“O
objetivo da eucaristia é o memorial, a recordação viva de Jesus, com seu
influxo enriquecedor para a existência, enquanto o comer e beber é o modo como
o recordamos” (Roger Lenaers).
Infelizmente, a celebração solene do corpo e do sangue de
Jesus se transformou em um evento cultural: nas comunidades cristãs católicas
se investe em longos tapetes pelas principais ruas das cidades para uma
exposição pública da hóstia consagrada em ostensórios banhados a prata e ouro. Os
jornais televisivos mostram, anualmente, este grande espetáculo da fé. Milhares
de fieis acompanham piedosamente as procissões do santíssimo sacramento. Depois,
voltam para suas casas com a consciência de que prestaram um culto fiel ao
corpo e sangue de Jesus. Pronto. Dever cumprido! Agora, vão se encontrar com
este corpo santo na próxima celebração eucarística. E assim ocorre, ano após
ano.
Vejamos o título de nossa meditação: Onde está o corpo e
o sangue de Jesus? A resposta é simples: passando fome, frio, doente, sendo
violentado, agonizando e morrendo em tantos irmãos e irmãs que sofrem no mundo.
Nos corpos destas pessoas, Jesus está esperando ser encontrado. De fato,
prestar um culto paralitúrgico é bem mais fácil: só custa alguns metros de
caminhada. Após a bênção do santíssimo, todos estão assegurados do dever
cumprido. Dever para com a Igreja, não para com Jesus. Na verdade, com o devido
respeito aos devotos da adoração ao santíssimo sacramento, Jesus em nenhum
momento pediu para ser adorado nas espécies do pão e do vinho. No evangelho não
encontramos nenhuma recomendação implícita ou explícita de Jesus que indique a
necessidade da adoração da eucaristia. Esta adoração surgiu muito depois da
Igreja Primitiva, portanto, muito depois de Jesus.
Não estamos afirmando que tal adoração seja um mal e,
portanto, um pecado. Nada disso. O pecado se encontra no perigo de se reduzir a
eucaristia à um culto de adoração. Partindo do pressuposto de que Jesus
instituiu a eucaristia, ele não a instituiu para ser nela adorado. Quem afirmar
isto está em pleno desacordo com o evangelho. Baseando-se nisto, podemos dizer
que a participação nas procissões e momentos de adoração ao santíssimo
sacramento não deve ser uma obrigação para os crentes, mas momentos
paralitúrgicos facultativos. Quem faltar a estes momentos não está quebrando a
sua união com Jesus. Estaria terminada a união com Jesus toda vez que um crente
o recebe nas espécies do pão e do vinho e se recusa a recebê-lo na vida dos
irmãos e irmãs sofredores; o que, infelizmente, ocorre em inúmeros casos.
Na vida da Igreja, a eucaristia é celebração memorial,
recordação viva de Jesus. Recordar Jesus significa entrar na dinâmica do seu
caminho, que constrói o Reino de Deus. Eucaristia é participação na vida do
outro, é comunhão fraterna geradora da vida plena. Quem recebe a eucaristia
para viver uma relação intimista com Jesus não compreendeu o verdadeiro sentido
deste importante sacramento. Quando se reduz a eucaristia a uma celebração
(missas) rotineira nos templos, facilmente há um crescente abandono do
sacramento. Na verdade, as pessoas não abandonam Jesus, mas o culto exaustivo
em que se transformaram inúmeras celebrações eucarísticas na Igreja. Não adianta
condenar aquelas pessoas que já não veem mais sentido na participação em tais
celebrações, pois tal condenação, em si, já é um pecado contra a eucaristia. Além
disso, quanto mais se condena, mais as pessoas se afastam.
Por fim, é preciso dizer, categoricamente: Um templo
cheio de fieis não corresponde, necessariamente, a um maior número de pessoas
que vivem em comunhão com Jesus. Infelizmente, a participação massiva de fieis
nas missas continua sendo a preocupação de muitos padres e bispos. Templos cheios
não são sinônimos de comunhão fraterna. Somente o encontro com Jesus no outro é
capaz de gerar a verdadeira e necessária comunhão fraterna na Igreja e no
mundo. Jesus pediu seguidores e seguidoras, mulheres e homens dispostos a se
transformarem em sal e luz do mundo, operários do Reino de Deus. Se nos
recusamos a ser operários do Reino, vão é o nosso culto de adoração a Deus, por
mais belamente litúrgico que aparente ser. É preciso adorar com os lábios, com
o coração, com os braços abertos e mãos disponíveis para o cuidado do outro,
pois neste está a eucaristia, vida plena para todos.
Tiago de França
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