“Recomendou-lhes
que não levassem nada pelo caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola,
nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem
duas túnicas” (Mc 6, 8 – 9).
Quando Jesus enviou seus discípulos em missão, dentre
outras recomendações lhes pediu que se tornassem pessoas despojadas. Trata-se
de uma das exigências da missão. Dificilmente esta pode ser realizada com êxito
se não há despojamento. Para ser missionário, o cristão precisa ser livre. Sem
despojamento não há liberdade para a missão. O próprio Jesus é o exemplo por
excelência de missionário livre, e na liberdade cumpriu a missão que lhe foi
dada pelo Pai: inaugurar no mundo o Reino de Deus.
Tendo cumprido a vontade do Pai, Jesus quis que seus
discípulos fizessem a mesma coisa. Para continuar a sua missão no mundo, os
cristãos precisam trilhar os passos dele: Abraçar, definitivamente, o caminho
da humildade e do despojamento. Ser despojado não significa vestir um hábito
religioso, segundo o modelo medieval, e sair pelo mundo chamando a atenção das
pessoas. Esta é uma das tendências de jovens religiosos que fundam comunidades
neopentecostais no cristianismo atual. Não é deste tipo de despojamento que
estamos falando. Este é um despojamento aparente que, na verdade, de
despojamento não tem nada.
O verdadeiro despojamento não é bem visto pela maioria
dos cristãos. Muitos até acham bonito, mas não o desejam para si. Ter somente
onde dormir, o que vestir e comer, saúde para manter-se vivo, ao estilo de vida
dos pobres, constituem algo indesejável para a maioria. Aderir ao estilo de
vida de Jesus: pobre, sem ter onde reclinar a cabeça. Aos olhos de muita gente,
hoje em dia, tal coisa soa como exagero. É assim porque as pessoas procuram carro
do ano, casas demasiadamente confortáveis, computadores e celulares de última
geração, viagens nacionais e internacionais caras, roupas e adereços caros,
altos salários etc.
Isto
ocorre tanto entre os seculares quanto entre muitos religiosos. Dizia-me, certa
vez, um seminarista de uma grandiosa congregação religiosa: “Não vejo a hora de
professar os votos, para eu ser um homem rico!” A partir do voto de pobreza, os
religiosos tem todas as seguranças possíveis. O voto de pobreza os liberta da
pobreza! Muitos levam uma vida simples, mas suas ordens e congregações são
ricas. Quando adoecem, por exemplo, são atendidos nos hospitais caros, para
tratamentos caríssimos, pois possuem ótimos planos de saúde. Se o leitor acha
que é exagero, então procure uma congregação religiosa e informe-se sobre os
direitos dos religiosos após a profissão solene dos votos. Neste sentido, se
tais instituições religiosas não oferecessem tamanhas seguranças, o número dos
jovens que as procuram seria bem menor.
Os que são contrários à pobreza ensinada por Jesus,
argumentam que ele não foi contra a riqueza, que comeu na casa de Zaqueu, que ensinou
a abundância, que desejou vida digna para todos etc. É preciso que saibamos
diferenciar pobreza de miséria. Jesus não pregou a miséria, mas a pobreza como
condição fundamental para a missão. Para Jesus, os pobres são felizes, e a
miséria deve ser erradicada. Miséria é a condição de vida que está abaixo da
pobreza. Nela se encontram todos aqueles que não possuem as condições básicas
para uma vida digna: os sem casa, sem trabalho, sem comida, os que não tem
acesso à saúde etc.
Quando
Jesus fala de abundância, ele não está, de forma alguma, exaltando a vida dos
ricos nem a riqueza. Vida em abundância é vida digna para todos, que todos
possam ter o necessário para viver dignamente. Os adeptos da teologia da
prosperidade ensinam que Jesus condenou a pobreza e defendeu a ideia de que
todas as pessoas fossem ricas. Esta tese não encontra nenhum fundamento em
Jesus e sua prática missionária. É pura invenção humana, portanto, deturpação
do evangelho de Jesus.
Na
Igreja, tanto para os que exercem a missão em vocações específicas (ministério
ordenado e consagração religiosa) quanto para os demais serviços ao povo de
Deus, a recomendação de Jesus é a mesma: Sede missionários pobres para o
serviço dos pobres! Fora disso não há como ter uma Igreja verdadeiramente
missionária e pobre. Nesta mesma linha, discorreu belamente o papa Francisco em
sua encíclica Evangelii Gaudium. O
grande e grave problema é que tanto as palavras de Jesus quanto as do papa
Francisco são mais elogiadas que observadas. Causam muita comoção e pouca
conversão. O estilo de vida de Jesus é exigente e radical, para manter-se nele
é preciso permanecer em plena comunhão com ele; do contrário, não há como
perseverar no caminho.
Por
fim, eis algumas afirmações que resumem nossa meditação à luz do evangelho de
Jesus:
1)
Jesus pregou a pobreza com o testemunho da própria vida, e disse não à miséria.
Ele não fez opção pelos pobres porque nasceu e viveu como pobre. Opção pelos
pobres faz quem é rico, convertendo-se à pobreza. Deus, em seu infinito amor,
optou pelos pobres ao fazer Jesus nascer entre os pobres, numa família pobre de
Nazaré. Esta opção divina já acontece desde o Antigo Testamento. A revelação
bíblica fala claramente, desde Abraão até Jesus, da opção de Deus pelos pobres;
2)
Quem não vive o estilo de vida de Jesus é incapaz de segui-lo. Não adianta
tentar justificar riqueza adquirida, lícita ou ilicitamente. O que vem além do
necessário é supérfluo, portanto, empecilho para a missão;
3)
A conversão estrutural e pastoral da Igreja passa, necessariamente, pela
pobreza. Somente aderindo ao estilo de vida de Jesus, a Igreja será,
verdadeiramente, a Casa e a Advogada dos Pobres. Enquanto estiver atrelada aos
poderosos e a seu estilo de vida, sempre será olhada com desconfiança e seu
discurso continuará não sendo escutado;
4)
Jesus não condenou os ricos à perdição eterna, nem os excluiu do Reino de Deus,
mas os chamou à conversão à pobreza. Sem esta conversão não adianta ser bom
católico, pois fora dessa conversão não há autêntico cristão;
5)
Ser livre para a missão não é somente
ser despojado de bens materiais, mas de toda espécie de sentimento e formas de
proceder que escravizam: espírito de superioridade, arrogância, orgulho,
vaidade, aspereza, inveja, ambição, apego ao poder e ao prestígio etc. O
missionário livre conhece seus próprios limites, reconhece-se pecador e seu
proceder é o de um irmão, não de um senhor da vida do outro. Apresenta-se como
enviado por Jesus, portador de uma mensagem de vida e de liberdade. É sal e luz
do mundo, como o seu mestre Jesus. Não tem medo de ser livre e na liberdade
persevera até às últimas consequências.
Tiago de França