domingo, 30 de agosto de 2015

O amor e a lei

“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc 7, 6).

            Aquele que ama não precisa ficar preocupado com o cumprimento da lei, pois já a cumpre fielmente. Há muito tempo os cristãos sabem disso, mas há uma dificuldade enorme para aceitar esta verdade libertadora. Isto ocorre porque há uma tendência que – em muitos casos, chega a ser doentia – de apego à lei. Há pessoas obcecadas pelo cumprimento da lei. Querem, a todo custo, fazer valer a lei. Estão subordinadas à lei de modo doentio. A psicologia tem muito a dizer sobre este apego, mas aqui não queremos discorrer sobre. Basta-nos dizer, em plena sintonia com o evangelho de Jesus, que o apego à lei é um pecado que tem levado muita gente à perdição.

            É um equívoco ensinar às pessoas a fiel observância da lei como caminho para a salvação. A ninguém Jesus deu autoridade para tal ensino. Quem o faz está na contramão do evangelho. É preciso indicar o amor como o único caminho que leva à salvação, como a via segura para o cumprimento de toda a lei. O discípulo de Jesus, entregue ao amor, não vive em função da lei, mas do amor. Somente quem ama observa os mandamentos de Deus, e também as leis humanas. Quem ama não mata, não suborna, não trapaceia, não adultera, não mente, não ilude, não falseia, não ridiculariza, não rouba; enfim, não age contra o essencial porque o amor não se contradiz.

            Os que amam não faltam com a caridade, verdade, liberdade e bom senso. São livres da falsa prudência dos hipócritas. Não são fóbicos, mas serenos e seguros de si. Pensam sempre naquilo que constitui o núcleo fundamental da fé cristã: A caridade na verdade. Estão livres dos excessos dos inseguros e da hipocrisia dos escravos da letra da lei. Vivem em plena sintonia com o essencial, sem perder tempo com o secundário. E o secundário é aquela preocupação exacerbada com a observância rigorosa da lei em nome de um falso zelo pela Casa do Senhor. Esta Casa, Corpo místico de Cristo no mundo, somente pode ser zelada pela ternura e pelo cuidado das mãos generosas dos que amam a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

            Onde está a Casa do Senhor? Quem a constitui? São nossos corpos santos, violentados cotidianamente pelas intempéries do tempo presente. O outro é a morada de Deus, Casa santa a ser cuidada com o óleo do amor. Este cuidado corresponde a manter o coração próximo de Deus. Se o mais importante é o cumprimento rigoroso das leis humanas em detrimento das pessoas, então honramos a Deus somente com os lábios. Desse modo, em muitas realidades religiosas e seculares, tudo aparenta ordem e disciplina, mas as pessoas estão sendo excluídas e relegadas ao esquecimento. De que adianta ordem e disciplina sem amor? Tudo não passa de secura, cinza, escuridão, aparência de vida, morte. Há muita morte em muitos lugares ordenados e disciplinados. Há muito cadáver ambulante entre os cristãos!

            Ainda há tempo, na vida particular e eclesial, para seguirmos o mandamento de Deus e abandonarmos as tradições dos antigos. Hoje, muitas de nossas tradições já não ajudam, mas somente atrapalham, atravancam o caminho. Jesus quer mulheres e homens, discípulos missionários livres e impregnados de amor; pessoas que transbordam alegria e paz, de entranhas cheias de doçura e bondade, para adocicar e iluminar esse mundo de trevas, cheio de amargura.  

Abramos, pois, o nosso coração para a força que conduziu Jesus trabalhar em nós. Esta força tem o poder – somente ela o tem – para nos libertar de tudo aquilo que nos torna impuros, e que sai de dentro de nós: más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Mente todo aquele que se afirmar cristão sem se dispor a abrir o coração para o Espírito do Senhor, a fim de que este faça o seu ofício divino, libertando-nos para o amor. Assim renovados, seremos sal e luz do mundo e o Reino de Deus vai se tornando realidade em nós e entre nós.


Tiago de França

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