domingo, 19 de julho de 2015

Tempo de descanso e reflexão

Amigos/as,

Até o dia 31 do corrente mês, estarei descansando um pouco. Trata-se de um breve período de férias, tanto do trabalho quanto dos estudos. Neste período, também ficarei sem publicar minhas reflexões. Volto com a atualização deste blogue a partir do próximo mês. Faz bem silenciar um pouco para rezar, descansar, recarregar as energias e repensar um pouco a caminhada.

Grande abraço,

Tiago de França

segunda-feira, 13 de julho de 2015

O despojamento para a missão

“Recomendou-lhes que não levassem nada pelo caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas” (Mc 6, 8 – 9).

            Quando Jesus enviou seus discípulos em missão, dentre outras recomendações lhes pediu que se tornassem pessoas despojadas. Trata-se de uma das exigências da missão. Dificilmente esta pode ser realizada com êxito se não há despojamento. Para ser missionário, o cristão precisa ser livre. Sem despojamento não há liberdade para a missão. O próprio Jesus é o exemplo por excelência de missionário livre, e na liberdade cumpriu a missão que lhe foi dada pelo Pai: inaugurar no mundo o Reino de Deus.

            Tendo cumprido a vontade do Pai, Jesus quis que seus discípulos fizessem a mesma coisa. Para continuar a sua missão no mundo, os cristãos precisam trilhar os passos dele: Abraçar, definitivamente, o caminho da humildade e do despojamento. Ser despojado não significa vestir um hábito religioso, segundo o modelo medieval, e sair pelo mundo chamando a atenção das pessoas. Esta é uma das tendências de jovens religiosos que fundam comunidades neopentecostais no cristianismo atual. Não é deste tipo de despojamento que estamos falando. Este é um despojamento aparente que, na verdade, de despojamento não tem nada.

            O verdadeiro despojamento não é bem visto pela maioria dos cristãos. Muitos até acham bonito, mas não o desejam para si. Ter somente onde dormir, o que vestir e comer, saúde para manter-se vivo, ao estilo de vida dos pobres, constituem algo indesejável para a maioria. Aderir ao estilo de vida de Jesus: pobre, sem ter onde reclinar a cabeça. Aos olhos de muita gente, hoje em dia, tal coisa soa como exagero. É assim porque as pessoas procuram carro do ano, casas demasiadamente confortáveis, computadores e celulares de última geração, viagens nacionais e internacionais caras, roupas e adereços caros, altos salários etc.  

Isto ocorre tanto entre os seculares quanto entre muitos religiosos. Dizia-me, certa vez, um seminarista de uma grandiosa congregação religiosa: “Não vejo a hora de professar os votos, para eu ser um homem rico!” A partir do voto de pobreza, os religiosos tem todas as seguranças possíveis. O voto de pobreza os liberta da pobreza! Muitos levam uma vida simples, mas suas ordens e congregações são ricas. Quando adoecem, por exemplo, são atendidos nos hospitais caros, para tratamentos caríssimos, pois possuem ótimos planos de saúde. Se o leitor acha que é exagero, então procure uma congregação religiosa e informe-se sobre os direitos dos religiosos após a profissão solene dos votos. Neste sentido, se tais instituições religiosas não oferecessem tamanhas seguranças, o número dos jovens que as procuram seria bem menor.

            Os que são contrários à pobreza ensinada por Jesus, argumentam que ele não foi contra a riqueza, que comeu na casa de Zaqueu, que ensinou a abundância, que desejou vida digna para todos etc. É preciso que saibamos diferenciar pobreza de miséria. Jesus não pregou a miséria, mas a pobreza como condição fundamental para a missão. Para Jesus, os pobres são felizes, e a miséria deve ser erradicada. Miséria é a condição de vida que está abaixo da pobreza. Nela se encontram todos aqueles que não possuem as condições básicas para uma vida digna: os sem casa, sem trabalho, sem comida, os que não tem acesso à saúde etc. 

Quando Jesus fala de abundância, ele não está, de forma alguma, exaltando a vida dos ricos nem a riqueza. Vida em abundância é vida digna para todos, que todos possam ter o necessário para viver dignamente. Os adeptos da teologia da prosperidade ensinam que Jesus condenou a pobreza e defendeu a ideia de que todas as pessoas fossem ricas. Esta tese não encontra nenhum fundamento em Jesus e sua prática missionária. É pura invenção humana, portanto, deturpação do evangelho de Jesus.

