos a se transformarem em sal e luz do mundo, operários do Reino de Deus. Se nos recusamos a ser operários do Reino, vão é o nosso culto de adoração a Deus, por mais belamente litúrgico que aparente ser. É preciso adorar com os lábios, com o coração, com os braços abertos e mãos disponíveis para o cuidado do outro, pois neste está a eucaristia, vida plena para todos.


Tiago de França