Na Igreja, tanto para os que exercem a missão em vocações específicas (ministério ordenado e consagração religiosa) quanto para os demais serviços ao povo de Deus, a recomendação de Jesus é a mesma: Sede missionários pobres para o serviço dos pobres! Fora disso não há como ter uma Igreja verdadeiramente missionária e pobre. Nesta mesma linha, discorreu belamente o papa Francisco em sua encíclica Evangelii Gaudium. O grande e grave problema é que tanto as palavras de Jesus quanto as do papa Francisco são mais elogiadas que observadas. Causam muita comoção e pouca conversão. O estilo de vida de Jesus é exigente e radical, para manter-se nele é preciso permanecer em plena comunhão com ele; do contrário, não há como perseverar no caminho.

Por fim, eis algumas afirmações que resumem nossa meditação à luz do evangelho de Jesus:

1) Jesus pregou a pobreza com o testemunho da própria vida, e disse não à miséria. Ele não fez opção pelos pobres porque nasceu e viveu como pobre. Opção pelos pobres faz quem é rico, convertendo-se à pobreza. Deus, em seu infinito amor, optou pelos pobres ao fazer Jesus nascer entre os pobres, numa família pobre de Nazaré. Esta opção divina já acontece desde o Antigo Testamento. A revelação bíblica fala claramente, desde Abraão até Jesus, da opção de Deus pelos pobres;

2) Quem não vive o estilo de vida de Jesus é incapaz de segui-lo. Não adianta tentar justificar riqueza adquirida, lícita ou ilicitamente. O que vem além do necessário é supérfluo, portanto, empecilho para a missão;

3) A conversão estrutural e pastoral da Igreja passa, necessariamente, pela pobreza. Somente aderindo ao estilo de vida de Jesus, a Igreja será, verdadeiramente, a Casa e a Advogada dos Pobres. Enquanto estiver atrelada aos poderosos e a seu estilo de vida, sempre será olhada com desconfiança e seu discurso continuará não sendo escutado;

4) Jesus não condenou os ricos à perdição eterna, nem os excluiu do Reino de Deus, mas os chamou à conversão à pobreza. Sem esta conversão não adianta ser bom católico, pois fora dessa conversão não há autêntico cristão;

5)  Ser livre para a missão não é somente ser despojado de bens materiais, mas de toda espécie de sentimento e formas de proceder que escravizam: espírito de superioridade, arrogância, orgulho, vaidade, aspereza, inveja, ambição, apego ao poder e ao prestígio etc. O missionário livre conhece seus próprios limites, reconhece-se pecador e seu proceder é o de um irmão, não de um senhor da vida do outro. Apresenta-se como enviado por Jesus, portador de uma mensagem de vida e de liberdade. É sal e luz do mundo, como o seu mestre Jesus. Não tem medo de ser livre e na liberdade persevera até às últimas consequências. 

Tiago de França 

domingo, 5 de julho de 2015

A falta de fé em Jesus

“Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc 6, 4).

            Em Nazaré, sua terra natal, acompanhado com seus discípulos, Jesus não foi acolhido. Além de não ter sido acolhido, o povo de Nazaré não acreditou na sua palavra, mas ficaram se perguntando pela origem de sua sabedoria e de seus milagres. O povo não compreendeu o mistério que envolvia a pessoa de Jesus. Para eles, seu conterrâneo não passava de um filho de carpinteiro, nascido de Maria. Diante dessa triste situação, Jesus ficou admirado com a falta de fé de seus conterrâneos, “e ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos”.

            O que esta visita de Jesus à sua terra natal nos ensina? O texto mostra que o povo de Nazaré não viu nada de extraordinário na pessoa de Jesus. De fato, se fazemos uma leitura bem feita das narrativas evangélicas, logo constatamos que Jesus, humanamente falando, não tinha nada demais: era um homem comum, igual aos demais. Além de ser um homem comum, tinha algumas atitudes que eram tidas como suspeitas pelas autoridades civis e religiosas da época como, por exemplo, sua resistência quanto ao cumprimento de determinadas leis religiosas que marginalizavam as pessoas. Em muitas ocasiões, escandalizava os mais piedosos da religião. Ele não era sacerdote nem doutor da lei. Estes eram considerados os sábios do povo. Apesar disso, Jesus tinha algo que estes doutores desconheciam: O livre acesso ao Pai, pois participava de sua intimidade, e isto lhe deu o conhecimento da sabedoria divina.

            Hoje, nossas Igrejas possuem seus sacerdotes e doutores. Muitos destes reconhecem o mistério que envolve a pessoa de Jesus. Os que não reconhecem são aqueles que exercem funções ministeriais e magisteriais como meros funcionários. Isto tem sido denunciado, incansavelmente, pelo papa Francisco, desde o início de seu pontificado. Os estudos teológicos ao longo da história são consideráveis, desenvolveram-se gradativamente e chegaram a um nível admirável, mas não basta ser teólogo para conhecer o mistério de Jesus. Este conhecimento não está restrito aos estudos teológicos, mas é vivencial. É preciso se encontrar com Jesus. Além disso, é preciso abrir-se a ele. É necessário participar da sua vida.

            Até hoje permanece a tendência, entre os pobres do povo, de se dar somente valor e ouvidos aos discursos dos doutores. Aqui me recordo de um fato significativo. Certo dia, no Instituto onde eu cursava Teologia, foi convidado para falar em uma semana teológica, um doutor em Bíblia. Seu discurso foi longo e rigorosamente elaborado. O doutor tinha estudado no Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Parecia um profundo conhecedor das letras bíblicas. Ao final da conferência, cheguei à conclusão de que era um doutor da lei, que desconhecia a pessoa de Jesus. Suas palavras mostravam claramente que conhecia intelectualmente Jesus, mas que não tinha se encontrado, ainda, com o Mestre de Nazaré. Sua arrogância intelectual era repugnante. Falava de um Jesus que não era o mesmo das narrativas evangélicas. Saí da conferência me perguntando: O que realmente este homem aprendeu com seu doutorado em Sagradas Escrituras? Resposta: Aprendeu a ser arrogante!

            Por outro lado, temos na Igreja grandes mestres nas Escrituras Sagradas, que além de ser doutos na compreensão intelectual, também o são na vida. Aqui posso citar dois nomes que são reconhecidos na Igreja do Brasil: um já falecido, Pe. José Comblin; outro ainda vivo, Frei Carlos Mesters. O primeiro foi um dos maiores profetas da Igreja no nordeste brasileiro. Sua obra teológica é incontestável. Exerceu a sua profecia com liberdade e ousadia. Morreu unido a Jesus, e seu testemunho edifica a Igreja dos Pobres. Era belga de nascimento e dotado de uma rara inteligência e venerável humildade. O segundo, nasceu na Holanda e é frade carmelita, está com 83 anos de idade. Profundo conhecedor das Escrituras e o único no Brasil que ousou traduzir a Bíblia para o povo, numa linguagem acessível. Não estamos falando de tradução das letras, de uma língua para outra, mas da tradução do seu significado, de sua mensagem de libertação. Sua obra é reconhecida por todos como uma dádiva divina. É um dos profetas da Igreja no Brasil, respeitado e querido por todos aqueles que se interessam por uma leitura transformadora da palavra de Deus.

            Ninguém precisa ser doutor em Bíblia ou em Teologia para compreender os mistérios de Deus. É verdade que os estudos bíblicos e teológicos são importantes, mas por si mesmos somente formam doutores. Para serem discípulos missionários de Jesus, os doutores precisam se colocar no caminho de Jesus, e isto não ocorre quando ficam isolados em seus confortáveis escritórios e bibliotecas. A verdadeira sabedoria teológica nasce quando a Bíblia é lida no lugar da manifestação de Deus na história: nas periferias do mundo. Neste santo lugar, onde vivem os empobrecidos, o Espírito de Deus revela o mistério divino. Misturado com os pecadores públicos, Jesus conheceu a sabedoria de Deus. As mulheres e homens, inseridos nos lugares da manifestação de Deus, por meio do Espírito, conhecem o mistério divino. O Espírito revela as profundezas de Deus a todo aquele que se abre à sua ação. É algo que nenhuma palavra humana consegue traduzir com plenitude, pois se trata de uma revelação misteriosa do mistério. Este é aberto a todos, mas poucos conseguem penetrá-lo.

            Por fim, eis algumas perguntas para a nossa meditação e oração pessoal: Como tenho me relacionado com Jesus? Sou como os seus conterrâneos? Reconheço e creio no mistério que envolve a sua pessoa? Sou seu amigo, ou minha relação é superficial e, por vezes, ocasional? Tenho caminhado com ele, ou somente o procuro quando preciso de um milagre? Creio na sua mensagem de libertação, ou somente o admiro? Tenho seguido seus passos, ou somente simpatizo-me com sua pessoa? Não basta rezar, ir à igreja, confessar-se e comungar, “pagar” o dízimo e participar das festas religiosas, cumprir os preceitos religiosos e ser piedoso. Jesus quer discípulos missionários, que unidos a ele transformem este mundo naquilo que Deus quer: Um mundo de irmãos, no qual se acabe a cultura da eliminação do outro. Ele nos convida a participarmos de sua vida. É arriscado, mas é algo lindo de viver!

Tiago de França